Review: – Fragments: Time Out of Mind Sessions (1996 – 1997), Bootleg Series Vol 17, Bob Dylan (2023)

Divulgação Columbia
| Por Márcio Grings |

"Time Out of Mind" (1997) é um dos álbuns mais premiados de Bob Dylan. Estou falando do meu item favorito na discografia de um dos artistas mais celebrados do rock/pop. Entre os dylanólogos, essa preferência não é considerada um absurdo. Mas se levarmos em conta uma trajetória repleta de clássicos e pontos de virada, por que justamente um disco feito por um Bob cinquentão seria superior à obras como “Highway 61 Revisited” (1965), "Blonde On Blonde" (1966) “Blood on the Tracks” (1975) ou “Desire” (1976), escritas na ‘flor da idade’? 

Claro que todos esses feitos artísticos tem o seu lugar na história, porém eu tive a sorte de viver esse lançamento específico sincronicamente ao seu première, assim como pude assistir um dos shows do Never Ending Tour naquela segunda metade dos anos 1990, isso poucos dias depois de Bob Dylan levar três prêmios Grammy por um de seus melhores trabalhos. 

Foi inesquecível ver/ouvir de perto versões ao vivo de “Love Sick” e “Cold Irons Bound”. E, mesmo se houvesse algum distanciamento daquela noite de 7 de abril de 1998 no Bar Opinião (Porto Alegre), eu teria vários motivos para eleger TOoM como meu preferido. 

Esse foi um dos discos definitivos onde encontrei o caminho para uma maturidade como ouvinte, era como se finalmente eu tivesse atravessado a tão esperada ponte para o outro lado (sobre águas lamacentas). Assim, na busca por algum Shangri-lá perdido, nessa escalada até as Highlands, “Time Out of Mind” ainda faz a minha trilha-sonora. Ou seja: ao saber da existência do Bootleg Series Vol. 17, centrado exatamente nesta fase da carreira de Dylan, tive certeza da preciosidade do conteúdo. Ao ouvi-lo não houve um único traço de decepção. 

Saiba mais sobre "Time Out of Mind" | Veja live sobre os 25 anos de TOoM

“Fragments: Time Out of Mind Sessions (1996 – 1997), caiu no mundo no último dia 26. A versão completa em CD tem cinco discos (em LP são 10) e traz uma nova mixagem do álbum original, além de outtakes e versões ao vivo da turnê que se sucedeu após seu lançamento. 

Muitos músicos foram envolvidos nessas sessões. De sua banda na estrada lá estavam Tony Garnier no baixo, o multi-instrumentista Bucky Baxter em todos os tipos de cordas e o baterista David Kemper. Outros músicos foram escolhidos a dedo — Augie Myers no órgão e acordeão, Jim Dickinson nos teclados e Cindy Cashdollar no pedal steel. Bob Britt e Duke Robillard, que anos depois tocariam na estrada com Dylan, também estavam lá. A lenda Jim Keltner, Tony MangurianWinston Watson, e Brian Blade também tocariam bateria durante as sessões no Criteria Studios, em Miami. O próprio produtor, Daniel Lanois, às vezes também se arriscava no violão. Bob Dylan estava na guitarra, piano e gaita.

O disco 1 traz o remix de Michael Brauer (Jeff Buckey, Willie Nelson, Rolling Stones), com as mesmas versões e ordem das músicas do álbum original, mas agora sem o característico reverb — uma das marcas de Daniel Lanois — e consequentemente um dos símbolos sonoros de TOoM. Essa releitura naked, abolidora dos filtros e processamentos, apresenta um novo olhar sobre as onze canções. É o mesmo álbum, mas ele soa diferente. Trata-se de uma perspectiva clarificada em “Dirt Road Blues”, quando o som pastoso e opaco do disco de 1997 (que eu adoro! ) é substituído por uma sonoridade mais cristalina. Inclusive, em algumas canções os instrumentos estão em outra perspectiva, e aquilo que antes ouvíamos de forma subliminar ― ou num outro contexto , agora passaram para um novo lugar, migrando do fundo da sala direto para a cara do ouvinte. 

A amenização no eco de estúdio (principalmente nas vozes) passa o pano na umidade e desembaça o climática proposta na mixagem anterior, purificando vocais e percussões, resgatando lap steels, violões, guitarras e baterias, (eventualmente ofuscados ou omitidos), mas agora mais nítidos e resinificados. A reverberação, tendenciosamente modulada para baixo, é um dos signos dessa versão, o que justifica com folga o lançamento de "Fragments", pois oferece ao ouvinte uma nova perspectiva sobre a obra. Em músicas como "Tryin' to Get to Heaven", "Not Dark Yet", "Cold Irons Bound" e "Highlands" todas essas sensações e realinhamentos são expostos com muita clareza — o que nos leva a concluir que as músicas realmente mudaram. Não estou descartando ou desfazendo o ofício de Lanois (que foi inegavelmente exitoso), mas esse Bootleg Series na versão de Michael Brauer (certamente com orientações específicas do próprio Dylan), mas é interessante perceber as diferenças entre os pontos de vista que empacotaram o mesmo material. Mas há mais...

Foto: Antonin Kratchovil/Sony
Os discos 2, 3 e 5 apresentam outtakes e versões alternativas. A bonita "The Water is Wide", uma canção tradicional escocesa que Bob incluiu na sua Rolling Thunder Revue (cantada em parceria com Joan Baez), é repaginada com delicadeza e minimalismo (apenas com uma guitarra e os pratos da bateria). Entre os fragmentos mais significativos está "Dreamin' of You" (parte dela viraria Standing in a Doorway e outro pedaço a própria Dreamin' of You) uma junta de duas músicas que revela parte do processo criativo do compositor. As quatro versões de “Red River Shore” ― duas delas conhecidas de 'Tell Tale Signs" (2008) , e outras duas inéditas, nos leva até o berçário de onde surgem suas canções. Os takes embrionários de "Love Sick", "Not Dark Yet" e "'Till I Fell in Love with You" mostram como Bob gosta de experimentar diferentes abordagens para um mesmo tema. Já os outtakes de "Dirty Road Blues" e "Highlands" são sublimes, translações que nos permitem imaginá-las no próprio álbum original. 

O disco 4 apresenta shows do Never Ending Tour registrados pela Europa, Estados Unidos e América do Sul, e aqui chamo à atenção para "‘Til I Fell in Love with You" gravada em 5 de abril de 1998, no Estádio do River Plate, em Buenos Aires, apenas dois dias antes do show de Porto Alegre naquele mesmo ano. Destaco ainda as  versões iluminadas de "Standin' in a Door Way" e "Tryin' to Get to Heaven" em Londres (2000). 

Os fãs de Bob Dylan e TOoM tem motivos de sobra para comemorar. "Fragments" já está disponível em vários sites de venda.

Disco 1 – Time Out of Mind (2022 Remix)

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1. Love Sick

2. Dirt Road Blues

3. Standing in the Doorway

4. Million Miles

5. Tryin’ to Get to Heaven

6. ‘Til I Fell in Love with You

7. Not Dark Yet

8. Cold Irons Bound

9. Make You Feel My Love

10. Can’t Wait

11. Highlands


Disco 2 – Outtakes and Alternates

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1. The Water is Wide (8/19/96, Teatro)

2. Dreamin’ of You (10/1/96, Teatro)

3. Red River Shore – version 1 (9/26/96, Teatro)

4. Love Sick – version 1 (1/14/97, Criteria Studios)

5. ‘Til I Fell in Love with You – version 1 (10/3/96, Teatro)

6. Not Dark Yet – version 1 (1/11/97, Criteria Studios)

7. Can’t Wait – version 1 (1/21/97, Criteria Studios)

8. Dirt Road Blues – version 1 (1/12/97, Criteria Studios)

9. Mississippi – version 1 (1/11/97, Criteria Studios)

10. ‘Til I Fell in Love with You – version 2 (1/16/97, Criteria Studios)

11. Standing in the Doorway – version 1 (1/13/97, Criteria Studios)

12. Tryin’ to Get to Heaven – version 1 (1/18/97, Criteria Studios)

13. Cold Irons Bound (1/9/97, Criteria Studios)


Disco 3 – Outtakes and Alternates

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1. Love Sick – version 2 (1/14/97, Criteria Studios)

2. Dirt Road Blues – version 2 (1/20/97, Criteria Studios)

3. Can’t Wait – version 2 (1/14/97, Criteria Studios)

4. Red River Shore – version 2 (1/19/97, Criteria Studios)

5. Marchin’ to the City (1/5/97, Criteria Studios)

6. Make You Feel My Love – take 1 (1/5/97, Criteria Studios)

7. Mississippi – version 2 (1/11/97, Criteria Studios)

8. Standing in the Doorway – version 2 (1/13/97, Criteria Studios)

9. ‘Til I Fell in Love with You – version 3 (1/16/97, Criteria Studios)

10. Not Dark Yet – version 2 (1/18/97, Criteria Studios)

11. Tryin’ to Get to Heaven – version 2 (1/12/97, Criteria Studios)

12. Highlands (1/16/97, Criteria Studios)


Disco 4 – Live (1998-2001)

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1. Love Sick (6/24/98, Birmingham, England)

2. Can’t Wait (2/6/99, Nashville, Tennessee)

3. Standing In The Doorway (10/6/00, London, England)

4. Million Miles (1/31/98, Atlantic City, New Jersey)

5. Tryin’ to Get to Heaven (9/20/00, Birmingham, England)

6. ‘Til I Fell in Love with You (4/5/98, Buenos Aires, Argentina)

7. Not Dark Yet (9/22/00, Sheffield, England)

8. Cold Irons Bound (5/19/00, Oslo, Norway)

9. Make You Feel My Love (5/21/98, Los Angeles, California)

Previously released on the “Things Have Changed” maxi-single

10. Can’t Wait (5/19/00, Oslo, Norway)

11. Mississippi (11/15/01, Washington, D.C.)

12. Highlands (3/24/01, Newcastle, Australia)


Disco 5 – Disco bônus (Previously Released on The Bootleg Series Vol. 8: Tell Tale Signs: Rare and Unreleased 1989–2006)

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1. Dreamin’ of You – Tell Tale Signs (10/1/96, Teatro)

2. Red River Shore – Tell Tale Signs, version 1 (1/19/97, Criteria Studios)

3. Red River Shore – Tell Tale Signs, version 2 (1/8/97, Criteria Studios)

4. Mississippi – Tell Tale Signs, version 1 (9/96, Teatro)

5. Mississippi – Tell Tale Signs, version 3 (1/17/97, Criteria Studios)

6. Mississippi – Tell Tale Signs, version 2 (1/17/97, Criteria Studios)

7. Marchin’ to the City – Tell Tale Signs, version 1 (1/5/97, Criteria Studios)

8. Marchin’ to the City – Tell Tale Signs, version 2 (1/6/97, Criteria Studios)

9. Can’t Wait – Tell Tale Signs, version 1 (10/1/96, Teatro)

10. Can’t Wait – Tell Tale Signs, version 2 (1/5/97, Criteria Studios)

11. Cold Irons Bound – Tell Tale Signs, live (6/11/04, Bonnaroo Music Festival)

12. Tryin’ to Get to Heaven – Tell Tale Signs, live (10/5/00, London, England)

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