Review: Willie Nelson "Last Leaf on the Tree"

| Divulgação |
| Por Márcio Grings

Quando, ainda na década de 1970, Willie Nelson começou a se referir à sua banda de apoio como “A Família”, talvez ele levasse em conta o fato de sua irmã, Bobbie, ser a pianista residente no grupo. Ele também passou a considerar os músicos de estrada como membros da família — e, de fato, a maioria deles ficou com Willie até seus últimos dias, ou ainda está com ele até agora. É o caso do gaitista Mickey Raphael, na estrada como membro da 'família' desde 1973. Contudo, ao decorrer dos anos seus filhos naturalmente passaram a dividir o palco com a turma. Entre eles, Lukas e Micah são os mais presentes. O último álbum de Willie, o 76° de sua carreira, “Last Leaf on the Tree”, acaba de ser lançado. A produção é de Micah Nelson, o caçula, atual integrante do Crazy Horse (guitarra), banda de Neil Young. No novo trabalho, além de diretor musical, Micah toca uma dezena de instrumentos, colabora com vozes de apoio e ainda editou o videoclipe da faixa título — "Esse disco é a declaração de um ser humano autêntico, alguém que talvez nunca mais vejamos em nossas vidas", escreveu Micah em seu Instagram.

Micah e Willie. Foto: Annie Nelson

Um aviso: “Last Leaf on the Tree” (A Última Folha na Árvore) não é um disco alinhado à música country tradicional, é mais do que isso, pois se trata de um triunfo da primeira a última faixa, uma obra sensível onde Nelson faz aquilo que sempre o consagrou em suas releituras: ele se apropria das canções e coloca um carimbo na testa delas — WN — e, assim, as torna como suas. É o caso dos dois temas de Tom Waits, “House Where Noboby Lives” e a faixa título, onde diz — “"Eu sou a última folha da árvore/ O outono levou o resto/ Mas eles não vão me levar/ Eu estarei aqui pela eternidade/ Se eles cortarem esta árvore/ Irei renascer em uma música". Duas composições de Neil Young foram regravadas, “Are You Ready For the Country?”, por exemplo, se tornou trilha de quermesse, informal e reduzida, numa versão feita para divertir. Já “Broken Arrow” (com uma intro de Mr. Soul), a estranha faixa gravada originalmente no segundo álbum do Buffalo Springfield, ganha uma beleza rústica e melancólica — "As luzes se acenderam e a cortina caiu/ E quando acabou, tudo parecia um sonho”. Da forma como foi arranjada, partindo da original desenhada no estúdio por Jack Nitzsche em 1967, a nova "Broken Arrow" entorta esse arranjo para emergir como o momento mais impressionante e surpreendente do álbum. 

Entre as faixas escolhidas em “Last Leaf on the Tree”, Willie continua olhando para novos talentos, pois a versão de “It Wasn’t Broken”, um bonito tema escrito pela jovem cantora de Nashville Sunny War, é a prova dessa sagacidade. Sunny agradeceu a Willie no seu Instagram:

Willie Nelson fez muito por mim ao longo dos anos. Ele até me convidou para shows e auxiliou financeiramente durante a Pandemia. Até agora, além de mim, ninguém havia lançado alguma das minhas músicas. Ouvir Willie cantando If It Wasn't Broken é a coisa mais doce e maravilhosa que já aconteceu comigo. Eu costumava tocá-la no calçadão de Venice Beach e nunca teria imaginado naquela época que Willie Nelson a ouviria. Sinto-me grata e inspirada”.

Em “Keep Me Your Heart” (Waren Zevon), ele usa frases musicais roubadas de "Girl From North Country” (Bob Dylan). Ainda há regravações de “Lost Cause” (Beck), “Come Ye” (Nina Simone), “Do You Realize?” (Flaming Lips) e uma releitura de “Robbed Blind” (Keith Richards), com participação de John Densmore (percussão), lendário integrante do The Doors.   

"Estou particularmente impressionado porque ele incluiu Robbed Blind no álbum, o que é estranho porque quando eu a escrevi e a gravei, eu me perguntei o que Willie poderia fazer com ela. Agora eu sei. Engraçado como as coisas acontecem! A ótima produção de Micah a mantém na família”, disse Keith Richards.

Quanto as novas canções, há um tema escrito por Micah, “Wheels”, outra dele coescrita com o pai, “Color of Sound”, e “Ghost”, de Willie, essa com o pedal steel de Daniel Lanois (Bob Dylan, U2), produtor de Teatro (1999), um dos melhores álbuns de Nelson naquela década. 

O adjetivo <insubstituível> pode ser usado para poucos artistas. Willie Nelson é um dos raros que merece essa insígnia. Extraclasse também é adequado a sua persona. Aos 91 anos, poucos músicos ainda pensam em encarar a estrada e o ritmo de gravações. A sensação ao ouvir "Last Leaf on the Tree" é de que Willie sabe que a festa finalmente acabou, mas a música ainda não parou dentro dele. A aridez profunda das letras é potencializada pela voz envelhecida e estragada do eterno herói do country, assim como o minimalismo da produção de Micah deixa espaços vazios adequados aos arranjos. Como chuva no deserto após um período de secas ou como a visão de uma improvável flor do campo brotando no concreto, o velho cantor do Texas continua a nos surpreender. 

Veja o clipe da faixa-título.          

Comentários