Gustavo Telles & Os Escolhidos - Plataforma 85, 31 de Agosto de 2018

Foto: Pablito Diego
Por Márcio Grings Fotos Pablito Diego

Antes do fim, eu decreto: agosto acabou. O inverno prepara seus atos finais, dias frios e úmidos em Santa Maria. Falando especificamente de cultura, 2018 se revelou um dos períodos mais difíceis nos últimos anos, um revés que obviamente ocorre não apenas aqui, mas toma o Estado e consequentemente consome todo o país. Embretados nessa tranqueira, quando nesgas de sol e espaços iluminados são disputados a tapa, momentos em que a intransigência e a desesperança parecem triunfar, eis que encontramos a salvação através da música. Essa alforria espiritual captura o som e nos convida a permanecer dentro da cápsula indestrutível de uma boa canção.  


Foto: Pablito Diego
Essa é a sensação que toma meu coração no evento desta sexta-feira (31) no Plataforma 85. Dia e noite em que o inverno santa-mariense não apenas dá o ar da graça, ele perde totalmente a graça. Muita chuva ao longo das últimas horas. Sem problemas, ao lado de algumas dezenas, estamos dentro de uma confortável bolha sonora materializada pela música de Gustavo Telles & Os Escolhidos. Atualmente, o bar localizado no Largo da Estação Férrea, anexo ao Mercado Público, batizado de Plataforma 85, é o ambiente perfeito para se ver uma banda/artista, uma nova panaceia surgida há pouco mais de três meses em Santa Maria. Gustavo Telles está no palco com a mesma formação que gravou seu último álbum, lançado em setembro de 2017: Daniel Mossmann (guitarra), Felipe Kautz (baixo) e Murilo Moura (teclados e voz de apoio), quarteto que faz apresentação inédita do projeto solo do artista por aqui.

O setlist repassa quase uma década da atividade artística de Telles, distribuindo suas intenções nos três álbuns que lançou - "Do seu amor primeiro é você quem precisa" (2010), "Eu perdi o medo de errar"(2013) e o álbum homônimo "Gustavo Telles & Os Escolhidos" (2017). Leia review do último álbum.

Foto: Pablito Diego
A apresentação começa com a música que dá nome ao seu segundo álbum, e "Eu perdi o medo de errar" parece uma extensão do disco de estreia do projeto solo do ex-Pata de Elefante, uma aparente caça ao dialeto do rock'n'soul feito nos anos 1970. Porém, não pense que há uma fixação pelo old fashioned ou uma busca desenfreada pelo elo perdido do gênero. É justamente o oposto disso, Telles olha pra frente. É o caso de "Temporal", quando o riff da guitarra de Daniel Mossmann parece reforçar ainda mais a massa sonora de um dos principais destaques de seu trabalho mais recente.

Foto: Pablito Diego
Como temos um baterista como band leader/vocalista principal, ao estilo do que já vimos em grupos históricos como Eagles (Don Henley) e The Band (Levon Helm), essa posição empresta uma outra dinâmica na condução visual e técnica do show de Gustavo Telles e Os Escolhidos, e Telles consegue se dar bem nessas duas cadeiras, tanto como vocalista ou instrumentista. "Não, não sei, enfim", à primeira vista uma balada cafona,  é uma daquelas letras que colam na memória e chora as pitangas pelo final de uma relação amorosa, mas também nos dá o recado de que a fila anda embalada por uma trilha sonora digna. Em "Passo a passo", a influência do country rock salta da camiseta de Neil Young estampada no peito do protagonista. "Vem comigo" - prevista para ser a primeira da noite, mas reposicionada a pedido dos Escolhidos-, surge como um dos melhores recortes em que o rock quica na nossa cara. Toda vez que Murilo Moura faz a voz de apoio (que quase soa mais alta que o vocal líder), Telles abre um sorriso e procura o olhar tecladista. O mesmo acontece em "Deixe-me ir", que ao vivo ressoa ainda soul e enérgica. Coloque na conta do entrosamento das vozes e da coesão sonora de um tema que parece ter amadurecido com as recentes tintas da estrada.

Foto: Pablito Diego
O blues/balada "Um motivo a mais pra seguir" fornece a camada sonora propícia para o brilho da Telecaster de Mossmann, um dos melhores músicos ligados ao rock sulista. Em alguns momentos, o guitarrista fica de costas para o restante da banda, de olhos fechados ou olhando a sombra das luzes refletidas nas paredes centenárias do Plataforma, edificação inaugurada em 1885. Porém, não se engane, esse mundo particular também é compartilhado com a plateia: "Fica fácil 'tocar bem' nesse projeto, as canções são muito boas, e aí não tem erro", disse Mossmann após a apresentação. Outra incidência pelo soul rebate em "Muitos dizem que tem razão", composta originalmente na data do impechament de Dilma Rousseff, o tema é tocado em Santa Maria exatamente no dia em que a candidatura de Lula à Presidência é impugnada: "É necessário pensar e não permitir que alguém pense por ti / A história dirá quem lutou por seus sonhos e confissões", diz o relato na letra.

Veja um trecho de "A dor de morrer".



"A dor de morrer", uma das minhas preferidas, trata-se de uma canção que até hoje dirige missivas para todos nós invariavelmente posicionados em zonas de conforto, lembrando o quanto é importante apostarmos as fichas no desconhecido: "Quanto tempo esse medo de errar / Lhe impede de experimentar / Coisas novas outras sensações".

Foto: Pablito Diego
Em "Tudo vai ficar bem", dedicada ao baixista Felipe Kaltz, de mudança para a Capital paulista (ele também é um dos integrantes do grupo Dingo Bells), somos avisamos que o músico deixa a formação mais atuante dos Escolhidos (ele deve ser substituído por Edu Meirelles). Mesmo com Telles esquecendo parte da letra da música, dá pra perceber que o clima do bar e a vibe descolada da apresentação inspiram líder e seus comandados a se divertirem com o andar da carruagem. E esse ápice de improviso e busca pelo imprevisível tem seu ponto alto em "Sempre mais" (a 'mais' aplaudida da noite), quando o quarteto não demonstra a mínima pressa em chegar ao epílogo do tema. Esse é um dos grande baratos de ser ver um show ao vivo, quando temos a chance de presenciarmos demonstrações inéditas de uma banda. "Jogos Mentais" e "Quero mais" passaram no teste do tempo, além de serem números que construíram a persona artística de Telles, demonstram sua força como compositor. A última delas, inclusive inspirou o nome de um DVD de Alemão Ronaldo - "Quero mais do que me dar bem", gravado aqui em Santa Maria, no extinto Absinto Hall. 

Foto: Pablito Diego
Além de ser uma das suas canções mais conhecidas, "Posso me perder" é a Pedra de Roseta do som de Gustavo Telles e Os Escolhidos. Óbvio que o bar canta a letra em uníssono com direito a falso final a capella onde os fãs entoam seu orgulho. O honk tonky "O tempo não vai nos afastar" poderia ser trilha sonora de um faroeste em português, e "Do seu amor primeiro é você quem precisa", gênese de sua carreira discográfica, faixa 1 do álbum homônimo, é porta de entrada para os ouvintes que gostam de rock misturado ao country. Ouvi-la in loco apenas confirma essa miscigenação que atua dentro da gema criativa de Telles.

Foto: Márcio Grings (Samsung J5)
A pedido de um fã, "Na sua solidão" (inicialmente fora do set dessa apresentação), transita na mesma caipirice da anterior, mas com um leve acento gospel amparado pelas vozes de apoio de Kautz e Moura. Noite que chega ao fim com "Eu já disse sim", mesmo instante em que percebo que Agosto acaba de nos deixar (passa da meia noite e meia). Assim, Setembro anuncia que em poucas semanas a primavera vai detonar com o inverno, pelo menos essa é a esperança. O certo é que chegaram ao fim as estações no inferno astral de não termos assistido ao vivo Gustavo Telles e Os Escolhidos, pois presenciamos uma apresentação inédita do quarteto nessa cidade esquecida por Deus e pelos seus governantes. Ainda bem que temos a música, sempre ela a nos salvar.   

O show de Gustavo Telles & Os Escolhidos em Santa Maria foi uma realização da Grings - Tours, Produções e Eventos, com apoio do Há Cena. Suporte técnico: Vitor Cesar. Técnica de áudio/luz: Márcio Kisner. Cenografia de palco: Márcio Grings e Pablito Diego. Fotos: Pablito Diego. Agradecimento especial: Alfredo Giardin e equipe Plataforma 85.   

Setlist

Eu perdi o medo de errar
Temporal
Não, não sei, enfim
Passo a passo
Vem comigo
Deixe-me ir
Um motivo amais pra seguir
Muitos dizem que tem razão
A dor de morrer
Tudo vai ficar bem
Sempre mais
Jogos mentais
Quero mais
Posso me perder
O tempo não vai nos separar
Do seu amor
Na minha solidão
Eu já disse sim 
   
Foto: Pablito Diego

Foto: Pablito Diego

Foto: Pablito Diego

Foto: Pablito Diego

Foto: Pablito Diego

Comentários

  1. Girando em Descompasso e Pra Entender são minhas preferidas além de algumas do set list.
    Bela reportagem desse talento q é GT

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