Resenha: Willie Nelson - "God's Problem Child"

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Em sua resenha de "God's Problem Child", novo disco de Willie Nelson que chega às prateleiras no próximo dia 28, o jornalista britânico Sam Sodosky disse algo interessante sobre o veterano músico norte-americano. Segundo ele, esse conjunto de novas canções do velho Willie "simboliza apenas mais um dia no escritório". E ele não fala isso de forma depreciativa, pelo contrário. Aos 84 anos, e da forma como ano após ano o artista empilha um álbum atrás do outro, mantendo um nível absurdo, temos a impressão que seu controle de qualidade está num estágio inatingível para a grande maioria de seus colegas de profissão. É invejável estar há tanto tempo no mercado e ainda se desafiar, não apenas como sobrevivente, mas impactando seus fãs com músicas compostas no calor dos nossos tempos. E que músicas! Ao contrário de alguns de seus últimos álbuns, no título em questão não estão apenas agrupadas uma série de canções sem correlação entre as faixas, dá pra perceber que mesmo que seja inconscientemente - existe um tema central interligando o álbum: a mortalidade.  

Willie e Leon, nos anos 1970. Reprodução
"God's Problem Child" é produzido por Buddy Cannon, um dos grandes colaboradores de Nelson na última década, e parceiro em 7 das 13 canções do álbum. A faixa título é de arrepiar, pois a composição escrita por Jamie Johnson e Tony Joe White (que ainda emprestam suas vozes catarrentas ao registro), conta também com a última participação de Leon Russel em uma gravação. Ele morreu em novembro do ano passado. Pra quem não sabe, desde 1969 Willie toca com o mesmo violão (batizado de Trigger), e Leon Russel foi o primeiro músico a deixar sua assinatura no corpo de madeira do instrumento, que hoje possui dezenas de rabiscos de estrelas da música internacional.

Saiba mais sobre a história Trigger, o violão de Willie Nelson

Detalhe de Trigger, o lendário violão de Willie Nelson. Foto: Lisa Johnson  
E essa essa não é apenas a sua derradeira gravação, ou uma música bate/cartão - trata-se de uma ode desafiadora e pantanosa, um relato de como é viver fora dos padrões da sociedade, algo que ambos os cantores falam com autoridade (inclua Tony Joe White nesse clube). E a voz de Willie soa frágil, ancestral e ao mesmo tempo carimba seu atestado de sobrevivência, como autêntico detentor do legado de seus amigos que estão partindo. É de arrepiar. Você pode achar que estou exagerando, pois imagine a sensação de ser um último de uma estirpe? Em "He Won't Ever Be Gone", ele paga tributo a outro amigo, Merle Haggard, um dos pioneiros na fusão entre country e rock. Ele e Willie gravaram o álbum "Django and Jimmy" (2015), mas infelizmente Haggard faleceu poucos meses depois do lançamento do disco.
  
Merle e Willie, em 2015. Reprodução

E avançando na audição ainda encontramos faixas como "True Love" e "It Gets Easier", canções que mostram a capacidade do protagonista em apresentar novas gemas que instantaneamente soam como clássicos, e consequentemente poderiam figurar em qualquer um de seus melhores discos.

Em "Delete and Fast", o cantor que nas últimas eleições estadunidenses declarou simpatia pela candidata Hillary Clinton, dispara contra Trump: ""Apague tudo e avance rápido, meu amigo / As eleições acabaram e ninguém ganhou / Mas não se preocupe muito, logo você vai pirar de novo". Trump já declarou ser contrário a legalização da maconha, e Nelson, que até comercializa sua própria marca da droga (Willie's Reserve) disse não estar preocupado com uma possível restrição de Trump: "Eu nunca tive nenhum problema para encontrar [maconha] quando era ilegal [em alguns estados americanos a erva está liberada para consumo e comercialização], e agora que é legal, ainda não vejo motivo de preocupação.Tornar ilegal novamente não vai impedir as pessoas de fumarem. Todos nós já aprendemos como descolar fumo nos dias em que era proibido", disse a Rolling Stone.

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Ainda falando sobre a sobrevivência (ou o inevitável fracasso na vida contra a morte), um dos temas onipresentes em "God's Problem Child", Nelson provoca: "Eles dizem que meu ritmo de vida mataria um homem comum", canta em "Still Not Dead", para logo depois colocar ainda mais lenha na fogueira: "De qualquer maneira, nunca fui definido como um cara comum". E ainda ironiza: "A Internet disse que eu tinha morrido / E eu acordei, e ainda estou vivo!". O tema tem todos os ingredientes de uma canção clássica de Willie Nelson: é engraçada de uma maneira triste, triste de uma maneira engraçada, e, apesar de estarmos ouvindo um octogenário peitando sua própria mortalidade, a letra poderia ser cantada por qualquer um que sente solitário lutando contra um exército.

Ouça um breve trecho da faixa título do novo álbum:



"God's Problem Child" é um dos melhores discos de Willie Nelson lançado nos últimos anos. Tão bom quanto "Songbird" (um dos meu preferidos, de 2006). Temos valsas caipiras, baladas, o country incendiário ao estilo do que fazia nos anos 1970, a sensação de perigo que algumas de suas canções exalam, a harmônica versátil de Mickey Raphael na linha de frente, e Trigger, o velho violão com cordas de náilon de Nelson, hiperativo como uma criança problemática, instável como uma criação divina procurando um espaço maior dentro do cercado claustrofóbico de um álbum. Desde já, "God's Problem Child" entra na minha lista dos melhores de 2017.

Saiba mais sobre "Songbird" (2006) 

Ouça o álbum na íntegra:
   

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