Cris Pizzolato e o blues da Fronteira Oeste

| Arte:  Will Rohden e Cris Pizzolato |
| Por Márcio Grings |

Nascido em 1989, em Uruguaiana/ RS (cidade colada a Paso de Los Libres, na Argentina), Cris Pizzolato bebe da água doble chapa, termo utilizado nas fronteiras do sul do país para distinguir o indivíduo que tem dupla nacionalidade. No caso específico, trata-se de um cruzamento que forja sua credencial artística, pois sabemos: nas cidades de fronteira a cultura muitas vezes fica em segundo plano — e, fazer som com a influência do blues —, é muito mais penoso para um músico distante dos grandes centros. Ao atravessar a ponte, muitas vezes uma nova brecha se abre. Mesmo assim, em ambos os lados, não há um circuito de bares, muitas vezes também não existe um público interessado, são poucos os iguais para trocar figurinhas, possivelmente apenas alguns gatos pingados estejam dispostos a compartilhar do mesmo copo. Consequentemente, muitas vezes a desilusão bate forte, e no meio do caminho, desistir parece ser a coisa certa. Não para o personagem deste post. 

De todo modo, aos 34 anos, um de seus emblemas artísticos é o orgulho de ser um dos músicos locais que passou pela Academia do Carmão. Aos desavisados, Carmo Goulart, guitarrista e compositor da Black Sanga Grande Blues, morreu aos 75, em dezembro de 2023. Sua passagem pelo planeta não foi em vão, pois através dessa escola autodidata, catequizadora de muitos e baseada em toneladas de ativismo, Carmão lançou algumas sementes no solo árido da Fronteira Oeste. Assim, mesmo com todas as intempéries e dificuldades, produziu frutos, e entre eles está Cris Pizzolato.  

Leia review do show da Black Sanga Grande Blues no Ferrovia Bar (Uruguaiana/ RS)   

Foto: Rodrigo Fernandes
O guitarrista surgiu incialmente com a banda General Lee, tocando releituras do blues rock dos anos 1960/70. Entre 2012/ 2015 colocou sua digital em alguns trabalhos de estúdio para outros artistas, experiência que emprestou confiança para dar o passo seguinte: o som autoral. Em 2016 fundou a Andar Aéreo, banda de heavy blues/ stoner rock com quem gravou um EP em 2017. Após mais uma experiência em grupo, resolveu lançar um trabalho solo, caminho sem volta aquela altura do campeonato. Lançado em 2022, "Instintivo” (CWS Discos), álbum de estreia do cantor, compositor e guitarrista, traz uma visão peculiar e genuína, pinçando o mote inicial do blues — como intenção permanente — para contar sua própria história, moldada por diversas visões e cruzamentos. Suas letras falam de desesperança, política, amor e desamor, percalços e superações do cotidiano, espécie de diário de bordo de um músico decidido a seguir adiante. Com essa credencial, no ano seguinte foi convidado para tocar no Festival Blues En El Rio, na cidade de Corrientes, província homônima que ocupa o centro da região mesopotâmica argentina, um dos eventos mais tradicionais do blues feito no interior do país vizinho. Para quem não sabe, los hermanos trazem o blues incrustado no rock, intenção propagada por diversas bandas e artistas ao longo dos anos 1970/80, entre eles está Norberto Napolitano, o Pappo, certamente os mais célebre bluesman de lá. Imagine o seguinte: para músicos como Cris Pizzolato, morador da fronteira, é mais fácil encontrar espaço em festivais na Argentina do que em capitais como Porto Alegre. É fato. 

Pizzolato entre Áureo e Carmo Goulart (B.S. Grande Blues (dez, 2019)
Confira o perfil de Cris Pizzolato no Spotify

Em 2023 lançou dois singles — “Efeito”, uma releitura de Emerson Dent, e a peça autoral, “Pé na Porta”. Ao raiar do novo ano, no último dia 8 de março, Cris Pizzolato colocou no mundo “Disperso”, seu pontapé inicial em 2024. A música traz algumas de suas digitais: o estilo narrativo e discursivo — como se as músicas fossem crônicas urbanas — muitas vezes ausente de rimas, mas sempre trazendo camadas e climáticas no alicerce instrumental. Mixado por Cristiano Scherer e mastrizado por Sanjai Siri, tudo que você ouve em “Disperso” foi tocado por Pizzolato em seu home studio, prova de uma capacidade resolutiva em tocar em frente as coisas, pois, se não há outros músicos para acompanhá-lo, como artista ele se materializa em one man band nas sessões de gravação. 

Para um futuro próximo, Cris Pizzolato já está em período gestacional de um novo álbum, o sucessor de “Instintivo”. Na garagem, caminhões de demos e cacos de som começam a ganhar vida e virar canções. Aguardemos cenas dos próximos capítulos. 

Ouça "Disperso".

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