Woodstock 50 anos / 3º dia, 17 de Agosto de 1969

A nação Woodstock. Foto: Henry Diltz 
Por Márcio Grings

Em Agosto, o mundo do rock sempre relembrará Woodstock, o maior e mais celebrado festival de todos os tempos. O evento aconteceu em uma fazenda na cidade rural de Bethel, Nova York, de 15 a 18 de agosto de 1969, e reuniu parte dos mais importantes artistas do cenário musical da época. Um dos grandes lances de Woodstock, é o fato de que o público passa a ser protagonista em um evento pop, ganhando tanto destaque quanto os artistas. Woodstock foi, sem dúvida, um dos principais marcos da grande revolução jovem da época, uma onda de transformação musical, política e social.    

Para comprovar: basta ver o filme ou ouvir o disco. O que seria de Woodstock sem toda aquela massa humana que casou um dos maiores congestionamentos da história de Nova York? Liberdade sexual e ativismo político, o espírito contestatório da época, o livre consumo de drogas e toda a apoteose hippie foi documentada durante os três dias de paz, amor e música - Peace, love & Music - frase promocional que foi impressa nos cartazes de divulgação. 

Hoje falamos de quem passou pelo palco no último dia de evento. Saiba como foi o   e o 2º  DIA


Domingo, 17 de agosto


Joe Cocker & The Grease Band

Country Joe & The Fish

Ten Years After

The Band

Blod, Sweet & Tears

Johnny Winter

Crosby, Stills, Nash & Young

Paul Butterfield Blues Band

Sha-Na-Na

Jimi Hendrix


Chegamos ao último degrau da escalada woodstockiana. A prova de resistência passaria pelo seu capítulo mais rigoroso. Os eventos do domingo acabariam atrasando a agenda do festival em várias horas. Ao nascer do sol do dia seguinte, na segunda-feira,  os concertos ainda continuariam apesar da maioria do público já ter ido embora. Voltando ao início do 3°dia de apresentações, Joe Cocker e a Grease Band sobem ao palco às 14 horas. O tempo começava a fechar assustadoramente anunciando um temporal. Falando do show, bom... Eis um dos momentos mais sublimes de todo o festival. Cocker ainda não era conhecido nos Estados Unidos. Isso antes daquela tarde. “Ele deve ter tido uns três enfartes quando cantou 'With A Little Help From My Friends'", declarou Dave Bell, um dos produtores do filme que seria lançado em 1970. O tema em questão era uma reinvenção do ábum "Sgt Peppers" dos Beatles. Virou clássico absoluto! Além de ter inventado o air guitar (uma simulação imaginária de como tocar guitarra), o desleixado, rouco e audacioso cantor inglês deixou a multidão boquiaberta com sua mistura de soul, rock e blues.

Foto: Henry Diltz
Final do primeiro show e a chuva vem com tudo! Por longas duas horas, o torrencial aguaceiro virou um dos acontecimentos mais marcantes da tarde de domingo. A chuva foi tirada de letra pela moçada, que aproveitou para relembrar a infância, chapinhando na lama. De início se tentou afastar a chuva com a força do pensamento positivo, todo mundo gritando “No rain! No rain!”. Depois, resignados com resultado inócuo das preces, o jeito foi se aliar a ela, brincando de tobogã e cantando como selvagens. No álbum Woodstock há dois registros disto: no disco I, o improvisado Canto da chuva; e no II, a multidão entoando em coro o refrão "Let The Sunshine In" (Deixa o sol brilhar!), um dos hinários da 
peça Hair.

18h, os equipamentos parecem okay, enfim, o palco dá sinais que novamente está seco, ou quase isso. Começa a apresentação de Country Joe & The Fish. É importante dizer que muita gente começou sua debandada pra casa depois que o terreno virou um lamaçal. Quem aguentou o tranco assistiu uma banda disposta a flertar com várias correntes musicais e combinações. Depois veio a massa sonora do guitarrista Alvin Lee e o seu Ten Years After. Com recriações de material básico do rock, rhythm & blues e muito peso. O set começa com uma versão chumbada de "Good Morning, Little School Girl". E foi seguindo... Lenha em cima de lenha! Com a platéia eletrocutada, a explosão sonora atinge seu ápice em "Going Home", último som do list. A canção já era empolgante no disco ao vivo "Unleaded", mas a performance em Woodstock elevou o nível de excitação, entusiasmo e pura energia a proporções inimagináveis. Quem não lembra da cena em que Alvin Lee se despede com um aceno da multidão, levando uma melancia as costas? Falando em frutas, entrar depois de um momento desses, seria o verdadeiro abacaxi a ser descascado pelo The Band.
Foto: Henry Diltz

Embora Bob Dylan tenha recusado o convite de tocar em Woodstock, muita gente achava que ele podia dar uma de Bob Dylan e aparecer. E o momento perfeito para isso, seria quando a banda que o acompanhou na sua última turnê, em 1966, estivesse no palco. Essa expectativa fez eco ainda mais reberberante ao longo do 3º dia. Mas como sabemos, não aconteceu. De qualquer forma, o Band era uma presença legítima no festival. Afinal, assim como Dylan, eles moravam em Woodstock. O quinteto entra no palco às 22h30 e cativa a multidão com aquela velha receita caseira de rock tipicamente americano (apesar de serem canadenses). No final das contas, Bob não fez tanta falta assim e o The Band teve o seu momento de glória aquela noite. Emocionante foi assistir Crosby, Stills & Nash mandando ver no clássico "Suite: Jude Blue Eyes". Nos primeiros instantes, o público já delira. “Muito obrigado, caras”, reverberou a voz de Stills pelo superequipamento do festival, ao final da execução. “A gente precisava disso. Estávamos com o rabo entre as pernas. Esta é a segunda vez que nos apresentamos em público." Na esteira, ao fim da parte acústica, veio chumbo grosso com a sequência elétrica do espetáculo. No palco, a presença da quarta potência do recém formado quarteto. Neil Young entrou de canto e tasca de cara o rock turbinado "Sea Of Madness". No ano seguinte o novo grupo lançaria um álbum fantástico.

Foto: Henry Diltz
O Blood Sweet & Tears tinha status de ser uma das grandes bandas de 1969. Sua passagem pela noite de domingo era muito esperada. Mas o público não entrou no clima no blues elétrico & jazz com camadas de metais. Tudo no lugar, tudo perfeito, mas eles pareciam mornos, sem empolgação. O nome de Johnny Winter começava a circular com propriedade no final daquela década. Acompanhado do brother Edgar (em duas músicas), Winter estava na ponta dos cacos. Johnny Winter Progressive Blues Experiment, obra gravada em 1968, em Austin, no Texas, era o seu cartão de visitas. Recém saído da gaveta, desse LP ele dispara,  "Mean Town Blues", marca registrada do albino do blues em suas apresentações. Seguindo no mesmo trilho blueseiro, o veterano gaitista branquelo de Chicago, Paul Butterfield, coloca sua harmônica pra roncar nos alto-falantes. "Everything's Gonna Be All Right" entrou com méritos na a trilha sonora do disco. O Sha Na Na e sua sátira ao rock dos anos 50, causou certa estranheza com coreografias descompassadas e uma bagunça premeditada no palco, mas no final das contas todos se divertiram. É quando então, senhoras e senhores, chegamos ao grand finale dos 3 dias e noites de paz, música &,amp; amor.

Foto: Hnery Diltz. 
Manhã de segunda-feira, Jimi Hendrix toca para cerca de trinta e cinco mil resistentes espectadores. Quase 9 da manhã, o público restante se aglomera em frente ao palco e vibra com a volumêra batendo no peito. O músico aos poucos vai destrinchando um hit atrás do outro. Chega um momento que a guitarra de Hendrix se transmuta no grito de socorro dos soldados americanos no Vietnã. O tema em questão, "Star-Spanged Banner", reinvenção lisérgica do hino americano. Soava (e ainda soa) como um tiroteio, como helicópteros sobrevoando, como metralhadoras fuzilando inocentes em um campo de batalha. Jimi levantou a bandeira branca e comandou o toque de recolher do evento. No final do set, quando vemos o filme, a cena lembra uma terra de ninguém com andarilhos vagando num mar de lixo. 

É difícil fazer um resumo de algo tão monstruoso e que ainda baliza a indústria de entretenimento dos nossos tempos. Impossível não colocarmos um marco zero: antes de Woodstock, depois de Woodstock. O mundo nunca mais seria o mesmo, mas o espírito do festival insiste em permanecer. Um sentimento que sobrevive mesmo 50 anos depois daquele final de semana, uma lembrança que parece bater asas e permanece revigorada quando assistimos o filme, ouvimos a trilha-sonora ou nos deparamos com os relatos de quem esteve lá.

A Nação Woodstock precisa ser lembrada como um fenômeno de inocência, apesar da consumo livre  de drogas e de ser possível “ficar doidão só respirando sentado”, como um estudante admitiu alegremente e noticiou o New York Times. Logo depois, em dezembro de 1969, viria o desastroso concerto organizado pelos Rolling Stones no circuito de Altamont, na Califórnia. 5 dias antes, Sharon Tate, atriz e mulher do cineasta Roman Polanski foi assassinada em sua casa por seguidores de Charles Manson, pregador que transitava nesse ambíguo ambiente flower power. Para muitos, eis a pá de cal no sonho hippie. Mas quando falamos de Woodstock, acima de tudo, pense no festival como um acontecimento de paz, amor, solidariedade e música da melhor qualidade. E que som!
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Abaixo, duas performances avassaladoras no último dia de Woodstock.
 
 

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