Coloque os pés na grama com Vini Brum

A capa de Sereno. Foto: Pablo Zambeli com arte de Paulo Noronha
| Por  Elmo Köhn |

Integrante dos GraxelosRinoceronte e Poços & NuvensVini Brum lança Sereno, seu primeiro CD autoral/ solo. O trabalho, com recursos captados via Lei Aldir Blanc, traz em seu conteúdo um conjunto de canções impregnadas pelo espírito acústico, muitas vezes com ares de rock rural, a obra traz letras que falam sobre o amor, o cotidiano e a natureza, o que nos leva até suas visões poéticas alinhadas à simplicidade do bem viver.

Sereno pode ser adquirido pelo site da Memorabilia Store, garanta seu exemplar c/ frete grátis AQUI. O álbum já está disponível nas plataformas de streaming a partir de hoje (1°). 

| Foto: Pablo Zambeli |
Mas será que ainda faz sentido lançar álbuns físicos no mundo de hoje? No caso de Sereno, essa materialidade se justifica quando temos em mãos o pacote completo que consagra a estreia de Vini Brum. Lançado em CD no formato Digipac, o material contém um libreto de 16 páginas — com letras, fotos, ilustrações — e desenho gráfico assinado por Paulo Noronha, moldura que valoriza o material que ele embala. 

As canções de Sereno foram concebidas durante o período pandêmico, quando o músico estava impossibilitado de fazer apresentações. Assim, as energias de Brum foram direcionadas para a criação. Márcio Grings, escritor e produtor cultural, encorajou o artista a trabalhar em suas canções, inclusive coescrevendo com ele parte do material do CD. Em seguida, Luís Bittencourt, músico, produtor e pesquisador brasileiro radicado na cidade do Porto, em Portugal, passou a integrar o projeto. Bittencourt captou a essência dos temas e criou as atmosferas as quais as canções harmonicamente orbitam.  

Com produção musical de Luís Bittencourt e Vini Brum, as 12 canções de Sereno foram gravadas por Vinicius Bertolo no estúdio Caixa de Sons (Santa Maria/ RS) e por Luís Bittencourt no estúdio Mutante (Cidade do Porto/ Portugal) entre 2021 e 2022. Além de Vini Brum (vozes, violões, baixo, bandolim e ukulele), o trabalho conta com participações de Luís Bittencourt (arranjos, percussões, orquestrações, programações e guitarras elétricas), Paulo Noronha (lap steel), Felipe Quadros (pedal steel), além de locuções de Luiz Brum e Márcio Grings. A edição e mixagem é de Luís Bittencourt, com masterização de Rodolfo Cardoso (estúdio Workhorses). A produção executiva é de Márcio Grings/Memorabilia.  

| Foto: Pablo Zambeli |
O disco começa com a busca idílica de "Chateâu Solaire", tema que dá o tom do disco: violão na cara — nesse caso com o reforço de um ukulele —, além do molho de percussões, programações e teclas de Bittencourt, outra marca da obra. Sereno não é uma obra onde o ouvinte irá encontrar solos proeminentes ou longas passagens instrumentais, pois se trata de uma grade musical com essência cancioneira. Nessa viagem, Vini Brum nos retira dos grandes centros e nos leva até o ermo, um lugar onde sentimos o cheiro de madeira e colocamos os pés descalços na grama. Espalhado pelos temas, o ouvinte ainda irá ouvir sons de rádios de pilha, relógios cuco, o canto de pássaros, o soar do vento, o barulho da chuva, de água corrente, estalos de lenha na fogueira, grilos cricrilando e diversas manifestações da natureza e da atividade humana.  

Ao se debruçar sobre as canções, fica fácil fazer conexões recordatórias e ampliações dos sentidos. O piano minimalista de "Cem Palavras", por exemplo, lembra a ambiência do melhor do rock dos anos 2000. Atente para a delicadeza dos acordes e como as teclas ampliam o tom melancólico. E, ao invés de um solo, Vini Brum opta por colocar a um poema aborígene em tom de declamação. Flertando com o progressivo, o tiquetaquear ao início de "Tudo o que vale a pena", é o aviso de que precisamos ficar atentos aos detalhes. Há uma mudança de andamento no final, quando o pedal steel de Felipe Quadros nos joga dentro de uma inesperada suíte country rock. "Pedra Polida (Galo dos Ventos)" tenciona a ambiência, numa letra que exalta o suor da labuta: "Debaixo do céu a parada é dura eu sei/ Caminho na contramão". E se temos um violão como pegada zepelliniana operando como motor de propulsão, o blend rock ganha o molho de um bombo legüero, afuxé e berimbau, misturando vários ritmos da Terra Brasilis e das Américas. 

|  Foto: Pablo Zambeli |
A amálgama de Sereno está justamente na comunhão de gêneros, isso sem nunca se desviar da intenção original. "O caminho" faz tudo isso: mescla uma payada (na voz de seu pai, parceiro na música ao lado de Márcia Heinz), além de uma guitarra furiosa que ruge potencializada pelo pedal wah-wah, com interligações melódicas que batem no grunge e ainda dão o play num liquidificador de ritmos eletrônico/ percussivos. Ao cair da tarde, hora de acender a fogueira no quintal de Vini Brum e, imerso "No Jardim das Açucenas", descobrimos uma melodia taciturna, sensação ampliada no Mellotron, o que inevitavelmente nos joga no folk progressivo ou na ambiência das baladas bucólicas dos anos 1970. Já "Lanhado", primeiro single do álbum, é puro rock. Contudo, nunca se esqueça, Vini Brum não propõe uma experiência de volume e potência no seu álbum. Esqueça as guitarras, aqui é o violão e o seu bandolim que desfilam no epicentro das ações. Há um diálogo com o cajón, darbuka e outras percussões, como se ouvíssemos o som na sala de casa, entre amigos, bebericando algo e curtindo esse encontro casual.    

O mesmo ocorre em "A rima", uma das mais MPB dessa leva, quando o dedilhar do violão ganha a companhia de vários tipos de percussões: folhas de flandres, udu e sinos. O simples bem-feito é sempre algo desafiador na arte, mas se há sofisticação entre tanto despojamento, coloque na conta dos arranjos de Luís Bittencourt. A atuação do multi-instrumentista empresta nuanças e muitas camadas ao álbum, isso sem furtar o protagonismo de Vini Brum. "Mar de distrações" novamente nos propõe um embarque na nau dos anos 1990, com melodias e vozes que evocam o som de Seattle, como se ouvíssemos um clássico do rock em versão acústica, da mesma forma que ele faz no seu projeto intinerante Cantigas do Rock: "Um veleiro de um tripulante só/ Que fui sereno e com meus remos/ Desato meus nós". A jornada do homem-banda segue até "Longa metragem", segundo single de Sereno, retrato de um compositor maduro, onde o som do violão de aço faz jus aos grandes mestres do instrumento. Destaque para o lap steel de Paulo Noronha, seu companheiro de Rinoceronte. É mais uma das boas baladas do disco, que mesmo chegando ao fim não perde seu fôlego. Sim, a viagem embala, mas ganha a companhia de nuvens acinzentadas na apocalíptica "O céu desaba em nós", quando Vini invoca a solução final do homem urbano retornando à natureza, apreciando os aromas e benesses da vida longe dos grandes centros. A ambiência criada nesta música impressiona, principalmente se você ouví-la num bom fone de ouvidos. Sereno termina com "O mergulho" e seus ares de tranquilidade, onde o cerne do compositor — voz, violão e um ponto de vista bem definido — se conecta a ancestralidade primordial junto a sons percussivos de água, cabaças e uma marimba.    

Em tempos de e-books, streaming e downloads, por que será que a arte ainda precisa de materialidade? Essa necessidade de palpabilidade se justifica em Sereno, um álbum conectado ao principal sentido da criação artística — seja pela qualidade musical, pelo acabamento gráfico, pela conexão com a táctil ou pela soma de forças reunidas no CD. 

.................................

VINI BRUM | SERENO

Chateâu Solaire | Vini Brum/ Márcio Grings

Cem Palavras | Vini Brum

Pedra Polida (Galo dos Ventos) | Vini Brum/ Márcio Grings

Tudo o que vale a pena | Vini Brum 

O caminho | Vini Brum/ Luiz Brum/ Márcia Heinz

No Jardim das Açucenas Vini Brum/ Márcio Grings

Lanhado Vini Brum/ Márcio Grings

A rima | Vini Brum

Mar de distrações | Vini Brum

Longa metragem | Vini Brum

O céu desaba em nós | Vini Brum/ Márcio Grings

O mergulho | Vini Brum

| Foto: Pablo Zambeli |

Comentários