Ouça "False Prophet", novo single de "Rough and Rowdy Ways", 39º álbum de estúdio de Bob Dylan

Eis o bando: Donny Heron, Tony Garnier, o Chefe, George Receli, Stu Kimball e Charlie Sexton. Foto: John Shearer
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Por Márcio Grings c/colaboração de Cristiano Radtke

Agora é oficial. Os rumores e indícios já apontavam para um novo álbum de inéditas de Bob Dylan, o primeiro em oito anos. "Rough and Rowdy Ways", sucessor de "Tempest" (2012), chega às lojas o dia 19 de junho (uma sexta-feira). Nas últimas semanas, invariavelmente no intervalo de três semanas (e sempre numa sexta-feira!), Dylan apresentou alguns temas de sua mais recente leva de composições.

Fonte: www.richmond.com
Já havíamos conhecido as sensacionais "Murder Most Foul" (OUÇA) e "I Countain Multitudes" (OUÇA), divulgadas respectivamente nos dias 27/3 e 17/4. Vale lembrar que esse é o primeiro trabalho de Dylan (como compositor) após ganhar o Prêmio Nobel em 2016 — "por sua inestimável contribuição para o surgimento de novas expressões poéticas dentro da grande tradição musical norte-americana”, segundo justificou a academia sueca. E dentro desse espírito, por aquilo que já conhecemos de "Rough and Rowdy Ways", dá para afirmar que o bardo fincou pé num de seus maiores selos de qualidade — uma busca pelo espelhamento literário e a consequente ligação com espólios da música, cinema e literatura mundial. E "False Prophet", terceiro single divulgado nesta sexta-feira (8) não decepciona. É tudo aquilo que ainda podemos esperar de melhor do velho Bob, que no próximo dia 24 completa 79 anos.       

Provável capa do novo álbum, baseada numa foto do fotógrafo inglês Ian Berry. 

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A capa de "Rough and Rowdy Ways" é baseada numa imagem do fotógrafo inglês Ian Berry, e revela a dança de um casal enquanto um homem se debruça sobre uma jukebox. A fotografia original foi clicada em 1964, numa boate na extinta Cable Street, East London. 

Divulgação
O título do álbum é uma referência a "My Rough And Rowdy Ways",  obra do artista country Jimmie Rodgers (1897-1933). Já "False Prophet" é descaradamente decalcada de "If Lovin' Is Believing'', tema escrito por Billy ''The Kid'' Emerson, gravada pela Sun Records em 1954 — OUÇA

Nessa encarnação crooner-apocalíptica, Dylan cospe as palavras como um velho reverendo — "Não sou um falso profeta / apenas sei o que sei", uma antítese ao bordão socrático — "Só sei que nada sei". Assim, se coloca na posição de alguém que viu além do senso comum, um poder de clarividência que também pode estar associado ao charlatanismo. De todo modo, desde os anos 1960 Dylan rejeita o epíteto de salvador, convicção renovada numa entrevista a Ed Bradley para o programa 60 minutes, em 2004 — "Você se sente um impostor quando alguém pensa que você é algo que não o representa. Eu nunca quis ser um profeta"

Divulgação BD
A letra de "False Prophet" também evoca uma voz vingativa, como um vernáculo bíblico do Velho Testamento. Nas vestes de um pregador, há uma voz narrativa semelhante em "Narrow Way", uma das melhores faixas de "Tempest". Ainda buscando referências na era Jack Frost — alterego que Dylan utiliza para assinar a produção de seus álbuns desde "Love & Theft" (2001), encontramos ainda requintes poéticos na sua descrição — "O que você está olhando? / Não há nada para ser admirado / Cingidos por uma brisa fresca / Poderemos passear nesse jardim longínquo e amplo / E próximo a fonte, sentaremos à sombra".

A imagem da capa já foi utilizada nos anos 1950
A geografia artística explorada por Bob retorna a segunda metade do Século XIX, uma das bússulas de sua escrita nos últimos anos. O mais explícito exemplo dessa intenção está em "I Countain Multitudes", inspirado num poema de Walt Whitman, assim como também podemos relembrar "When the Deal Goes Down", de "Modern Times" (2006), com versos inspirados num texto de Henry Timrod,  um desconhecido poeta da época da Guerra Civil norte-americana.

Musicalmente, "False Prophet" ainda se assemelha a paisagens sonoras coligadas ao blues e ao rock'a'billy dylanista, temas como "Summer Days", "Lonesome Day Blues", "Cry a While", "Someday Baby" e "The Levee's Gonna Break", representando uma espécie de 'striptease blues', como disse Brian Hiatt, jornalista da Rolling Stone. Em suma —  é Bob Dylan na sua melhor forma, amparado pelos musícos que o acampanham na estrada (primeira foto dessa postagem). Tudo funciona à moda antiga, numa profusão matemática e cíclica que retorma sempre ao ponto incial — o riff da guitarra de Charlie Sexton, prenúncio de uma nova estrofe.

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"Rough and Rowdy Ways" já desponta como um dos grandes destaques de 2020, ano que nunca mais será esquecido, ano de pandemia, ano repleto de anomalias e contradições, e ano em que novamente Bob Dylan surge como voz oracular, o pregador com sua lanterna que nos revela visões apocalíticas do futuro. Tudo muito parecido com o passado, cíclico como um maldito déjà vu — "Não me lembro de quando nasci / Esqueci de quando morri". Nada mais profético. Que 19 de junho venha logo. 

Ouça "False Prophet".
    

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