Desde 2010 apresento aqui no Memorabilia a listagem dos Melhores do Ano. Dessa vez, novamente somo forças com Quando o Som Bate no Peito, podcast que faço ao lado de Romero Carvalho, jornalista de Belo Horizonte. Desse modo, teremos duas listagens, com um podcast unísssono, mais playlists e postagens diferentes.
Confira os Melhores de 2023 por Márcio Grings
Confira os Melhores de 2024 por Romero Carvalho
Ouça o podcast Quando o Som Bate no peito sobre os Melhores Álbuns de 2024
||| Os 10 Melhores Álbuns de 2024 |||
DAVID GILMOUR | LUCK AND STRANGE
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Se tomarmos por base seus primeiros álbuns solo, o guitarrista do Pink Floyd levou quase 30 anos para acertar a mão. Após uma estreia preguiçosa com um LP homônimo em 1978, seu segundo passo com o ultrapop “About Face” (1984) fracassou na intenção de colocá-lo em outra prateleira mais pop. Mais de duas décadas depois, “On Islands”(2006) encontrou um caminho do meio, para muitos se tornando o seu melhor trabalho individual e a obra que restabeleceu a ordem e qualquer dúvida sobre a capacidade de David Gilmour fora do PF. Assim, um dos guitarristas mais míticos do rock encontrou um caminho similar no ótimo “Rattle That Lock” (2015) e — após um novo intervalo de nove anos —, “Luck and Strange”, seu quinto álbum, não decepciona. Gravado por Charlie Andrew no estúdio do guitarrista (Medina Studio) e no estúdio de Mark Knopfler (British Grove Studios), novamente temos Polly Samson, a esposa do guitarrista como letrista da maioria das músicas. A colaboração familiar tem novos integrantes: seus filhos. Gabriel faz vocais de apoio, Charlie escreveu parte de uma das letras e Romany canta e toca harpa. A faixa-título, “Luck and Strange”, inevitavelmente lembra o Pink Floyd de “A Momentary Lapse of Reason” (1987) e “The Division Bell” (1994), e ainda traz uma última participação de Rick Wright, seu velho parceiro de banda. Há uma releitura iluminada de “Between Two Points” (Montgolfier Brothers), com Romany assumindo o vocal principal e onde ouvimos o melhor solo de guitarra do álbum. Em “Yes, I Have Ghosts”, Gilmour divide os vocais com a filha e nos entrega tudo aquilo que esperamos de uma boa canção acústica sobre mortalidade.
THE BLACK CROWES | HAPINESS BASTARDS
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Deslocado no tempo, o grupo formado ainda nos anos 1980 pelos irmãos Chris e Rich Robinson, continua a respirar ares embolorados, um sopro dissonante de grande parte das bandas/ artistas forjados até o início dos anos 1990. Anos depois, eles ainda soam como se estivesse numa bolha dos anos 1970, de todo o modo, o som dos Black Crowes possui todos os pré-requisitos sonoros que os fincam pé nesse espaço de tempo que vivemos hoje. É o caso de “Happiness Bastards”, o primeiro vinco na discografia da banda após sua volta em 2019. Na formação atual, temos um sul-americano entre os Corvos: Nico Bereciartua (não deixe de ouvir os álbuns solo desse músico argentino), responsável por dividir as guitarras com Rich. “Wanting and Waiting” é a mais pura essência do rock malandro setentista, primeiro single e videoclipe usado como boi de piranha do álbum. Já “Follow the Moon” regurgita o espectro do som pesado que nos faz balançar o esqueleto como se fossemos bonecos de mola. A beleza da balada “Kindred Friend” alimenta meu sonho de um dia os Black Crowes lançarem um álbum ao estilo Led Zeppelin III. Violões de aço, gaita de boca, vocais de apoio e um opaco mellotron, trata-se de uma carta aberta dos irmãos Robinson anunciando a paz que parece imperar nessa nova fase da banda.
WILLIE NELSON | LAST LEAF ON THE TREE
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Um aviso: “Last Leaf on the Tree”(A Última Folha na Árvore) não é um disco alinhado à música country tradicional, distanciamento que Willie Nelson muitas vezes promoveu em seu trabalho, pois Willie é maior que o próprio gênero que ajudou a redesenhar, principalmente nos anos 1970. Nessa nova peça em sua discografia, aos 91 anos, Nelson faz aquilo que sempre o consagrou em suas releituras: ele se apropria das canções. Na faixa-título, uma música de Tom Waits, a letra nos diz: "Eu sou a última folha da árvore/ O outono levou o resto/ Mas eles não vão me levar/ Eu estarei aqui pela eternidade/ Se eles cortarem esta árvore/ Irei renascer em uma música". Willie continua olhando para novos talentos, pois a versão de “It Wasn’t Broken”, tema escrito pela jovem cantora de Nashville Sunny War, é a prova dessa sagacidade. Já “Broken Arrow”, a estranha e incrível faixa do 2ª LP Buffalo Springfield, ganha uma beleza rústica e melancólica — "As luzes se acenderam e a cortina caiu/ E quando acabou, tudo parecia um sonho”. Da forma como foi arranjada, partindo da original desenhada no estúdio por Jack Nitzsche e Neil Young em 1967, a nova "Broken Arrow" emerge como o momento mais impressionante e surpreendente do álbum. Willie Nelson é um extraclasse. Produzido por seu filho Micah,"Last Leaf os The Tree" pode ser perfilado ao lado de mutos clássicos de sua discografia.
RAY LAMONTAGNE | LONG WAY HOME
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Conheci a música de Ray LaMontagne em 2008, através de uma música chamada “You Are My Best Thing”, hit na rádio Itapema naquele ano. “Long Way to Home” é o seu 9° álbum de inéditas, um disco que ainda usa o modelo Século XX para empacotar uma canção, o que muito me agrada. Ray tem um vocal soul, mas sua inspiração maior é o folk, assim, à lembrança de nomes como Neil Young, Tim Hardin e Tim Buckley surgem à memória quando ouvimos suas músicas. O violão, quase sempre na linha de frente, é a cama onde ele se deita. Não há virtuosismos em canções como “Yearning”, repleta de espaços vazios, onde encontramos um lugar em que a melodia brilha como protagonista e é o signo principal de tudo. Ainda mais minimalista, “The Way Things Are” traz só o violão e sua voz, uma afirmação de que certamente não precisamos de mais nada além disso. Mas nada representa com tanta eloquência a beleza lúgubre das canções desse cantor — conhecido como um dos grandes bichos-do-mato da música norte-americana da atualidade — como a faixa-título. Se as histórias que ele conta em suas músicas realmente aconteceram, Ray LaMontagne está fazendo terapia em público, jogando suas reflexões nos discos e nos convidando a refletir com ele.
LITTLE FEAT | SAM’S PLACE
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Lowell George, membro fundador e principal compositor do Little Feat morreu em 1979. Richie Hayward se foi em 2010 e Paul Barrere em 2019. Na formação atual, Sam Clayton (78), Bill Payne (75), Kenny Gradney (74) e Fred Tackett (74) traduzem a legitimidade do DNA clássico do grupo. No lugar de Hayward, nas baquetas assume Tony Leone (53), e na guitarra e voz, Scott Sharrard (47. Na voz principal de "Sam's Place" temos o percussionista Sam Clayton (irmão da cantora Merry Clayton) — a voz feminina em "Gimme Shelter", clássico dos Rolling Stones. Trata-se do primeiro álbum de estúdio em 12 anos e o primeiro com músicas inéditas em 21 anos, trabalho que promove uma homenagem ao blues. Com nove faixas gravadas no velho e bom esquema 'tudo ao vivo em estúdio', exceto o registro de uma música captada num show recente do Feat, o disco é repleto de momentos interessantes. A abertura, com a ótima “Milkman”, tema inédito co-escrito por Sam Clayton, Scott Sharrard e Fred Tackett, traz a voz rouca e estragada de Sam, uma marca de qualidade que você ouvirá permanentemente durante 36 minutos. “You'll Be Mine” (Willie Dixon) gravada por Howlin' Wolf em 1961, traduz essa crueza, guturalidade e emotividade, o que o faz Sam soar com proximidade ao Lobo original. A deliciosa "Why People Like That" (Bobby Charles), conhecida por muitos no álbum "The Muddy Waters | Woodstock Album", LP gravado com membros d'The Band e da Paul Butterfield Band, traduz o alto astral de muitas canções de “Sam’s Place”.
RICHARD HAWLEY | IN THIS CITY THEY CALL YOU LOVE
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Richard Hawley já fez pontas no grupo britânico Pulp, mas é no trabalho solo que sua carreira brilha. Em “In This City They Call You Love”, nono álbum de estúdio do artista nativo de Sheffield, ele faz tudo do mesmo jeito que sempre fez. Hawley bebeu na mesma água que Elvis e Roy Orbison mataram sua sede quando ofereceram suas baladas. Contudo, alguém precisa lembrá-lo de que não estamos mais nos anos 1950... Mas, no final das contas, qual o problema disso? Nenhum! Em contrapartida, “Have Love” até soa mais moderna e vende certa tensão. Se os primeiros acordes de “Heart That Lonesome Whistle” emulam “One Night” de Elvis, esse vínculo de desfaz logo em seguida, o que não impede o ouvinte de ficar enredado nessa canção perdida no tempo. Já “People”, só voz e violão e uma batida opaca de um bumbo com pele furada, onde os graves das peles parcem ter sido roubados, toda a força se dá na voz de Richard. Romântico, nostálgico até a alma. “In This City They Call You Love” pode não figurar em nenhuma outra lista dos melhores de 2024, mas com orgulho marca presença por aqui.
NICK LOWE | INDOOR SAFARY
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“Indoor Safari” não é exatamente "novo", pois a maioria de suas faixas já foi lançada em singles e EPs. Mas essa nova abordagem enfatiza o quão frutífera foi a década anterior de Nick Lowe, especialmente quando ele se junta a Los Straitjackets, sua banda de apoio preferida. Liderado pelo guitarrista Eddie Angel, líder do quarteto mascarado que aposta no pós-surf e no psychobilly, não iria me surpreender se alguma dessas canções caíssem num futuro filme de Quentin Tarantino. É impossível não nos divertirmos com canções como “Crying Inside”, quando Angel parece ter um instrumento que só toca um acorde, o que soa como um loop sacana na música, uma joke, até ele mostrar que sabe muito bem dedilhar sua guitarra. “Trombone” é outro momento delicioso, uma balada onde outra vez os riffs hipnóticos nos capturam e nos jogam dentro de um boteco fumacento, ecos de uma época em que valia a pena cair na noite e encontrar diversão no palco. “Raincoat in The River” lembra as baladas de Neil Sedaka, uma ironia, pois na verdade ela é uma versão de um de seus imitadores, o cantor australiano Dig Richards, numa versão que coloca a música em outro nível. A doçura profunda de sua voz tem sido uma característica crucial das gravações mais recentes de Nick, e essa riqueza e versatilidade estão em plena exibição nesse "Indoor Safari".
VITOR RAMIL | MANTRA CONCRETO
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O músico gaúcho Vitor Ramil não se parece com ninguém. Qualquer tentativa de catalogá-lo está fadada ao fracasso. Ele faz um tipo de música que conversa com o incomum, sempre em busca da excelência — sua obra é universal, é regional, é brasileira, é gaúcha — e, como artista inquieto, constantemente Vitor busca na literatura parte do sumo que constrói suas composições, o que materializa uma cosmologia distante anos luz de seus pares. A kriptonita de Vitor é o violão de aço, farol a iluminar essa trajetória. Seu novo álbum, “Mantra Concreto”, continua usando o violão como para-choques, no entanto, ele invoca um espírito de banda com Edu Martins (baixo sintetizador e baixo acústico) e Alexandre Fonseca (bateria, tablas, percussão e programações), além de outras participações. O trabalho congrega 15 poemas musicados da obra de Paulo Leminski (1944-1989), uma união vitoriosa que nos leva ao sublime da música cantada em português. Logo no início, em “De Repente", já percebemos o território a ser explorado. Entre os highlights, milongas universais como "Administério" (com um falsete desafiador) saem do lugar comum e derrubam qualquer moldura previsível, assim como “Caricatura" é um bonito cartão-postal dessa feliz união entre Ramil e Leminski. “Mantra Concreto” tem credenciais de sobra para ganhar o Brasil, basta que sua audição esteja nos trinques. Se não bater, procure o otorrinolaringologista mais próximo de você.
BILL WYMAN | DRIVE MY CAR
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Aos 87 anos, o baixista da formação clássica dos Rolling Stones, Bill Wyman, acaba de lançar “Drive My Car”, seu segundo álbum neste século e o nono de sua discografia. Quisera qualquer um de nós chegar a uma idade avançada e ainda estarmos dispostos a se divertir com nosso ofício. É o que Bill faz aqui. Cinco das 12 músicas de "Drive My Car" foram escritas ou coescritas por Wyman. O stone gravou o trabalho em seu estúdio caseiro com alguns colaboradores de longa data, incluindo o guitarrista Terry Taylor e o baterista Paul Beavis. Taylor, que é membro do grupo pós-Stones de Wyman, The Rhythm Kings, co-escreveu duas músicas do álbum com Bill. O músico inglês cita o falecido cantor e compositor norte-americano JJ Cale como a maior inspiração deste momento da carreira, o que fica muito claro quando avançamos pelo disco. Longe de ter um vocal expressivo,Wyman quebra o galho nessa posição, mas o que ele nos entrega como diversão e entretenimento compensa qualquer falta. A regravação de “Thunder On The Mountain” (Bob Dylan) abre o álbum no maior alto astral. Já a ligação com J.J. Cale é escrachada em canções como “Rough Cut Diamond” e “StormyWarning”.
HURRICANES | IN THE BASEMENT
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Surgida no interior do Rio Grande do Sul, a Hurricanes tem seu radar apontado para o rock, blues e suas variantes. Ano passado eles foram escolhidos para abrir o show dos Black Crowes em SP, o que jogou luz no álbum de estreia do grupo. Em breve retrospecto, a banda foi fundada em 2016 por Leo Mayer (guitarra) e Rodrigo Cezimbra (voz), ainda em Santa Maria, região central do RS. Dois anos depois, a dupla se mudou de mala e cuia para São Paulo, e lá conheceram Guilherme Moraes (bateria)e Henrique Cezarino (baixo). Apenas um ano após a estreia em disco, eles lançaram o segundo CD de inéditas, "Back To The Basement". O álbum abre com "Penny in My Pocket", primeiro single e videoclipe, mais ouvida no Spotify no atual período, e faixa que não apenas redesenha o espírito do grupo, pois ela ressignifica, aponta um norte e dá um F5 com direito a upgrade e carimbo afirmativo de hard rock dos bons. "Through the Lights" é puro pão e circo, luz e sombra, guitarra slide molhada, e embebida no mesmo veneno de onde saíram dezenas de canções que conhecemos decor. Já "Big Eyes" mostra a força da dupla Cezimbra/ Mayer, o que nos leva ao salão de atos das grandes baladas acústicas, com destaque para o os violões de aço dignos dos grandes mestres do gênero.
Ouça a playlist com uma seleção dos álbuns,
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