50 anos: Bob Dylan "Blood in the Tracks"

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| Por Márcio Grings |

Lançado em 20 de janeiro de 1975. "Blood on the Tracks", o 15º álbum de estúdio de Bob Dylan, emplacou às paradas de álbuns em #1 nos EUA e #4 no Reino Unido. A magma que forja o relevo dessa obra congrega uma espécie de síntese daquilo que Bob tinha feito até 1975. Por mais que tenhamos outros músicos o acompanhando, o cantor, seu violão (uma gaita de boca) e um ponto de vista são os princípios básicos das canções. Dylan muitas vezes soa como se estivesse solitário. Captado em sessões na cidade de Minneapolis e em Nova York (com um grupo de músicos diferentes), o que conhecemos inicialmente no LP, lançado em 20 de janeiro de 1975, hoje aclamado por crítica e público, é o provável ponto mais elevado da discografia de Dylan, o que não é um exagero. Em 2003, numa das listas publicadas pela revista Rolling Stone, "Blood on the Tracks" foi classificado como 16º entre os 500 Maiores Álbuns de Todos os Tempos. 

Muitas das músicas do disco estão entre as mais celebradas do seu songbook, entre elas, "Tangled Up In Blue", "Simple Twist of Fate", "You're A Big Girl Now", "Idiot Wind",  "Shelter From the Storm" e "If You See Her, Say Hello". "Blood on the Tracks" carrega o peso de um homem que lida com as consequências de um coração partido, o seu e o da esposa. Aqui também temos um exemplo de como o conteúdo lírico dos álbuns de Dylan são indissociáveis de uma análise mais precisa. De todo o modo, como obra universal, cada letra aponta significados diferentes e muitos desdobramentos. 

Veja a live no canal Pitadas do Sal sobre os 50 anos de "Blood on the Tracks".   

Lado A

TANGLED UP IN BLUE

Dylan algumas vezes disse no palco que levou "dez anos para viver essa história e dois anos para escrevê-la". A narrativa é oblíqua, enviesada, a letra fala de mudanças e de uma constante movimentação que aparentemente viaja no tempo, o que também traça paralelos com seu casamento em perigo. A temática foi influenciada pelas aulas de arte que Dylan estava tendo com Norman Raeben, um professor nova-iorquino. Bob disse que Raeben o fez olhar as coisas de uma perspectiva não linear, o que se refletiu em suas canções. Ela brinca conosco em termos da ordem em que as coisas acontecem – é quase como se o cantor não conseguisse lembrar exatamente o que aconteceu, quando e como, causa e efeito se desfizeram. Gosto de todas as versões que ouvi dela e, acredito que vários outtakes superam a escolhida para abrir o álbum. Minha versão favorita DE "Tangled Up in Blue" é a que foi gravada ao vivo em  7 de julho de 1984, no estádio de Wembley, em Londres, e que ouvimos no álbum "Real Live" (1984). Mas foi aqui em "Blood On The Tracks" que conhecemos uma das obras-primas de Bob.

SIMPLE TWIST OF FATE

"Simple Twist of Fate" não fala de sua relação com Sara. Na verdade ele fala sobre um amor da década anterior, Suze Rotolo. A letra relata sua descida inicial até o fundo do posso após perceber que ele nunca mais veria Suze. Em um minuto, ele canta sobre uma época em que eles estavam caminhando pelo parque, para logo depois acordar em uma casa vazia. Mesmo que todos na situação desse homem reagissem com raiva por serem abandonados por suas almas gêmeas, Dylan apenas culpa a mudança das estações no final da música. Ele diz que foi apenas uma casualidade eles ficarem juntos, e foi por algo fútil que que eles se separaram. A maior parte de "Blood on the Tracks" tem a ver com a tristeza de qualquer separação, mas no fim das contas, "Simple Twist of Fate" Dylan parece aceitar esse afastamento. 

YOU'RE A BIG GIRL NOW

Muitos dylanistas sugerem que "You're A Big Girl Now" se relaciona com “Just Like a Woman”, escrita oito anos antes, em particular nas passagens “I'm back in the rain” com “Tonight as I stand inside the rain”. Talvez, mas a essência básica das duas músicas seja bem diferente. Em “Just like a Woman”, a personagem feminina se quebra como uma garotinha. Já na faixa de "Blood On The Tracks" é um homem que está detonado pela turbulência desse relacionamento, e realmente só há uma maneira de ler linhas como: 

"Estou ficando louco/ Com uma dor incessante/ Como um saca-rolhas no meu coração/ Desde que nos separamos".

IDIOT WIND

Das músicas que Dylan retrabalhou, esta foi a que mais mudou. Bob deu a ela letras diferentes e um ritmo mais rápido do que a versão que gravou pela primeira vez em Nova York. Em um dos livros de Paul Williams ele diz que Norman Raeben - durante uma de suas aulas de arte - sugeriu a palavra "idiota" a Dylan. A viúva de Raeben disse mais tarde que Norman sentiu que havia "um vento idiota soprando e cegando toda a existência humana" e que "idiota" era uma de suas palavras favoritas.

Dylan cantou "Idiot Wind" em 23 de maio de 1976, no Hughes Stadium em Fort Collins, Colorado. A apresentação é lembrada por sua entrega raivosa, quase barulhenta. Sara Dylan estava na primeira fila do show, levando os fãs a acreditarem que é por isso que Dylan a cantou com tanta ferocidade. A gravação do show de Fort Collins pode ser encontrada no álbum ao vivo, "Hard Rain" (1976). 

YOU'RE GONNA MAKE YOU LONESOME WHEN YOU GO

A princípio, uma simples canção de amor. Embora seja sobre um relacionamento especifico, também é sobre amor de forma mais geral. Um toque de otimismo, ao menos no andamento mais rápido e menos para baixo que o restante do Lado A, o que empresta um otimismo enganador ao fechamento do primeiro ato de "Blood On The Tracks". Mas, se nos aprofundarmos na letra, Dylan disse que seus relacionamentos são semelhantes ao conturbado relacionamento de Paul Verlaine e Arthur Rimbaud.  

Lado B

MEET ME IN THE MORNING

O único blues de "Blood On The Tracks" e, talvez, a canção com menos camadas do álbum, oferece uma ótima abertura para o Lado B, uma mudança de ares? Nada disso, o casal da trama continua atravessando passagens repletas de arame farpado. "Meet Me in the Morning" (que antes se chamava Call Letter Blues) traz o único solo de guitarra do álbum. Todos os outros solos (exceto o solo de bandolim em If See Her, Say Hello), ficam a cargo a harmônica. 

LILY, ROSEMARY AND THE JACK OF HEARTS

Lily, Rosemary é uma música que nos leva de volta a "Pat Garret & Billy the Kid", e parece se relacionar com essa ambiência. Como tal, está fora do âmbito de grande parte do resto do álbum. Dylan ligou para Joan Baez quando escreveu essa música. Baez disse ao The Huffington Post: "Ele leu a letra inteira de "Lily, Rosemary and the Jack of Hearts". Bob tinha acabado de terminá-la e fez a leitura direto de uma cabine telefônica". O telefonema levou Baez a escrever " Diamonds & Rust ", um relato em forma de canção que dá a letra sobre o relacionamento que ela teve com Dylan nos anos 1960. 

IF YOU SEE HER, SAY HELLO

Em "Still on the Road: The songs of Bob Dylan 1974–2006", o autor e estudioso de Dylan Clinton Heylin afirma: "'If You See Her, Say Hello' foi escrita com a tinta das lágrimas da noite passada." A declaração parece um pouco melodramática, mas ainda assim captura com precisão o sentimento de emocionalidade crua nesta música, que muitos fãs de Dylan consideram estar entre as melhores de sua carreira. No tema, Dylan canta sobre uma mulher que ele perdeu depois de uma "briga". Ele está magoado, mas não há raiva ou vingança, e Bob deseja a ela o melhor. O solo de bandolim é de Peter Ostroushko. 

SHELTER FROM THE STORM

"Shelter From the Storm" expressa a tristeza de não saber o valor do que temos em mãos. Dylan escreveu isso com apenas três acordes e uma melodia simples. Começou como uma música chamada "Up To Me", que Roger McGuinn gravou em 1976. Dylan tirou o título de um verso de " Who'll Stop The Rain? ", do Creedence Clearwater Revival: I went down Virginia/ Seekin' shelter from the storm". Novamente fica o aviso e recomendação de uma audição na versão desta música no álbum "Hard Rain". 

BUCKETS OF RAIN

O álbum acaba com um toque de poesia e simplicidade. O violão de aço retumba cristalino e solitário. A letra pinta uma musa que não devolve em reciprocidade o amor do poeta. Melodicamente a música vende os ares de "Bottle of Wine" de Tom Paxton. Dylan a tocou ao vivo apenas uma vez, em 18 de novembro de 1990, no Fox Theater, em Detroit.   

Bob, Dylan e o jovem Jakob Dylan. 


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