"Quem tinha que ter traduzido esse livro era eu", disse Eduardo Bueno sobre "Letras" de Bob Dylan

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Por Márcio Grings

Foram mais de 30 minutos de conversa (ou quase monólogo). Como de costume, quando o tema é Bob Dylan, sobra assunto e bagagem na memória do jornalista, escritor e tradutor gaúcho Eduardo Bueno. Como notório fã do atual ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, com 71 shows do artista resenhados no seu bloco de rascunhos, perguntamos por que afinal não foi ele o escolhido para traduzir 'Lyrics", tomo que abduz as músicas de Dylan para o formato de um livro: "Não fui convidado. Quem tinha que ter traduzido esse livro era eu", disse em tom de brincadeira ao Memorabilia, uma declaração que carrega certa ironia e um fundo de verdade. O primeiro volume de "Letras", lançado pela Companhia das Letras, tem tradução de Caetano W. Galindo, profissional que levou apenas três meses para entregar o trabalho concluído. Como o dito popular já nos avisa: "A pressa [quase sempre] é inimiga da perfeição". Caso fosse o tradutor "pediria um ano para fazer a tradução e provavelmente cobraria uma grana que [a editora] não me pagaria".

Bueno ainda elogia a tradução feita em Portugal, volumes que se tornaram seus atuais livros de cabeceira: "Dá de 10 a zero na tradução brasileira".  Na Terra de Camões as letras das canções do poeta/cantor foram editadas em dois volumes pela editora Relógio d’Água, em 2006 e 2008, respetivamente, abrangendo o período entre 1962 e 2001: Canções 1962-2001 – Volume 1 (1962-1973), Volume 2 (1974-2001), ambos com traduções de Angelina Barbosa e Pedro Serrano. "Durante dois anos e meio lá se foram as nossas horas vagas, as férias. Metemos Dylan na cabeça como uma obsessão, como uma maldição", escreveu Serrano em postagem no seu blogue (leia AQUI). O segundo volume de "Letras", que já foi entregue para publicação, tem previsão de chegar às prateleiras daqui no início de 2018. No fim das contas, a grande diferença é o respeito que cada mercado editorial tem com seu leitor. Portugal ainda está na nossa frente nesse quesito. Após anos de desinteresse na bibliografia de Dylan, de repente o mercado editorial brasileiro demonstrou uma pressa absurda em colher os frutos da láurea do novo premiado pela academia sueca.

E se o casal português fez questão de comprar tudo sobre Bob Dylan que cruzasse em frente a dupla, e assim, voluntariamente mergulharam na profunda jornada de dois anos e meio que resultou numa tradução devotada, Galindo, declarado fã de Led Zeppelin e Bach (What?!), precisou de apenas um trimestre para finalizar seu trabalho. Brazil-zil-zil!!!  

Walter Salles e Bueno. Diretor e consultor técnico da versão (legendagem) para o cinema da adaptação de "On The Road", livro de Jack Kerouac que virou filme em 2012 

"Letras". Divulgação
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Bueno, que não gostou da tradução brasileira, afirma que a dissonância com o texto original também é um provável fruto do tradutor ter aceito um prazo tão curto para verter uma obra de tamanha complexidade e magnitude. Além disso, ele chama a atenção para a falta de um especialista sobre o artista traduzido na versão que chegou as livrarias no início de Abril: "No mínimo [a editora] tinha que ter me convidado para ser o consultor da tradução. (...) Sou tradutor e dediquei metade da minha vida a Dylan", disse. Vale lembrar que Bueno já sentou na cadeira de consultor em "Like A Rolling Stone - Bob Dylan na Encruzilhada", livro escrito pelo jornalista norte-americano Greil Marcus, lançado pela mesma Companhia das Letras, com tradução de Celso Paciornik e provavelmente uma das melhores publicações sobre o trabalho do bardo lançado em língua portuguesa. No caso de "Letras", talvez "eles não me procuraram por que eu iria sugerir notas de rodapé em algumas páginas", conclui.  "Na verdade eu iria resistir a essas notas, mas existem casos procedentes, como por exemplo em 'Desolation Row'". No player postado ao final dessa postagem o jornalista esmiúça esse exemplo com preciosismo.

Outro recordação é que Bueno também foi convocado pelo cineasta Walter Salles como consultor na legendagem para português da adaptação às telas de "On The Road" (Na Estrada), livro escrito por Jack Kerouac. A publicação lançada pela editora Brasiliense ainda no início da década de 1980, foi a primeira tradução do jornalista. Traduziu mais 21 livros, entre eles obras da literatura beat - outra de suas especialidades - e consequentemente apresentando aos leitores do país escritores como Lawrence Ferlinghetti e Sam Shepard.

Ouça também entrevista de Bueno a Rádio Gaúcha na época do anúncio do Prêmio Nobel 

Na entrevista exclusiva ao Memorabilia, Bueno também fala sobre "Triplicate" (último trabalho lançado pelo bardo), a nova versão em português de "Tarântula" (primeiro livro de Dylan lançado em 1971) e de sua expectativa para os próximos lançamentos da sempre aguardada "The Bootleg Series". Ah, ele ainda revela estar com um livro pronto sobre Bob Dylan. Quando será lançado? Ouça a entrevista completa no player abaixo e saiba mais detalhes.

Se você é fã de Dylan, não pense duas vezes em clicar.
   

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