Vitor Ramil – Recanto Maestro, 27 de Maio de 2023

| Fotos: Rodrigo Ricordi |
| Por Márcio Grings Fotos Rodrigo Ricordi |

Sempre que Vitor Ramil se apresenta nas regiões Centro ou Oeste do Rio Grande do Sul, possivelmente haja chances de eu estar presente a um destes eventos, pois trata-se do espaço geográfico por onde me movimento. Com isso, ao saber do espetáculo no Recanto Maestro, me programei para novamente encontrá-lo. O local da apresentação, possivelmente desconhecido para alguns, está localizado entre os municípios de Restinga Sêca e São João do Polêsine, a 40 quilômetros de Santa Maria. Cravado na chamada Quarta Colônia de Imigração Italiana, uma região incrustrada no Centro Oriental Rio-grandense, quarto polo de colonização italiana e o primeiro fora da Serra Gaúcha, o vale está envolto entre as exuberantes paisagens do Centro do Estado. É lá que ainda encontramos o Palco Bell’Anima, um anfiteatro com cerca de cem metros quadrados, em formato de meia-lua, projeto arquitetado pelo italiano Enrico Torrice. Devido a instabilidade do tempo, a apresentação incialmente programada para acontecer neste local, foi deslocada para o Auditório Antonio Meneghetti, o que, se por um lado tirou parte importante da dinâmica do evento, noutro viés, resguardou o público presente da intempérie e da queda de temperatura, além de preservar seu ineditismo. 

Leia resenhas dos shows de Vitor Ramil em Santa Maria 2015 e 2017 Leia resenha do show de Vitor Ramil em Alegrete2022 

| Foto: Rodrigo Ricordi |
Vitor se apresentou lado a lado com a Orquestra Jovem Recanto Maestro, interpretando um repertório de composições suas arranjadas por Vagner Cunha, com regência de Antônio Borges-Cunha. Vagner criou diversos arranjos para o compositor pelotense, inclusive o do álbum "Campos Neutrais" (2017), que teve a faixa homônima indicada ao Grammy Latino 2018 na categoria Melhor Arranjo.

Durante os 45 minutos iniciais a orquestra interpretou fragmentos de obras escritas por artistas brasileiros ligados à música erudita, à exemplo do próprio Vagner Cunha, além de temas compostos por Ernani Aguiar e Cláudio Santoro, afora uma peça musical assinada pelo estoniano Arvo Pärt. Já na segunda parte do espetáculo, podemos assistir Vitor Ramil e seus inseparáveis violões Martin (com afinações ambíguas), apresentando clássicos de sua obra musical, tudo envernizado pela participação da orquestra. Se em "Noite de São João" o tempero sinfônico soa singelo e complementar à melodia em "Milonga das Setes Cidades", o arranjo escrito por Vagner Cunha projeta dramaticidade de sobra para uma das milongas mais assombrosas de sua discografia, uma daquelas músicas que parecem nos transportar para outro tempo. "Neve de Papel", que ouvi pela primeira vez neste show, foi uma das gratas surpresas da noite, mas, por outro lado, a previsibilidade de ouvir "Estrela, Estrela" não nos incomoda, com destaque para o violino.     

| Foto: Rodrigo Ricordi |
"Mango" ao vivo sempre impressiona. Trata-se de uma das canções mais fortes e legítimas dessa fusão ao qual o artista se propõe — do regional se ampliando para o universal —, com os músicos da orquestra batucando com as mãos na madeira de seus instrumentos, ampliando as sensações percutidas no poema de João da Cunha Vargas: "Há poucos escritos publicados dele, se João da Cunha Vargas tivesse feito 100 poemas, teria musicado todos", disse o artista durante sua última passagem por Alegrete, terra natal de Vargas. Essa conexão transcendental com a obra do poeta gaúcho, que viveu toda a sua vida como peão de estância, forjador de versos durante a lida campeira, é tão forte, que antes de tocar "Deixando o Pago" só ele e o violão, Vitor nos conta de ter chorado compulsivamente logo após de tê-la composta. O arranjo orquestral de "Joquin", sua mais lendária adaptação da obra de Bob Dylan, potencializa a lembrança da canção original que abre o Lado de B de "Desire" (1976), um dos LPs mais populares do músico norte-americano no Brasil. Essa projeção saudosista segue em "Loucos de Cara", promotora de um retorno ao espírito oitentista de "Tango" (1987), um dos vinis que plasmam até hoje minha ligação com a poesia de Vitor. A versão acústica, aliada à juventude dos músicos da orquestra, forja nesse encontro um tipo de liga capaz de edificá-la como uma das canções mais fortes de seu repertório, tanto pela poética em que ela se apresenta, como pela riqueza melódica, adjetivos passíveis de catequizar novos ouvintes.  

No bis, Vitor Ramil precisa apenas de seu violão para corporificar todo o universo dramático de "Ramilonga", um tema indivisível de sua persona artística. Ao final, a reprise de "Estrela, Estrela" nos entrega um último facho de luz de uma daquelas noites que já sabíamos de antemão — ela não irá se repetir. 

Agradecimento a Jéssica Barcellos pela assessoria, suporte e credenciamento.  

| Foto: Rodrigo Ricordi |

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