O dia em que abracei Ken Parker
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| Foto: Lobo (Brasa) |
O quadrinista italiano Ivo
Milazzo, 78 anos, desenha profissionalmente há mais de meio século. É um dos artistas mais
respeitados da Europa no gênero. Tex, Nick Raider, Mágico Vento — todos já tiveram
edições sob sua pena. Obras como Welcome to Springville, Marvin, o
Detetive e Tom’s Bar, em parceria com Giancarlo Berardi, marcam sua
trajetória. Mas nada supera a mítica criada em Ken Parker, fruto da mais
célebre colaboração da dupla Berardi/ Milazzo.
Ken Parker é o anti-herói
por excelência, carregado de dramas existenciais e afinado com narrativas
literárias. Nas suas histórias, somos pulverizados por dramatizações que promovem interlace com obras de Shakespeare, Poe, Marx, Thoreau, Hawthorne, Melville. Ken é um humanista, defensor da natureza, guia civil do Exército, montanhista, trapper,
pacifista, misantropo, atento ao massacre indígena, sentimental demais para um
mundo tão brutal. Tudo isso nos leva até um dos personagens mais fascinantes do
western em quadrinhos.
Inspirado no já saudoso Robert
Redford (que nos deixou nessa semana) de Jeremiah Johnson (Mais Forte
que a Vingança, 1972, de Sidney Pollack), Ken Parker nasce impregnado pelo ecrã. Amplitude de espaços, enquadramentos narrativos — impossível ler sem
projetar um filme em cada sequência de imagens. Cinema, literatura, teatro, a história da Conquista
do Oeste e o imaginário do faroeste dos anos 1960 e 70 forjam um alicerce sólido. Trata-se de um personagem único em seu gênero.
Leio Ken Parker desde
1982 (no Brasil começou a ser publicado em novembro de 1978), quando tinha 11 ou 12 anos. Desde então, nunca mais me deixou. Tenho toda
a saga, em alguns edições desgastadas, de tamanhos variados, outras novas, compradas fora de ordem,
muitas publicadas de modo errático e em periodicidade bissexta. No entanto, passado o tempo, em
2025 reencontramos Ken em melhor forma: a editora Mythos está relançando a
série completa em capa dura (o volume 31 já em pré-venda). Assim, cá estou eu,
recomprando exemplar por exemplar, religiosamente, a cada dois meses.
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| Porto Alegre, 5.9.25. Imagem do casamento de Ivo Milazzo e Lu Vieira. Foto: Antônio Manieri |
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| Lu, eu e Ivo. Foto: Lobo |
Por volta das 15h, eles chegaram ao local combinado. Abracei primeiro Lu, que
eu ainda não conhecia pessoalmente. Antes de abraçar Milazzo, confessei:
— Quem me trouxe aqui não foi o Márcio de 55 anos, mas o moleque de 12
que lia Ken Parker. De pronto sorriu e elogiou minha camiseta (obrigado, Bellé!).
Incrível, não tinha feito a conta! Ken Parker me acompanha há 43 anos. Sempre digo à minha esposa: “Ken me ajudou a construir valores, mostrou caminhos, deu exemplos de integridade, de humanismo, de consciência ecológica e política — e até fomentou minha paixão pela poesia. Descobri Walt Whitman em suas páginas!”
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| Na sacada com Ivo. Foto: Lu Vieira |
Aí eu te digo, o que perguntar a um ídolo?
— O que está achando de Porto Alegre? — perguntei. Lu traduziu.
— Parece Blade Runner — respondeu ele. — Distópica.
A comparação faz sentido.
Cidade Baixa, fios emaranhados nos postes, prédios em ruínas, moradores de rua
circulando, pixações por toda parte. Para alguém que vive numa cidade
histórica, preservada, não parece difícil enxergar um cenário de ficção científica.
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| Foto: Lu Vieira |
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| Foto: Lu Vieira |
Não quis tomar mais tempo do
casal. Agradeci, abracei Lu, dei um último abraço em Milazzo — o mais caloroso
que já ganhei de um gigante — e, ao final, ele me disse sorrindo:
— Obrigado pelo carinho.
Eu, nem sabia o que dizer. Eu, sorri
em silêncio.
Menos de uma hora depois, estava
na estrada de volta. Gostaria de ter perguntado muito mais. De todo modo, foi
épico. Estive diante de um ídolo máximo. No meu altar de referências, coloco
esse encontro no mesmo degrau de estar frente a frente com Bob Dylan. E Dylan,
convenhamos, nunca vou encontrar (nem quero!).
Horas depois, já em casa, minha esposa perguntou:
— Como foi?
Respondi:
— Foi como se eu tivesse abraçado Ken Parker de carne e osso.
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Coda:
Em tempo, em breve a editora Trem Fantasma colocará à venda "Tiki", primeiro personagem da dupla Berardi/ Milazzo, graphic novel que relata a saga de um menino indígena brasileiro. Tive a honra de assinar o posfácio em parceria com o editor, Lucas Pimenta. A edição definitiva de Tiki ainda conta com texto inédito de Eduardo Bueno.
Agradecimento especial: Lu Vieira.







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