Review: Graxelos e sua música entre-lugares
Arte sobre foto de Zé Carlos de Andrade por Diego De Grandi |
O que define uma fronteira? Qual o critério que distingue países, culturas, povos em “cercas embandeiradas que separam quintais”? Uma linha no mapa, uma aduana, uma guarita, um famigerado muro do Trump. Ou um dialeto, a culinária, a indumentária, a linguagem artística. Seja qual for a tentativa, fronteiras sempre foram problemáticas na América Latina e costumam ser ainda mais frágeis na arte popular. O primeiro disco dos Graxelos é um retrato sonoro dessa impossibilidade de encoleirar em uma fronteira imaginária uma expressão de arte. Feito esse preâmbulo, fica o fato: o álbum “Shangri-Lá” é candidatíssimo a disco do ano. E ainda estamos em março.
Siga perfil dos Graxelos no Spotify
Arte sobre foto de Zé Carlos de Andrade por Diego De Grandi |
O sociólogo Silviano Santiago propôs alguns anos
atrás o
conceito de “entre-lugares”, buscando abandonar a ideia de “unidade, pureza e homogeneidade cultural”,
refletindo assim sobre diversidade, pessoas, culturas e expressões que estão
nestes entre-lugares. Especificamente, encontram-se no hífen, nesta conexão
entre uma coisa e outra. [Me pergunto o que no Brasil colonizado não estaria
nestes entre-lugares?]
Escutar o álbum é pegar a estrada e passear por paisagens sonoras que são abundantes neste continente americano. Um som urbano (rock, blues, soul) que transita por cenários rurais (country, folk, gospel), em um amálgama que a música dos EUA sintetizou em conceitos como southern rock, bayou rock, country rock e outras tentativas de fornecer fronteiras para uma música que insiste em rompê-las. No Brasil, já chamamos isso de rock rural, tentamos emoldurar em MPB, mas o fato é que uma música de estrada, que passeia por cidades, mas gosta do campo, não pode ser “fronteirizada”.
Essa é a música dos Graxelos. É gaúcha, mas pode ser de qualquer lugar, porque se comunica universalmente por meio das "entre fronteiras”. Remete a um rock clássico norte-americano dos anos 1970, mas é genuinamente brasileira e atual. Fala de Santa Maria, Porto Alegre, Vacaria e Buenos Aires, mas poderia ser Campinas, Montes Claros, Maringá e Volta Redonda. Ou até New Orleans. Basta pegar a estrada, seja ela real, onírica ou interior.
Veja o clipe de "O Viajante".
Comentários
Postar um comentário