Review: Neil Young — “Homegrown” (2020)

John Logan / Penny Dreadful Photograph: DH-Lovelife
Por Márcio Grings


“Homegrown”, um dos álbuns perdidos de Neil Young nos anos 1970, acaba de ser encontrado neste limiar de 19 de junho de 2020, mesmo dia em que Bob Dylan também lança “Rough and Rowdy Ways”, seu 39ª álbum de estúdio (leia review AQUI). “Homegrown” já está disponível em diversas plataformas de streaming. Indisponível para venda no país, o álbum (CD/LP duplo) pode ser encomendando diretamente no site oficial do artista (com entrega em julho).  

Divulgação Warner
Para falarmos de “Homegrown”, precisamos retornar a 1974, quando logo após a lendária apresentação do quarteto fantástico Crosby, Stills, Nash & Young no Estádio de Wembley, Neil tira alguns dias de folga na Holanda. Acompanhado de Graham Nash e Tim Mulligan (seu empresário na época), o trio desparece e desacelera o ritmo em Amsterdam. Desacelera? Que nada! Com um disco recentemente lançado —“On The Beach” (1974) — Neil revela aos seus companheiros de viagem que já têm outro álbum na cabeça, um apanhado de retalhos e novas canções.

De volta aos Estados Unidos, ao lado de Elliot Mazer, seu produtor na época, resolve alugar um estúdio em Nashville e registrar o que seria um possível novo LP. No time de músicos escolhidos para a sessão, lá estavam colaboradores assíduos como Tim Drummond (baixo) e Ben Keith (steel guitar e dobro). Ainda na escalação — Karl T. Himmel (bateria), Stan Szelest (Wurlitzer), Emmylou Harris e Sandy Mazeo (vozes de apoio). Os amigos do The Band, Robbie Robertson (guitarra) e Levon Helm (bateria), também deram o ar da graça. Em pouco tempo, 16 canções ficam prontas. 12 delas estão no álbum lançado nesta sexta-feira (19), 45 anos depois de seu provável première em 1975.

Contracapa do CD de "Homegrown". Divulgação Warner
Batizado de “Homegrown”, segundo o que sempre li ao longo dos anos, o álbum tinha todas as credenciais para ser uma espécie de sucessor de “Harvest” (1972), seu maior sucesso comercial até então (e até hoje). O Disco de platina estaria garantido para “Homegrown”, segundo alguns poucos que ouviram as demos na época, entre eles Johnny Rogan, um dos biógrafos de Neil. Será?

Mas afinal, por que o disco nunca fora lançado? Concluída a missão das gravações, algo entre o final de 1974 e início de 1975, durante uma festinha na sua casa em Los Angeles, Neil convidou vários amigos para um first listen. No encontro, regado a vinho, maconha e Metedrina — lá estava uma turma da pesada — Rick Danko e Richard Manuel, do The Band, bem como alguns componentes de seu entourage, além de membros do Crazy Horse. Foi quando Young colocou a fita das canções de “Homegrown” para rodar. Ao som de suas novas canções, patrocinou mais uma noite de devassidão, um dos atributos ao qual o Chateau de Neil ainda permanece conhecido.

Na mesma cassete, também haviam gravações feitas meses antes das sessões de “Homegrown”, um conjunto de canções registrado com parte do Crazy Horse, material que passaria a ser conhecido como “Tonight’s The Night”, projeto até então vetado pela Warner. Foi Rick Danko, o maior dos baderneiros, quem primeiramente sugeriu que ‘Tonight’s’ era o disco a ser lançado. A verdade é que após essa noite Neil Young abandonou "Homegrown", e assim, convenceu a Warner a reativar "Tonight's The Night", Long Play que acabou atingindo o número 25 da parada da Billboard naquele ano.

A pergunta é: como “Homegrown”ficou esquecido no escuro de uma gaveta durante tantos anos? E afinal, por que nunca foi lançado? A verdade é que, a conta-gotas, várias músicas dessa safra migraram para discos posteriores. De todo o modo, o que ouvimos agora são as versões originalmente concebidas (ou muito próximas dos takes que acabaram conhecidos), além de temas inéditos e faixas que só agora são reveladas oficialmente, pelo menos fora do escopo dos bootlegs.

Assim como "On The Beach", "Homegrown" é um álbum com certo tom sombrio. Grande parte das letras versam sobre o estado de espirito de Young na época  — em pleno baixo-astral depois de levar um pontapé na bunda da atriz Carrie Snodgrass, mãe de seu filho, Zeke. A derrocada pós fim de relacionamento está na superfície do disco, que se distancia do tom pastoral de "Harvest", mesmo que em breves momentos consigamos traçar paralelos entre ambos, assim como o cinza de "On The Beach" ainda continue a oferecer sua lembrança. O resultado é que após ouvirmos "Homegrown" com a devida atenção, um sombreio azul opaco permanece sobrevoando nossos pensamentos. E quer saber? Rick Danko estava certo, no conjunto da obra, "Tonight's The Night", que também é down aos extremos (mas essa é outra história), é muito superior a "Homegrown". De todo o modo, as canções de 1974/75 agora reavivadas são mais relevantes que grande parte do material acumulado por Young nesse século, exceto "Silver & Gold" (2001), seu Olimpo discográfico nos últimos 20 anos.

Entre os temas já conhecidos temos o divertido take de estúdio da faixa título, "Homegrown" (diferente da versão ao vivo que já conhecíamos da discografia oficial) e "Star of Bethlehen" (idêntica), duas gemas que ganharam luz em "American Stars N' Bars". "Love is A Rose", afamada pela releitura de Linda Rostadt, e muito semelhante a tomada inclusa em "Decade", coletânea lançada em 1978. "Little Wing" figura exatamente igual a abertura de "Hawks & Doves" e "White Line" está transfigurada da versão elétrica de "Ragged Glory", sem o Crazy Horse e centralizada no violão.

Das novas canções, devido a evidentes semelhanças com o minimalismo semiacústico, "Separate Ways" e "Try" poderiam figurar como outtakes de "Harvest". "Vacancy" é disparada uma das principais pérolas dessa leva, com a ambiência que nos rememora a eletricidade de seus melhores momentos nos anos 1970. "Mexico" traz apenas Neil e o piano, refletindo sobre sua fossa e sonhando com praias distantes. "Florida", um dos equívocos de "Homegrown", nos carrega de volta a confusa ambiência-narrativa de "Journey Through The Past". "Kansas" novamente versa sobre o tema monocromático da dor de cotovelo, mas por outro lado  — elevando a moral  — "We Don't Smoke It No More" nos joga na farra casual da marijuana,  resultando num blues youngnesco em clima de jam-session. .

"Homegrown" não é o definitivo álbum perdido de Neil Young  — essa posição está preenchida por "Hitchhicker" (2017), mapa da mina de sua seminal produção acústica naquele período. Leia review AQUI.  De todo o modo, há traços do verdadeiro e genial compositor que ele é. Mesmo com altos e baixos, "Homegrown" pode ser considerado como porta lateral estratégica até o Éden de sua discografia.

Ouça o álbum completo.     

Comentários

  1. Cara, eu fico pensando nessa imagem: Chateau Marmont, em plena Sunset Boulevard de Los Angeles, local longe de ser apropriado para uma novena. Daí, se reúne a galera que se relata. Nenhum candidato a santo. Tudo e todos rolando e se enrolando, até que Neil coloca as fitas para rodarem. E vêm as músicas das quais hoje sabemos o teor. Imagino o anticlímax que deve ter tomado conta do ambiente. Que também não deve ter durado muito, porque eram músicas de Percival sendo escutadas, né? E eles se respeitavam - além de alguns terem participado das gravações. Mas que parece um choque de ambientes - físico e sonoro -, para mim, parece rs.

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