"Shangri-lá" (2024), álbum de estreia dos Graxelos, já está disponível nas plataformas de streaming

| Graxelos: Vítor, Grings, Petracco, Telles, Murilo e Vini. Arte sobre foto de Zé Carlos de Andrade por Diego De Grandi |
| Por Elmo Köhn |

Ao longo da história, muitas pessoas têm procurado criar, encontrar ou imaginar O PARAÍSO TERRESTRE, um lugar onde haja paz, harmonia e que ofereça alívio para todo o esforço e a dor que atormentam a existência humana. James Hilton fantasiou essa égide no romance "Horizonte Perdido", lançado originalmente em 1933. O oásis do escritor inglês está nas cadeias montanhosas dos Himalaias, próximo à fronteira com o Tibete, um povoado conhecido como Shangri-la. Aqui no Brasil, a obra até inspirou uma cidade homônima, Xangri-lá (com x), destino turístico localizado no Litoral Norte gaúcho. Ao lado de milenares "cidades perdidas” — como Shambhala, Atlântida e El Dorado — no mesmo sentido da alegoria utópica imaginada por Hilton, Shangri-la passou a fazer parte do léxico popular como sinônimo do paradisíaco. Na música, Aretha Franklin, The Kinks, Mark Knopfler, The Waterboys, ELO e dezenas de outros artistas e bandas, criaram temas onde esse refúgio edênico é mencionado. Nos anos 1960, um grupo feminino formado por irmãs assim se intitulou e, aqui no Brasil, Rita Lee também almejou um retiro semelhante: "Se me der na telha sou capaz de enlouquecer/ E mandar tudo pra aquele lugar/ E fugir com você pra Shangrilá". E ainda nesse contexto, surge a lembrança de certo local em Malibu (CAL) nos anos 1970, onde The Band fez casa e gravou "Northern Lights" (1975) e "Islands" (1977), estúdio comprado pelo produtor Rick Rubin, ainda hoje utilizado por diversos artistas do nosso tempo.

Somando-se a essa mítica, ao ouvirmos Shangri-lá (com hífem e com acento, de acordo com as regras da língua portuguesa), estreia discográfica dos Graxelos, podemos afirmar que o olimpo musical sonhado pelo grupo gaúcho encontra irmandade e afluências com o folk, country rock, gospel, blues, soul e o som setentista, além de oferecer batidas de raspão na MPB, isso sem deixar de nos entregar uma identidade sul-brasileira. 

NOME DA BANDA 

O nome da banda advém de uma corruptela da palavra graxaim (ou zorro [lê-se sôrro]), canídeo com hábitos crepusculares e noturnos que vive no Sul do Brasil, Paraguai, Bolívia, Argentina e Uruguai. Tolerante à perturbação humana, é comum vê-lo em áreas rurais (e até próximo aos centros urbanos), acusado por muitos de predação aos animais domésticos, sendo perseguido por essa má fama, e que, segundo alguns estudos e observações, não é verídico. De todo o modo, se de fato o animal é adepto a esse modo e vida, entre a ficção e a realidade, o grupo propaga a crença na bem-aventurança do bicho. 

Grings, Petracco, Vítor, Vini, Telles e Murilo. Arte de Diego De Grandi baseada em foto de Zé Carlos de Andrade.
AS CRENÇAS E A VIAGEM LÍRICA 

Como numa fantasia idílica, ungidos pelo espírito indômito de redenção do graxaim como símbolo de sobrevivência, os Graxelos buscam o ideário artístico em algumas das qualidades e características do zorro gris pampeano, nutrindo um desejo profundo de imersão no seu fabulário. Parte das letras do álbum encontra na natureza e na fuga dos grandes centros essa aventura bucólica e escapista. A viagem lírica do personagem — no que se refere ao conteúdo das narrativas de Márcio Grings —, traça uma espécie de jornada do herói, que, mesmo sem ter uma aparente ligação temática, produz um percurso com início, meio e fim, tomando por base a ordem das faixas e o que é narrado. Nessa busca, Shangri-lá surge como templo de reflexão e campo de força contra a ordem das coisas, concepção desenhada em canções como “Nos olhos de quem vê”, “Água límpida”, “Força superior”, “Jornais e açúcar”, “Desde que perdi a minha fé” e na faixa-título. O fracasso como domo de aprendizado para um novo recomeço versa em “Tropica, mas não cai”; a solidão, as privações e as ondulações da existência são exploradas em “Copos de plástico”; assim como o romance desencaixado é tema da valsa caipira “Naipe de metais”. Já em “O viajante”, o personagem central que gira o Sul do mundo por tantos lugares, aparentemente um espírito livre de tudo e de todos, ao final, confessa que não passa de um homem preso aos grilhões de um amor distante ou inatingível. Se fizermos o exercício de separar as letras das canções, boa parte das narrativas funcionam como poemas, denotando um propósito literário nessas criações. Confira as 10 letras de Shangri-lá AQUI

O INÍCIO DE TUDO E A FORMAÇÃO 

Alocados em extremos opostos do mapa rio-grandense, o sexteto que materializa esse trabalho reúne esforços e artistas de três cidades gaúchas: Porto Alegre, Santa Maria e Vacaria, o que demandou um esforço logístico para os encontros e ensaios. A faísca dessa reunião musical se deu inicialmente em janeiro de 2022, quando Gustavo Telles e Márcio Grings começaram a compor um tema pelo WhatsApp (Jornais e açúcar). Sete meses depois, em Porto Alegre, a dupla se juntou para finalizá-lo. De lá, partiram para Vacaria e, durante cinco dias, ora na casa de Telles, no centro da cidade, ora isolados numa propriedade na zona rural, sete novas composições foram forjadas. Depois rumaram para Santa Maria, cidade natal de Grings, onde arrebanharam Vinicius Brum, Vítor César e Felipe Quadros — banda base dos primeiros ensaios no Bairro Chácara das Flores. Em 2023, mais encontros ocorreram em Santa Maria (na casa da família Saurin), e outros dois em Porto Alegre (Estúdio Cegonha), já com a presença de Marcio Petracco e Murilo Moura. A banda também fez sua estreia ao vivo no Rock and Blues Festival, em 15 de julho de 2023, no Espaço Mainz, em Santa Maria. Assim, em cerca de dois anos, com 13 temas na pauta, 10 foram empacotados para essa estreia discográfica. 

 Arte de Diego De Grandi baseada em foto de Zé Carlos de Andrade.
ENSAIOS, GRAVAÇÃO E FICHA TÉCNICA 

Ao raiar de 2024, a formação atual dos Graxelos conta com o ex-Pata de Elefante Gustavo Telles — voz, violão, bateria e voz de apoio, detentor de uma carreira solo expressiva sob a escuderia d'Os Escolhidos, além do ex-TNT e Cowboys Espirituais, atual Conjunto Bluegrass Porto-Alegrense, Marcio Petracco — pedal steel, violão Weissenborn, guitarra slide, bandolim e voz de apoio, dupla que empresta sua experiência, credibilidade e selo de qualidade ao projeto. Ainda no time está Murilo Moura — piano, teclados e vozes de apoio, requisitado e talentoso instrumentista vacariense residente na capital gaúcha; mais Vinicius Brum — voz, baixo, violão e voz de apoio e Vítor Cesar — voz, guitarra, violão e voz de apoio. Márcio Grings — harmônica — é o letrista e parceiro de composição de Telles em todas as faixas, exceto "Tropica, mas não cai", também escrita pela dupla, mas baseada em uma demo do guitarrista Vítor Cesar. O trabalho conta com participações especiais do ex-Cascavelletes Luciano Albo (baixo, violão de 6 e 12 cordas, guitarra, percussão e voz de apoio) — ele toca em 8 das 10 canções do álbum , do integrante da Pata de Elefante Daniel Mossmann (guitarra) e de Eliézer Moreira (trompete). 

A maior parte de Shangri-Lá foi captado por Luciano Albo em apenas 10 dias   entre 25 de setembro e 4 de outubro de 2023  , no Estúdio Cegonha, em Porto Alegre. A exceção está no piano, gravado por Murilo Moura no Estúdio Tabuleiro, de Diego Lopes (Acústico & Valvulados), além da participação de Daniel Mossmann, criadas no seu home studio. A mixagem e a masterização, realizada entre outubro de 2023  e fevereiro de 2024, tem a assinatura de Luciano Albo. A produção musical une forças entre Gustavo Telles, Márcio Grings e Luciano Albo. 

STREAMING, LANÇAMENTO, CD e LP 

Já disponível em streaming, o disco chegará no formato físico — em CD, com show de lançamento no Bar do Alexandre (Rua Saldanha Marinho, 120 - Menino Deus, Porto Alegre), e no Auditório da Cesma (Professor Braga, 55 - Centro, Santa Maria), respectivamente nos dias 5 e 6 de julho. Já o LP estará disponível até o final de 2024. A imagem da capa é baseada em uma foto de Zé Carlos de Andrade, com arte de Diego de Grandi, responsável pelo desenho gráfico do álbum. 

AS MÚSICAS 

A influência do rock feito na conjunção dos anos 1960/70 é um dos signos solares da obra. É o caso de TROPICA, MAS NÃO CAI, tema com a digital de Vítor Cesar, autor da melodia e motor de propulsão com sua guitarra operando em alta octanagem. A voz de apoio de Murilo Moura — na volta do solo — surge como o agitador no fundo da sala. 

Veja o clipe de "O Viajante".

Primeiro single do trabalho, O VIAJANTE está impregnado de referências comuns ao rock dos anos 1960/ 70, isso sem omitir o DNA gaúcho. Temos aqui o espírito das canções estradeiras, pois são nominados diversos lugares e as visões de um andarilho (ou vários viajantes em um só). A trip percorre cidades como Santa Maria, Vacaria, Uruguaiana, Porto Alegre, Passo Fundo e Bagé, todas no Rio Grande do Sul, além de costear o Rio da Prata até Buenos Aires. Conduzidos pela voz principal de Gustavo Teles — em dado momento Vini Brum e Vítor Cesar assumem estrofes e invertem os papeis. Assim "O Viajante" coloca o ouvinte no volante de um automóvel, avançando por BRs e estradas de chão, apreciando as paisagens, ondulando frente às vicissitudes e deslumbramentos de cada trecho. 

Embalada nos floreios do violão Weissenborn de Marcio Petracco e pelo piano honky-tonk de Murilo Moura, NAIPE DE METAIS apresenta um romance aberto e sem final feliz. Em alguns trechos temos vocais combinados de Gustavo Telles e Vinicius Brum, até ouvirmos a frase derradeira: "Me despeço, e por favor maestro, que venha o naipe de metais", anúncio da entrada do trompetista Eliézer Moreira, participação que despeja melancolia nos segundos finais do tema. A contemplação da natureza como antídoto frente à confusão urbana está em NOS OLHOS DE QUEM VÊ, faixa mais curta do álbum com 3min18. A espinha dorsal acústica, onde pulsa o talento de Luciano Albo no baixo, rejunta simplicidade e sofisticação. O pedal steel e a harmônica jogam no time do folk rock, assim como os vocalizes do refrão adesivam ares de MPB. 

Arte de Diego De Grandi baseada em foto de Zé Carlos de Andrade.
O violão, muitas vezes na linha de frente, atesta o viés cancioneiro buscado pelo grupo. Inspirado em asilos voluntários e na busca pela natureza intocada — ao feitio de alguns escritos de Matsuo Bashō, Robert Louis Stevenson e Henry David Thoreau —, a escapista ÁGUA LÍMPIDA emerge como uma fuga premeditada do convívio social. Os vocais de Telles, Moura e Vini flertam com o country rock e vislumbram o horizonte perdido dos misantropos: "Por que não poderia rever as belezas e usufruí-las/ (...) Beber da água mais límpida/ E rir na cara dessa vida estúpida". Cada estrofe condensa um microcosmo, como se fossem haicais interligados. No refrão, a viagem do balde indo e voltando do fundo do poço se assemelha  ao exercício de um ermitão refletindo sobre a vida, sempre satisfeito por usufruir deste manancial. Nessa busca está o desejo do encontro com o Éden: "Até Shangri-lá leva um tempo/ Mas mesmo assim eu vou chegar". 

E o almejado oásis perdido está desenhado na FAIXA TÍTULO, segundo single da obra, onde a viagem sonora incorpora um provável DNA stoneano, com o riff da guitarra e a batida da bateria ditando a ordem das coisas. Aqui o romance entra em ação: "A lua cheia alumia/ E os grilos a cricrilar/ Uma só sombra chinesa/ Na cabana — nosso Shangri-Lá". Atente para o solo de guitarra slide de Petracco, trata-se do mais puro rock dos anos 1970, assim como o piano de Murilo Moura oferece um martelar digno dos grandes mestres do gênero. COPOS DE PLÁSTICO coloca na linha de frente a climática dos violões de aço e do bandolim. O tema aperta na moleira e nos fala da urgência em celebrarmos a vida sem nos importarmos com qual taça esse brinde será feito. O contrabalanço do drama solfeja a expectativa frente à realidade, colocando em xeque contradições e dúvidas: “Eu não tenho medo da morte/ Mas a fornalha arde”. Climatizando a ambiência folk rock, Petracco novamente flutua pela música, seja com o bandolim ou com o violão. 

Arte de Diego De Grandi baseada em foto de Zé Carlos de Andrade.

Muscle Shoals, Alabama? Não, Estúdio Cegonha, Porto Alegre! Sim, foi lá onde também foi registrada a ecumênica FORÇA SUPERIOR, quando, sem versar sobre o evangelho, o gospel  o soul são invocados. À sombra de uma natureza triunfante, a voz confiante de Gustavo Telles (um dos destaques do álbum) fala do encontro com o divino, : "Lá do céu/ Uma força superior/ Joga estrelas nos homens/ E as bençãos numa flor". JORNAIS E AÇÚCAR apresenta uma harmonia complexa e curvilínea, reforçando a condição de isolamento do ator principal. O backing de Vini Brum potencializa a mensagem do refrão, assim como Daniel Mossman sobrepõe uma impressionante camada de guitarras na segunda metade da música. 

Com seus quase 6 minutos, o álbum termina numa suíte em quatro atos, DESDE QUE PERDI A MINHA FÉ, ideário acústico-elétrico que condensa os mitos e crenças dos Graxelos, como se fosse um recorte zipado do conteúdo geral do álbum. Carregada pelo folk, blues e rock, mas influindo na mítica regionalista do graxaim e do exílio voluntário do personagem, os Graxelos apresentam aqui uma epopeia musical repleta de climas e profundidade. No início, violões (o de 12 cordas é tocado por Luciano Albo), mas logo depois ouvimos as blue notes de uma gaita de boca e o frigir do rock com as guitarras cruzadas de Mossmann e Vítor, além de uma bateria repleta de quebradas. No epílogo, o protagonista conclui que mesmo ao encontrar seu destino, nada está definido dentro dele, pois as mesmas dúvidas ainda valsam: “Será um grito de socorro/ Ou é o lamento desse zorro?/ Não sei se fico ou se corro?/ A lua morre bem atrás no morro”. 

A impressão é que o tão almejado Shangri-la imaginado pelo grupo não fixa residência ou morada entre quatro paredes ou até mesmo em algum refúgio, pois talvez essa busca esteja atrelada à condição humana de estar em constante movimento. Em suma, a mesma lua tropega na faixa de abertura segue testemunhando tudo, como uma guardiã desse personagem nômade que afirma da boca pra fora ter perdido a sua fé, mas que na verdade nunca desiste de seguir em frente. 

Em seus 43 minutos de duração, Shangri-lá se sustenta pelo conjunto de forças reunidas, corporificado como voz uníssona, mantenedora de um brilho melódico à frente dos arroubos instrumentais. Quase sempre é a canção que rege as ações, mesmo que muitas vezes os instrumentistas naturalmente sobrepujem essa intenção. O fato é que ao final da audição do álbum de estreia do grupo gaúcho, é inevitável não exaltarmos a proficiência artística reunida aqui, um feito que possui todas as credenciais para pular dessas gravações direto para o coração dos ouvintes. 

Longa vida aos Graxelos. 

Graxelos fotografados por ZCA na Rua Edmundo Bastian, Cristo Redentor (Porto Alegre/ RS), quase em frente ao estúdio Cegonha.

OS PERSONAGENS 

GUSTAVO TELLES | Vacaria

Compositor, cantor, produtor e multi-instrumentista, Gustavo Telles integrou a Pata de Elefante. Desde 2010 começou uma trajetória solo com a escuderia d'Os Escolhidos, gravando quatro álbuns de estúdio e um registro ao vivo. 

MARCIO PETRACCO
| Porto Alegre

Integrante do Conjunto Bluegrass Porto-Alegrense, multi-instrumentista, cantor e compositor, Márcio Petracco fez parte do TNT, com quem gravou uma série de clássicos. Também integrou os Cowboys Espirituais, Locomotores, Trem 27, entre outros grupos e projetos musicais.

MURILO MOURA
| Porto Alegre

Sempre se utilizando da influência do blues, jazz, funk e da música dos anos 1960/70, Murilo Moura é pianista, tecladista e compositor. Já trabalhou com artistas como Alemão Ronaldo, Gustavo Telles, Dingo, Júpiter Maçã, entre outros.

VINI BRUM
| Santa Maria

Baixista, violonista, cantor e compositor, Vini Brum gravou álbuns e ainda se apresenta com a Rinoceronte e Poços & Nuvens. Além de protagonizar o projeto itinerante Cantigas do Rock, acaba de lançar “Sereno” (2023), seu primeiro álbum solo.

VÍTOR CESAR
| Santa Maria

O guitarrista e compositor Vítor Cesar participou de diversos projetos musicais no Centro do RS. Gravou e fez shows com a banda Inseto Social. É um dos fundadores da Kingsize, grupo de blues que é destaque na cena santa-mariense.

MÁRCIO GRINGS
| Santa Maria

Escritor, radialista, jornalista, compositor e produtor cultural, Márcio Grings publicou diversos livros e é criador do selo literário Memorabilia, onde também editou outros autores. Como gaitista, gravou álbuns com a Red House, Gustavo Telles, Gérson Werlang, entre outros.


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Ouça uma prévia de Shangri-lá no player abaixo ou a obra completa no LINK.

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