PLANETA RAMIL


Foto: Rodrigo Ricordi
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20h. Estou dentro de uma sala que antecede o camarim de Vitor Ramil. Lá, apenas ele e Ana Maia, sua assessora. De fora ouço os exercícios vocais do artista. Abro o pequeno freezer da produção e coloco uma lata de Heineken no bolso do blaer (reserva para um momento especial). Ana entra e sai dali algumas vezes. Até que recebo o ok. Cruzo pelo hall e chamo o elevador. A dupla me encontra. Enquanto descemos percebo o reflexo das lanternas dos automóveis que descem a Rua Floriano Peixoto batendo nos óculos de grau do artista.


Foto: Rodrigo Ricordi
No trajeto, Vitor não diz uma única palavra. Comento algo e não ouço resposta. Compressível. O nível de concentração do homem é impressionante. Dá pra perceber que está focado na apresentação. Sinto como se estivesse conduzindo um boxeador ao ringue. Estou à frente da dupla os guiando até a entrada do cenário principal da noite. Subimos alguns lances de escada, contornamos os corredores do Colégio Marista Santa Maria até uma entrada lateral do Salão de Eventos Irmão Gelásio. Chegamos. Vitor diz a Ana que precisa de mais uns minutinhos. Espio pelas frestas da cortina e percebo os olhos da plateia piscando como lumes tremeluzentes. Auditório praticamente lotado.

ATUALIZAÇÃO: Leia resenha do show de Vitor Ramil (no mesmo local) em 12.05.17

Foto: Rodrigo Ricordi
8h15. A assessora diz que posso fazer a apresentação. Ao microfone, após as citações e agradecimentos, concluo: “Senhoras e senhores, com vocês Vitor Ramil!”. Palmas. O bardo dedilha seu violão Martin e mansamente solta a voz em “Foi no mês que vem”, música se dá nome ao seu último disco e também batiza seu atual tour. Abro minha lata de cerveja.

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Contando com um público atento, com lotação praticamente completa, o Salão de Eventos do Colégio Santa Maria se revelou o espaço perfeito para o show do último sábado (12). O tempo geralmente é implacável sobre nós, sua ação nos deteriora e raramente podemos comemorar as parcas benesses desse desgaste natural. Já com Ramil, no que compete a sua música ao vivo, o tempo colabora. É como se fosse uma matéria prima (viva) de primeira linha envelhecida em tonéis de carvalho. Sabe aquela impressão de que tudo soa melhor?

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É o caso de “Não é céu”. Nessa versão em Santa Maria, a canção ganha nova vocalização. Entre as trocas de instrumentos, Vitor explica a motivação dessa alternação [ele usa dois violões no show]. Culpa das afinações exclusivas, prática que torna seus temas tão peculiares.

Foto: Rodrigo Ricordi
O setlist passa basicamente pelas versões e retrospectos da sua carreira, usando como base “Foi no mês que vem”, CD de 2013 que também batiza o atual tour. Ainda no repertório, “Mango” e “Milonga de los morenos”, de “Délibáb”, e “Ilusão da casa”, de “Tambong”. E claro, hits como “Loucos de Cara”, “Joquin”, “Estrela, Estrela”, “Deixando o pago”, “Milonga das sete cidades” e “Astronauta lírico”.

Foto: Rodrigo Ricordi
No bis, ele desiste de “Tapera” e toca “Semeadura”, uma das primeiras músicas que compôs. Fim? Nada disso! Após o show, Vitor recebe os fãs no hall do local evento. E uma fila interminável se forma. Por mais de uma hora ele autografa CDs e livros, conversa sem pressa com seu público. A impressão é que as pessoas não querem ir embora. “Sempre fico hesitante em sair de Pelotas. Gosto de tocar violão na minha casa. Não tenho essa necessidade de estar num palco, tocando. Mas quando estou na estrada, eu acabo curtindo”, disse a um dos fãs enquanto rabisca um de seus discos.

Foto: Rodrigo Ricordi
A verdade é que Santa Maria gosta de Vitor Ramil, e Vitor Ramil gosta de tocar Santa Maria. E quando há esse enlace espontâneo, a mágica de materializa. Sabemos que em pleno processo de articulação de um novo trabalho, já com ares saudosos, presenciamos um dos últimos shows desse tour. “É incrível o que ele faz com o ser humano. Eu não sei se ele é desse planeta ou desse tempo. Não quis apertar a mão dele para manter essa dúvida”, disse o repórter de A Razão e fotógrafo colaborador da Grings - Tours, Produções e Eventos, Rodrigo Ricordi.

Foto: Rodrigo Ricordi
Desatento às redes sociais, sem telefone celular, repleto de distanciamento e mistérios ainda não revelados, viceja em sua música todo esse universo próprio tão peculiar, algo criado com extrema coerência e perfeccionismo. Com isso, Ramil é um corpo celeste único no universo da música brasileira. Penso que de algum modo, absorvermos pequenos fragmentos dessa poeira de estrela que novamente reluziu por estes pagos.

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