Fera Serena! Vini brum no Espaço Cultural Victorio Faccin

| Foto: Rafael Happke |
| Por Elmo Köhn Fotos: Rafael Happke |

Uma sociedade onde a cultura não gira é um ambiente natimorto. A engrenagem cultural precisa ser continuamente azeitada. A música, o teatro, o cinema e a literatura — entre outras expressões artísticas — possuem componentes capazes de sintetizar alegrias e dilemas da humanidade. Muitos discos, peças, filmes e livros já trouxeram o passado e o futuro em suas linhas. E se o mundo é um moinho esse produto artístico atemporal — novo em folha —, pulsa cravejado de cores em “Sereno”, álbum de estreia de Vini Brum, 41 anos. O músico santa-mariense apresentou seu novo show no Espaço Cultural Victorio Faccin (Rua Duque de Caxias, 380 — Bairro do Rosário) e, para quem não conhece esse pequeno teatro, trata-se de um daqueles lugares onde público e artistas estão todos reunidos na mesma mesa, sem distinção e com rara equidade.  

Foto: Rafael Happke
A Lua Crescente abençoou o céu de Santa Maria nessa quinta-feira (18), uma noite quente de verão propícia para o arrebatamento. Há estudos astrológicos que falam que essa lua específica nos empresta mais agilidade, amplia nossa capacidade de concentração, de prestar atenção aos detalhes. E o show de lançamento de “Sereno” é um espetáculo repleto de minúcias, basta que o ouvinte se permita a acompanhar o roteiro como qualquer boa narrativa artística merece ser apreciada. Letras, ritmos, movimentos, luzes, instrumentos, melodias, tudo está encrustado de cuidado e detalhes neste disco e no espetáculo. E o taurino Vini não nos poupou de nada, pois trouxe no alforge uma gama de emoções, e todas elas foram devidamente entregues na noite desta quinta-feira. Seria o alinhamento entre seu signo e a Lua Crescente o potencializador de tanta sensibilidade e talento? A astrologia explica: nessa fase os nativos de Touro experimentam um aumento de energia, de motivação e parecem propícios a construir bases sólidas para seus objetivos. Ao assistir o show, a impressão é que ficará difícil para o músico retroceder do ponto aonde chegou. A carreira solo autoral de Vini Brum inicia com 12 canções fortes, repletas de camadas, mantenedoras de um ideário capaz de nos encantar quando olharmos nos olhos dessa fera serena.

Foto: Rafael Happke
Em pop, rock, folk, letras que são como crônicas existenciais, a voz de timbre marcante é cercada pela sonoridade hipnótica, ou minimalista, ou mais pesada”, disse o jornalista Juarez Fonseca a respeito do disco em sua última coluna publicada no jornal Zero Hora (leia AQUI). 


Foram duas semanas exaustivas de ensaios na casa de um empresário local (Daniel Saurin) e no Estúdio Caixa de Sons. O peso de quase três anos de trabalho até a gravação do álbum foi aliviado aos poucos durante o show. Em muitos momentos, Vini teve dificuldade em articular as palavras ou simplesmente de agradecer os amigos que trabalharam com ele. Dentro desse espírito emotivo, o próprio público foi mergulhando mais fundo no espetáculo, imersos numa compenetração exemplar. Logo no início, em “O Caminho”, seu pai, Luiz Brum, pilchado a caráter, declamou um breve poema ao estilo das payadas regionalistas e, ao abraçá-lo, isso logo depois de sua participação, ambos se emocionaram. 

Foto: Rafael Happke
Na banda base, além de seu irmão, Mauricio Brum (baixo), a participação de Luiz Bittencourt (percussão, programações e voz de apoio) se amplia quando ouvimos “Sereno” ao vivo. A forma híbrida em que atua, cercado de instrumentos acústicos e à frente de sua digital workstation (DAW), nave mãe de onde dispara bases pré-gravadas, captura nossa atenção pelo set inusitado apresentado no palco. Luiz toca bombo legüero, pratos, chapas de metal, udu, cabaças, chocalhos, pandeiros, bateria, tambor-de-mola, cajón etc. O destaque fica por conta do seu solo em “O mergulho”, quando ao batucar com as mãos numa bacia d’água, traz um elemento muito peculiar e audacioso, principalmente se pensarmos num conceito de música pop:

Foto: Rafaell Happke
Gosto de correr riscos como músico”, diz o artista santa-mariense radicado na Cidade do Porto, em Portugal. Formado em percussão pela UFSM, Luiz ainda arranjou e coproduziu o álbum. Esse percurso sinuoso na corda bamba, de ser um instrumentista movido pelo desafio, posicionou “Sereno” numa prateleira mais elevada e peculiar: “Transformou as canções em algo inimaginável”, afirma Vini. Mas além desse viés, um importante aspecto do encontro musical entre ambos está na contrapartida que um oferece ao outro. Vini é um músico capaz de trazer muitas cores nos seus violões e afinações, além de soltar uma voz alinhada ao rock, mas que também encontra diferentes tessituras. “A rima” é um exemplo dessa elasticidade, um tema que traz em si características refinadas, algo ao nível de artistas como Lenine e Vitor Ramil. A forma como ela é cantada ao vivo se aproxima muito da gravação, apesar de tudo soar ainda mais minimalista nessa versão. A trinca formada por “O céu desaba em nós”, “Pedra Polida (Galo dos Ventos) e “Tudo que vale a pena” nos joga na lembranças de um Jimmy Page acústico e o seu Led Zeppelin pastoral. Nessas músicas, repletas de luz e sombra, cada lâmina nos conduz a um caleidoscópio de visões, e, nesse caso, ao ouvi-las frente a frente com os músicos, e bem semelhantes ao álbum, mas com avanços e rearranjos, o espectador fica sujeito a um impacto incrível. O tiquetaquear dos relógios e os ruídos cortantes, o violão tingido de rock com a batida do bombo legüero e as projeções cênicas calam nos olhos e ouvidos uma dramaticidade instigante. Quase tudo que está no disco é reprisado ao vivo e soa fidedigno ao CD. 

Foto: Rafael Happke
 
Em algumas letras há uma busca idílica pelo amor e seus refúgios, como em “Cem palavras”, “Longa Metragem” e “No jardim das açucenas”, o que promove identificações instantâneas, nesse “pop de qualidade” — como disse JF em ZH —, músicas onde a simplicidade e a sofistificação andam juntas. E se todo disco precisa de um hit, “Lanhado” tem as credenciais para figurar nesse papel — VEJA o clipe. Primeiro single do álbum, o público já a conhece e facilmente se une ao coro no refrão: “Todo lanhado/ Mas nunca estive tão bem/ Pode acreditar”. 



As participações de Zuli (piano e vozes de apoio), Paulo Noronha (lap steel) e de Pedro Paulo (violão), são pílulas que compõem mosaicos precisos. Talvez por estar cercado de amigos e homens de confiança, cada novo elemento que se junta ao corpo físico de “Sereno” flui como algo para ser compartilhado entre todos, inclusive com o público — e principalmente para o público. E se Vini Brum tem o rock and roll como berço artístico, “Mar de distrações” atesta e certifica esse selo na sua carreira, última pérola ofertada na Caixa de Pandora recém aberta no Espaço Cultural Victorio Faccin. 

Foto: Rafael Happke
Estamos falando de uma obra pronta para ganhar o mundo, capaz de não ser detida pelas fronteiras locais. Penso que esse show é o tipo de espetáculo propício para circular mais além, pois seria um desperdício um evento deste calibre deixar de existir após uma única noite. Desalinhado com o pop de hoje, a canção pop enraizada em "Sereno" revive por uma "roda de moinho [que] traz o passado", como está na letra de "Pedra Polida". E se "o passado foi presente" e "passado adiante" ele vive no agora, como o compositor nos diz em "Cem Palavras", basta apreciar a viagem nessa máquina do tempo. E a viagem está apenas começando.

O lançamento do álbum "Sereno" foi um oferecimento de Saurin Carrocerias, Pastelão, Pubi Handte, Mainz Cervejas Especiais, Luiz Coelho Imóveis e Del Fuego Carniceria. Apoio do Old School Pub, Ardais Odontologia e Caixa de Sons. Captação em vídeo (TV OVO/ Finish) com direção de Paulo Teixeira. O audiovisual deve ser lançado ainda no primeiro semestre. A técnica de som esteve a cargo de Vini Bertolo. O registro fotográfico é de Rafael Happke e a luz contou com a assinatura de Vanessa Giovanella. A produção executiva e a realização é mais uma iniciativa da Grings Tours.

SETLIST SERENO | VINI BRUM

CHÂTEAU SOLAIRE
O CAMINHO 
NO JARDIM DAS AÇUCENAS 
TUDO O QUE VALE A PENA 
LONGA METRAGEM 
O MERGULHO
PEDRA POLIDA 
A RIMA
CEM PALAVRAS 
LANHADO 
O CÉU DESABA EM NÓS

Bis
MAR DE DISTRAÇÕES

Foto: Rafael Happke

Foto: Rafael Happke

Foto: Rafael Happke

Foto: Rafel Happke

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