Review: Springsteen: Salve-me do Desconhecido (2025)

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| Por Márcio Grings

Acabo de assistir "Springsteen: Salve-me do Desconhecido", novo longa de Scott Cooper, o mesmo diretor do ótimo "Crazy Heart" (2009). Um aviso: o filme é sobre depressão — e tudo o que ela arrasta consigo e o poder destrutivo como chaga. O universo do rock and roll é uma linha subliminar nesse roteiro. 

Baseado no livro de Warren Zanes (Deliver Me from Nowhere: The Making of Bruce Springsteen’s Nebraska, 2023), a trama mergulha no coração sombrio de "Nebraska" (1982), o disco que Bruce gravou como quem reergue uma choça em ruínas — exausto, sozinho, com voz, violão, gaita e um gravador de quatro pistas despejando tudo numa fita cassete, como um confessionário. Talvez muitos não saibam, mas grande parte das canções de "Born in the USA" nasceram destas mesmas sessões. Houve pressão para que elas passassem à frente, mas Bruce não cedeu a esse interesse. Só dois anos depois essas músicas seriam conhecidas. "Nebraska" passou a ser uma obsessão. Não teria divulgação, não teria turnês e não haveria uma única foto do músico na capa, contracapa ou encarte.

Cooper traduz a atmosfera em que o LP foi erigido com precisão: flashbacks em preto e branco, o pai alcoólatra, o menino amedrontado observando o mundo. Essas imagens do passado remontam o Bruce introspectivo e solitário, a TV ligada nas madrugadas codificando mensagens e violão como asas.

Nebraska é o "Blood on the Tracks" (1975) de Springsteen, mas em vez de romances aos frangalhos explorados por Bob Dylan, o foco aqui é o inventário da própria alma — um mergulho na América esquecida, entre criminosos, errantes e trabalhadores à deriva. Bruce abandona o heroísmo urbano e canta o vazio moral do sonho americano: culpa, redenção, a ruína social e o peso de existir quando não há uma salvação à frente. A figura cambaleante (e perigosa) de seu pai alcoólatra paira sobre o disco e por todo o filme.

O filme rejeita o brilho dos biopics e prefere seguir pelos subterrâneos da memória: a infância, o medo, a pressão, a loucura que ronda sorrateiramente. Bruce aparece como um sobrevivente, não como o herói mítico da estrada errante do rock.

O silêncio é o que mais fala em “Springsteen: Salve-me do Desconhecido”. Jeremy Allen White encarna um artista esgotado no fim da turnê de “The River” (1980). Os ombros arqueados, o olhar febril, a exaustão. Sua interpretação eleva o filme.

Há também a garçonete Faye (Odessa Young), personagem inspirada em várias mulheres da vida de Bruce — fantasmas românticos. Há ecos da atriz Joyce Hyser, com quem ele conviveu entre 1978/82, apesar de não ser citada ou mencionada diretamente.

E há Jon Landau (Jeremy Strong), o empresário que não comanda com mão de ferro — acolhe e defende seu artista frente a voracidade do mercado fonográfico. Landau é o amigo de fé que entende quando o artista precisa de uma parada estratégica.

Ao fim, “Springsteen: Salve-me do Desconhecido” é sobre o preço de permanecer intacto num mundo que exige máscaras. O Bruce Springsteen que parece inquebrantável sobre o palco se mostra frágil fora dele — hesitante, mas sempre fiel à própria voz. O filme o despe do mito e o devolve ao humano.

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