ÁLBUNS DE CABECEIRA: “SONGBIRD” – WILLIE NELSON


Pontos de vista diferentes produziram um clássico. Foto: John Graboff

Desde que o ouvi, no final de 2006, ou início de 2007, logo após seu lançamento, “Songbird” se tornou o meu álbum favorito de Willie Nelson.  Foi quando dois fortes concorrentes foram desbancados desse posto, pois os discos “Across The Borderline” (1992) e “Teatro” (1999), alternaram-se incólumes por vários anos no topo do meu pódio pessoal de preferências. 

A capa. Arte: Craig Allen; foto: Danny Clinch
Um dos diferenciais desse álbum passa pela produção, a cargo do cantor/compositor Ryan Adams. Ele também cedeu para as sessões de gravação o Cardinals, uma de suas bandas base, na época formada por Neal Casal (piano, guitarra), Jon Graboff (pedal steel), Brad Pemberton (bateria), e Catherine Popper (baixo). "Todos nós nos dávamos muito bem", disse Nelson sobre o grupo. “E Ryan não foi apenas o cara que produziu ‘Songbird’, ele é um grande músico e acrescentou um monte de coisas também como instrumentista".

Sim, e se você é fã de Ryan Adams e acompanha sua carreira desde o tempo do grupo de alt-country Whiskeytown, vai perceber a digital dele nesse trabalho.

Lendo parte do que foi postado na época, dá pra perceber que poucos se renderam ao álbum. A crítica foi até impiedosa: “Parece que Willie Nelson se detém apenas em gravar um álbum atrás do outro, sem se preocupar com o resultado final”, disse Robert Christgau, da Rolling Stone. Certas vezes parece que esses caras são surdos. 

Willie e Ryan.  Foto: John Graboff
Eu me rendi a essas onze canções ainda na primeira audição. Com diferentes pontos de vista, grande parte das gravações foram marcadas pela tensão entre Ryan e Willie: “Nós viemos de escolas diferentes, e nem sempre concordamos um com o outro”, falou Nelson em uma entrevista. E esse contraste fica muitas vezes evidente. Ao lado de “Teatro”, esse talvez seja o álbum mais ‘depre’ do músico.

Tirando “We Don’t Run” (regravação do álbum “Spirit”, de 1996, e bem superior a esse take), tanto pela temática quanto pela ambiência sonora, “Songbird” é um disco cinzento e denso. Sem dúvidas essa nebulosidade tem a marca de Ryan Adams.

Foto: Danny Clinch
Tudo começa com “Rainy Day Blues”, releitura do álbum “Me and The Drummer”. Tensão, esse é um dos tons do disco, tensão, com o lado country ensolarado sendo excluído em detrimento do lado negro, onde o blues fica em primeiro plano. A harmônica de Mickey Raphael acorda os fantasmas dos velhos gaitistas do gênero. Inclusive, Raphael é o único membro da banda de Willie a participar desse projeto.

A faixa título, cover da última faixa do Lado A de “Rumours” (1977), clássico da fase POP do Fleetwood Mac, é uma das peças chaves pra se entender a genética do disco. Uma base de rock and roll com uma interpretação country/pop tarimbada. A forma como Nelson diz a palavra ‘before’(Bufôooore!) nos instantes finais da canção sempre me arranca um sorriso

Que balada sensacional!

Contracapa do CD. Divulgação
“Blue Hotel”, tema que Adams compôs especialmente para esse álbum, é um dos melhores momentos de “Songbird”. A letra novamente nivela a paleta de cores com predominância para o cinza. "Back To Earth" poderia facilmente ter aparecido em muitos de seus álbuns intemporais.

 Foto: John Graboff
“Stella Blue”, releitura do Grateful Dead  que fecha o Lado A, chega a relembrar traços da sonoridade de Neil Young & Crazy Horse (principalmente pela guitarra), além de nos rememorar o quanto Robert Hunter, letrista do Dead, consegue fazer da solidão uma das suas principais fontes de inspiração.

Na foto ao lado, Ryan e parte dos Cardinals caminhando rumo ao Loho Studios, em NYC, local em que o disco foi gravado. Quem mexeu nos botõezinhos foi o engenheiro de som Tom Gloady (Wilco, Marianne Faithful). A mixagem foi de Jamie Candiloro (R.E.M), no Avatar Studios, também em Nova Iorque. A mix é de Fred Kevorkian (Iggy Pop, The White Stripes). 

Em 2006, na época da gravação, Ryan (produtor), tinha 31, e Willie estava com 73 anos.  Foto: John Graboff
O Lado B começa com uma audaciosa versão de “Hallelujah”, de Leonard Cohen, com Willie buscando um novo caminho de interpretação para um dos maiores clássicos de todos os tempos. Não desbanca a versão de Jeff Buckley, mas trata-se de outro ponto alto das sessões, com destaque novamente para a harmônica de Mickey Raphael.

A baixista Catherine Popper e Willie no Loho Studios, em NYC.  Foto: John Graboff
O pedal steel de John Graboff também colabora para o tom ecumênico da canção, com Willie cantando um tom mais falado, como se estivesse nos contando uma história ao pé do ouvido. O arranjo de vozes de Carlos Ricketts (U2, John Mayer), além do próprio, conta com a participação de Tiffany Anderson, Karen Bernod, Darius Booker, Melonie Daniels, Felicia Grahan, Tiffany Palmer e Horace V. Rogers.  

 Foto: John Graboff
"$1000 Wedding" é um dos balizadores da segunda parte do disco. Uma falsa balada de Gram Parsons potencializada pelo vigor dos Cardinals. Queria poder ver isso tudo ao vivo um dia. A já citada “We Don’t Run” é o único momento de baixa, e “Your Love”, um clássico de Harlan Howard e "Sad Songs and Waltzes", de um dos melhores discos lançados por Nelson nos anos 1970 (Shotgun Willie), abrem réstias de sol e nos lembram que a música country também se faz presente.

Ouça a faixa título do álbum.



Porém, o desfecho não poderia ser mais impressionante. Um encerramento sinistro, um arranjo incomum, na surpreendente versão de "Amazing Grace", um dos mais tradicionais spirituals da música norte-americana. Pode parece impossível imaginar uma nova forma de ouvi-la, mas Nelson e Adams a recriaram, tomando como bases o medo e ameaça.

Ouça "Songbird" na íntegra via Spotify

"Songbird" em vinil 180g (Lost Highway Records). Arquivo pessoal
Esse é o disco perfeito para introduzir Willie Nelson num público que o encara apenas como a lenda americana do country music, ou aquele coroa que adora fumar maconha e vive cantando "On The Road Again", "Always On My Mind" e "Crazy". Há muitas leituras na audição desse álbum, uma delas é que alguns trabalhos demoram um tempo para serem entendidos e compreendidos. E muitas vezes um produto artístico tem esse poder de nos deixar baratinado pela estranheza do imprevisível.

“Songbird”, sem dúvida pertence a essa nobre casta. Para sempre no meu toca-discos...

 Foto: John Graboff

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