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| Por Romero Carvalho |Atendendo ao convite de Márcio Grings, meu comparsa no podcast Quando o Som Bate no Peito, apresento aqui a minha lista de Os 10 Melhores Álbuns de 2024. Ao contrário de 2023, quando eu e Grings fizemos o mesmo exercício, nessa temporada, inicialmente, tive a impressão que o ano contou com grandes lançamentos. No entanto, como um explorador em busca de novos sons, sempre há uma nova obra clamando para ser encontrada.
Confira os Melhores de 2023 por Romero Carvalho
Confira os Melhores de 2024 por Márcio Grings
Em comparação à lista do Grings, preferi não repetir seus eleitos, pois alguns deles até poderiam figurar na minha relação, como os discos de Vitor Ramil, Little Feat e Willie Nelson. Não consegui, porém, resistir em deixar de fora o novo álbum de David Gilmour (o único que integra ambas as listas), pois foi meu favorito de todos. Assim, somando as duas listagens, temos 19 indicações de audição para os leitores. Ainda cito algumas menções honrosas: King Gizzard & The Lizard Wizard (Flight b741), Willow (Empathogen), Norah Jones (Visions), Marcos Valle (Túnel Acústico) e Liniker (Caju). Além disso, debatemos nossas escolhas lá no podcast Quando o Som Bate no Peito, que você pode ouvir na sua plataforma de streaming favorita (ou clicando no link abaixo).
Ouça o podcast Quando o Som Bate no Peito sobre os Melhores Álbuns de 2024
||| Os 10 Melhores Álbuns de 2024 |||
DAVID GILMOUR | LUCK AND STRANGE
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David Gilmour não é apenas um excepcional guitarrista, ele é um pintor sonoro. Traça linhas e contornos sem nenhuma pressa, com sensibilidade e uma precisão britânica em cada partícula de sua arte. Gilmour é um compositor de fragmentos, com canções que vão surgindo lentamente em seu atelier. Diferente de Márcio Grings, eu gosto do seu primeiro disco, de 1978, mas entendo que o ex-Pink Floyd atingiu outro padrão para seus trabalhos solo em “On Island” (2006), o que se mantém em seu novo, o delicado e intimista “Luck and Strange”. Em seu quinto álbum solo, novamente o guitarrista busca a escuderia de sua esposa Polly Samson, letrista na maioria das com posições. O álbum traz elementos de profunda beleza e introspecção, sendo esse o único disco deste 2024 que me levou as lágrimas. Com solos melódicos e sensíveis, o novo trabalho apresenta alguns pontos muito altos, como a faixa-título e “The Pipers Call”, mas os destaques ficam para os dois temas que ele divide o vocal com a filha, Romany, “Between Two Points” e, sobretudo, “Yes, I have Ghosts”, um clássico imediato. Lançada anteriormente, mas incluída neste álbum, a canção apresenta cordas exuberantes, um solo de violão no melhor padrão Gilmour, em belíssimo dueto com um violino, o que faz dela uma valsa devastadora. Como David Gilmour produz muito pouco, cada um de seus discos deve ser saboreado com toda a solenidade possível. Ainda estou fazendo isso com “Luck and Strange”.
GRAXELOS| SHANGRI-LÁ
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O sociólogo Silviano Santiago propôs alguns anos atrás o conceito de “entre-lugares”, buscando abandonar a ideia de “unidade, pureza e homogeneidade cultural”, refletindo assim sobre diversidade, pessoas, culturas e expressões que estão nestes entre-lugares. Especificamente, encontram-se no hífen, nesta conexão entre uma coisa e outra. Me pergunto o que no Brasil colonizado não estaria nestes entre-lugares? Escutar "Shangri-lá", álbum de estreia dos Graxelos, nos faz pegar a estrada e passear por paisagens sonoras que são abundantes neste continente americano. Na audiçao, encontramos um som urbano (rock, blues, soul) que transita por cenários rurais (country, folk, gospel), em um amálgama que a música dos EUA sintetizou em conceitos como southern rock, bayou rock, country rock e outras tentativas de fornecer fronteiras para uma música que insiste em rompê-las. No Brasil, já chamamos isso de rock rural, tentamos emoldurar em MPB, mas o fato é que uma música de estrada, que passeia por cidades, mas gosta do campo, não pode ser “fronteirizada”. Essa é a música dos Graxelos, grupo formado por Gustavo Telles, Marcio Petracco, Murilo Moura, Vini Brum, Vítor Cesar, Tiago Rossoni e Márcio Grings. Temos aqui uma linguagem gaúcha, sulista, mas que pode ser de qualquer lugar, porque se comunica universalmente por meio das "entre fronteiras”. Remete a um rock clássico norte-americano dos anos 1970, mas é genuinamente brasileira e atual. Fala de Santa Maria, Porto Alegre, Vacaria e Buenos Aires, mas poderia ser Campinas, Montes Claros, Maringá, Belo Horizonte, Porto Alegre e Volta Redonda. Ou até New Orleans. Basta pegar a estrada, seja ela real, onírica ou interior. É o que sentimos em "O Viajante", tema que simboliza o som e a estética buscada pelos Graxelos.
LADY GAGA | HARLEQUIN
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O talento bruto de Stefani Germanotta já não me surpreende, pois é bastante óbvio para o planeta o quanto ela é capaz de cantar, tocar, compor e transitar em vários gêneros distintos, muito além do (interessante) personagem artístico que ela criou nos primeiros anos de carreira. Mas Lady Gaga em seu novo disco, “Harlequin”, consegue colocar quase tudo pra fora em 41 minutos de um disco com tantos momentos e performances onde não é tarefa fácil separar destaques, pois as músicas compostas por essa nova-iorquina, seja solo ou em parceria, quase sempre acertam o alvo. As técnicas vocais sobrepostas expõem várias facetas da cantora, que vão do suingue jazz de New Orleans à roqueiríssima “The Joker”, assim como a divertida versão de “Oh, When the Saints”. Outro highlight é “Close to You” (The Carpenters), assim como “Smile” (Charles Chaplin) me arrebatou. Se a sequência de Coringa nos cinemas apresenta um bom filme sobre saúde mental, mas sadicamente se recusa a entregar o querido e psicótico casal vilanesco de Gothan City nas telas, aqui Lady Gaga nos brinda com o sublime, não poupando uma única gota de sua capacidade.
SMASHING PUMPKINS | AGHORI MHORI MEI
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Já deixei claro outras vezes que não sou um saudosista dos anos 1990. Quanto menos dos anos 1980. Não fui tomado de assalto pelo grunge ou pelo rock alternativo da minha juventude. Afinal, nem o mainstream dessa época fez muito a minha cabeça. Porém, algumas coisas jamais passaram batido, como a banda do talentoso compositor Billy Corgan, os Smashing Pumpkins. Sempre fugindo do lugar comum e levando suas canções para ambientes inesperados, Corgan é um ponto fora da curva, por mais que a imprensa especializada insista em falar mais sobre a personalidade ou excentricidades do músico do que de sua arte em si. O novo disco, “Aghori Mhori Mei”, faz uma clara reverência ao passado do grupo, coroado até pelas voltas do guitarrista James Iha e do baterista Jimmy Chamberlin. Essências do som da banda marcam presença, como os diálogos com o heavy metal e o rock progressivo, além de orquestrações que pontuam todo o disco. A escolha dos timbres de guitarra e a voz soam metálicas como nos momentos mais áureos de sua discografia, uma escolha que empresta um signo de qualidade Made in Pumpkins. A maturidade do compositor fica evidente nas letras, onde encontramos Billy e as buscas espirituais so compositor, com família estabelecida e filhos. E isso não deixa de ser um aceno aos fãs antigos, um convite para que sigam juntos nessa nova etapa da jornada. Destaco a ótima faixa de abertura, “Edin”, e a linda “Pentecost”, recortes que mostram o porquê do Smashing Pumpkins seguir soando como nenhum outro grupo.
BRITTANY HOWARD | WHAT NOW
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Brittany Howard e sua banda, a excelente Alabama Shakes, chamaram imediatamente a minha atenção com seu estilo funk-rock-soul retrô, bem solidificado exatamente em sua vocalista. Brittany compõe, canta e toca com delicadeza, ataque, groove e sentimento, naquela rara combinação que acompanha só os grandes artistas. Neste novo disco, “What Now”, a moça abre seu coração, passeando por uma série de linguagens musicais, como jazz, soul, funk, rock, blues, psicodelia e até música eletrônica, muitas vezes tudo junto e sobreposto. Por vezes, o disco soa eletrônico demais (pelo menos aos meus ouvidos), porém, compreendo a proposta estética. Não deixe de ouvir a faixa de abertura “Earth Sign”, e o tema que encerra o álbum, “Every Color in Blue”, exemplos perfeitos do que o disco oferece.
HILDA LIZARAZU | HILDA CANTA CHARLY
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Normalmente, um disco integralmente dedicado à releitura de um artista específico não entraria em uma seleção particular de os melhores do ano. Porém, os elementos que tornam especiais esse "Hilda Canta Charly" não podem ser ignorados. No mesmo ano em que o lendário artista argentino Charly Garcia lançou o seu último álbum, “La Lógica del Escorpión”, a cantora e compositora argentina Hilda Lizarazu dedicou ao Maestro um disco completo, contemplando várias fases da múltipla carreira da lenda da música latino-americana. Hilda pode fazer isso com propriedade, pois tocou na banda de Charly — entre 1989 e 1993 —, e é impressionante como a cantora consegue se apropriar de canções que estão no imaginário coletivo de toda uma nação. Escolher um repertório que expresse o tamanho e o talento de Charly certamente foi algo que tomou noites de sono de Hilda, mas a seleção desse “Hilda Canta Charly”, bem como o posicionamento dessas escolhas no disco, assim como o próprio show da cantora, tudo repassa e congrega uma história de genialidade. O disco abre com o clássico da primeira banda do compositor, Sui Generis, “Rasguña Las Piedras”, deixando claro para o ouvinte o tamanho do homenageado. Começar assim, com o pé na porta, é para poucos. Até o moog é recuscitado em “Como Mata El Viento Norte”, canção emblemática da banda prog de Charly, La Máquina de Hacer Pájaros, de 1976. E Hilda segue, passeando por canções do Seru Giran e de toda a fase solista de Charly Garcia, em suas múltiplas facetas. É realmente encantador ver a obra do Maestro reunida e revisitada com tanto carinho e propriedade.
MILTON NASCIMENTO E ESPERANZA SPALDING | MILTON + ESPERANZA
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Sou apaixonado pela baixista, cantora e compositora Esperanza Spalding e acompanho seu percurso desde o primeiro disco. Tenho toda a sua discografia e acho incrível como ela influenciou uma tonelada de mulheres a tocarem baixo e cantar. O Instagram não me deixa concluir essa fato sozinho. E não por apenas gostar de Milton Nascimento, pois há um um sentimento fortíssimo com sua arte, sentido no sentido mais amplo, quando, por exemplo, assisti seu show de despedida com o Mineirão lotado. Foi dos momentos mais emocionantes da minha vida. Milton é uma entidade. Dessa maneira, um trabalho reunindo os dois não poderia ficar de fora da lista. Esperanza não esconde essa devoção na parceira com o cantor e compositor mineiro nascido no RJ. O disco é um acontecimento por si só. Claro que o estado de saúde de Bituca, assim como acontece no disco de Charly Garcia, não permite que tenhamos o que já tivemos dele. E isso deixa um sabor bastante agridoce, confesso. Conheço quem se emocionou com o disco "Milton + Esperanza" e tantos outros que acharam que ele não deveria existir, pois é incômodo ou constrangedor ouvir a “voz de Deus” debilitada. Acho que ambos têm suas razões. Todavia, o sentimento colocado em cada momento do disco é perceptível e a entrega às vezes soa mais tocante que a estética pura. E afinal, assim com Charly, Milton certamente não precisa provar mais nada e já nos entregou tudo.
SAMUEL ROSA | ROSA
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Em seu primeiro disco solo após o fim do Skank, mais longeva banda brasileira dos anos 1990, Samuel Rosa traz diversos elementos que já o acompanhavam em seus trabalhos anteriores e apresenta outras cores além do rosa que está no título, uma alegoria ao seu sobrenome. Entre essas paleta de cores temos uma grande novidade: Samuel como letrista, além de inéditas parcerias. Algo pouco falado é como Samuel Rosa sempre cantou muito bem, com o ataque certo, suingue e precisão, além de ser um compositor de melodias cativantes. O disco soa como várias fases do Skank e não vejo problema nisso, já que era ele o principal compositor do grupo que ajudou a fundar. E por mais que “Rosa” apresente irregularidades, acerta em cheio em faixas como “Rio Dentro do Mar” e “Não Tenha Dó”, ambas com letra e música do ex-líder do Skank, e “Flores da Rua”, parceria com João Ferreira. Assim, o novo disco de Samuel não é um rompimento com o seu legado, mas um novo e bem-vindo ciclo.
JOÃO BOSCO | BOCA CHEIA DE FRUTAS
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Após sete anos, um dos maiores músicos do planeta volta a lançar um disco e isso, por si, já merece ser celebrado. Em “Boca Cheia de Frutas”, o genial violonista e compositor João Bosco traz dez canções inéditas, sendo sete com o seu filho, Francisco, e até uma feita a partir de letra deixada pelo antigo parceiro Aldir Blanc. Ainda temos uma releitura de “Cio daTerra”, de Milton e Chico. As canções têm arranjos contidos, poucos instrumentos, com o violão absurdo de João na linha de frente. O pianista Cristóvão Bastos, o baixista Guto Wirtti e o baterista Kiko Freitas fazem o quarteto azeitadíssimo do disco, que traz as ancestralidades afro (“Dandara”), indígenas (“O Canto da Terra por Um Fio”), além da bossa nova de Tom e João Gilberto “(Samba Sonhado”) e o samba carioca (“Dinossauros da Candelária”). Recomendo ao leitor que dê ao disco muitas audições, pois numa boca cheia de frutas os sabores podem parecer mesclados, desse modo, é necessário muito esmero pra depurar cada elemento.
BABA ZULA | ISTANBUL SOKAKLARI
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O Baba Zula é um legítimo integrante da atual psicodelia turca, uma das melhores e mais instigantes cenas da música mundial. Se o cenário se baseia em muito do que artistas turcos, como Baris Manço, fizeram nos anos 1970, muito se deve ao resgate pioneiro feito pelo próprio Baba Zula, que está na estrada desde 1996, sendo uma das veteranas do movimento. No som do grupo temos de tudo: elementos tradicionais da riquíssima música turca, psicodelia, reggae, dub, música eletrônica, funk, rock e uma infinidade de outros elementos. Neste novo disco, “Istanbul Sokaklari”, até ecos do krautrock alemão emergem, o que torna a coisa mais atual que nunca, já que muitos jovens turcos imigraram para Alemanha ao longo das décadas. Para quem já esteve na atual Istambul, o comentário é que o disco capta exatamente o espírito das ruas de uma das mais incríveis cidades do planeta. Viaje sem medo!
Ouça a playlist de Romero Carvalho com uma seleção dos álbuns.
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