Adeli Sell fala de Memórias Escritas com Giz

Foto: Márcia Prado
| Por Adeli Sell, professor, escritor e bacharel em Direito

Quis a coincidência que, no momento em que estou numa equipe finalizando o livro dos 80 anos do CPERS, Vitor Biasoli me brindasse com seu último trabalho “Histórias escritas com giz - memórias de um professor”. Vitor Biasoli mostra sua maturidade na escrita mais uma vez. Acerta ao transformar suas “memórias de um professor” em 32 crônicas, o gênero adequado para resgates, memórias e reflexões.

Leia a resenha de Juarez Fonseca sobre “Histórias escritas com giz - memórias de um professor

O meio físico para a crônica tradicional não existe mais. Era essencialmente o jornal impresso - diário ou semanal. Atualmente, voltam elas em livros, pois suas edições podem ser em menor quantidade. É alvissareiro. Estar em livros é imperioso, porque ficam. Não aprecio quem passa o tempo todo publicando textos em “facebook”, como se este fosse o tradicional jornal. Não é. Em geral, os textos são rasos. Falta-lhes profundidade.

Crônicas de resgates de memórias têm, por um lado, a tônica personalista; porém, na escrita de Vitor Biasoli cada ato seu é também uma reflexão sobre ensinar, sobre vida, os meios de vida de seus alunos e colegas, a sua mesmo, um bocado de boa filosofia. Fiquei impactado com o “elemento desencadeador das lembranças” para sair o livro: a escravidão contemporânea na serra gaúcha, cujo tema tratei na época no livro: “Escravidão contemporânea - o caso da serra gaúcha”. O que também me levou a escrever uma continuidade com “Vidas Roubadas”. E Vítor nos traz relatos de muitas “vidas roubadas”.

Na primeira crônica - Homens de vida amarga - o autor se utiliza de texto do livro de Ferreira Gullar: “Dentro da noite veloz”. É uma pequena amostra da grandeza de um “professor-raiz”, aquele mestre que vai ao encontro do meio para chegar a uma finalidade positiva, o ensino. Ensino para jovens do fundamental e do médio, cujos alunos se perguntavam e até o professor também chega a se perguntar: “para que serve isso”?

Ao dar uma aula sobre o mundo arcaico, pré-capitalista, o contato com a vida dos alunos mostra ao autor/professor a permanência daquele nas relações de trabalho na atualidade, as quais beiram à escravidão. Estão junto ao professor, na escola, com os alunos e suas famílias.

Os relatos de Vitor Biasoli sobre as tantas greves pelas quais passou no magistério estadual são um roteiro da luta pela dignidade, pelo ensino, pela vida, pois ele mesmo relata como atrasou o aluguel, a mudança de casa; portanto, de “classe”, ganhando menos que o pai de aluno que era trabalhador fabril. E nestas crônicas nada há de panfletário, seguindo uma linha tênue entre o drama vivido e o humor para sobreviver. A crônica que relata o caso “sem dinheiro para um cafezinho” deveria fazer as autoridades corar.

Aos militantes sindicais estes relatos são educativos como são elucidativas suas reflexões à adesão primaveril a Althusser na faculdade à leitura reflexiva sobre Paulo Freire. Creio que os freirianos vão gostar para lá da conta.

Em cada crônica há novos temas, todos vivenciados, como o clube que não pode mais frequentar, pelas altas anuidades, um “clube burguês”; o caso das drogas; da AIDS; da família; dos filhos; das longas jornadas dentro de um ônibus de Porto Alegre até Alvorada, Canoas, Zona Norte.

Um elemento marcante na forma das crônicas e que vira conteúdo é o despojamento do autor diante do mundo que ele não conhece, da música que não sabe, fazendo troça de si mesmo, do mundo proletário dos alunos e seu mundo de classe média. Enfim, eis um autor que já nos deu livros marcantes e este é mais um.

Vitor Biasoli autografando seu livro na Feira do Livro de Santa Maria. Foto: Camila Gonçalves

A edição é da Memorabilia de Santa Maria, num jogo de preto, denotação do “quadro negro” da escola, a escrita de giz, em páginas pretas com giz branco. Perfeito! Compre AQUI

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