As multidões na música de Bob Dylan

Divulgação Editora Zain
| O jornalista musical Greil Marcus é o autor de um dos melhores livros lançados sobre o universo musical em 2024: "Folk Music — Uma Biografia de Bob Dylan em Sete Canções", publicado no Brasil pela Editora Zain |

| Por Márcio Grings |

Aos 79 anos, Greil Marcus continua sendo uma das vozes mais lúcidas e confiáveis do jornalismo musical norte-americano. Como resenhista e ensaísta  desde os anos 1960/ 70 — vem publicando suas visões em revistas como Creem, The Village Voice, Artforum e principalmente pela Rolling Stone. Considerado um dos grandes pensadores do jornalismo musical, ele ganhou notabilidade tanto pela atuação acadêmica — ele ministra cursos de pós-graduação em Estudos Americanos da Universidade da Califórnia, em Berkeley — quanto pela literatura do rock, reposicionando o gênero num espectro mais amplo, fazendo constextualizações políticas e históricas, ampliando a experiência cultural dos apreciadores do música. Individualmente, entre as obras mais notórias assinadas por ele,  o livro "Mistery Train" (1975) foi considerado pela revista Time uma das 100 melhores obras de não-ficção do Século XX. 

Ilustração da capa: Talita Hoffmann
Só sobre Bob Dylan, Marcus escreveu cinco obras: "Invisible Republic: Bob Dylan's Basement Tapes" (1997), "Like a Rolling Stone: Bob Dylan at the Crossroads" (2005) — publicado no Brasil pela Companhia das Letras — , "Writings" 1968–2010 (2011), "The Old, Weird America: The World of Bob Dylan's Basement Tapes" (2011) e a mais recente deles, "Folk Music | Uma Biografia de Bob Dylan em Sete Canções", editado no país pela Editora Zain. A tradução é de João Victor Schimidt, com revisão técnica de Eduardo Bueno.

Assim como "A Balada de Bob Dylan" (2012), de Daniel Mark Epstein, que tem como mote falar da biografia de Dylan pela perspectiva de quatro shows assistidos pelo autor, o novo livro de Marcus mantém uma linhagem semelhante, mas embaralha ainda mais as cartas, pois, sem ordem cronológica, fala de sete canções e abre muitas janelas para o leitor. Marcus vê Dylan como um dos grandes no vernáculo mais original da tradição da música folk e, na visão do jornalista, desse modo forjou um songbook próprio e criou um estilo. Com isso, trouxe sua música para o século XXI, ora ou outra ainda falando de preocupações sociais e políticas. 

Greil Marcus. Fonte: chronicle.com/
Além dos capítulos dedicados as setes músicas em destaque, são elas — Blowin' in the Wind (1962), The Lonesome Death of Hattie Carroll (1964), Ain't Talkin' (2006), The Times They Are A-Changin' (1964), Desolation Row (1965), Jim Jones (1992) e Murder Most Foul (2020) — dezenas de outros temas e artistas são elencados e radiografados por Greil Marcus, engrendrando essas citações com a vida e obra de Dylan "Essa canções antigas são meu léxico e meu livro de orações" , disse o músico em 1997, na época do lançamento de "Time Out of Mind". E aqui fica a dica: enquanto a leitura do livro se desdobra, um dos grandes baratos é ir ouvindo as canções via streaming, conhecendo os personagens citados no livro (meu Spotify ferveu). Entre as histórias contadas e entreçadas à narrativa, linkada à resenha de "Jim Jones" (pra mim um dos grandes momentos do livro), Marcus narra o drama de Karen Dalton "Eu gosto de pessoas, mas prefiro viver sem elas", disse certa vez a cantora. O livro é repleto dessas aberturas, o que traz vidas, cores e muitas camadas para as narrativas, coroando as páginas de "Folk Music | Uma Biografia de Bob Dylan em Sete Canções" (256 páginas) com um verniz poético e biográfico muito amplo.   

Contrariando a letra de "Ain't Talking" em que Dylan (esse mentiroso contumaz) nos diz "I'll burn that bridge before you can cross (Vou derrubar aquela ponte antes que você possa atravessar" — o livro de Greil Marcus nos prova o contrário do que foi dito, pois tudo que Bob faz com sua música é justamente construir imensas pontes que nos levam de volta ao passado e ao não-tempo. Ao embarcarmos nessa viagem sonora somos içados direto para o melhor do folk e da música norte-americana do Século XX, um lugar onde as boas canções ainda sobrevivem, frutificadas direto da Árvore da Vida. E, quando chegamos nesse Éden artístico, multidões nos aguardam.     

Veja a live falando sobre o livro no Canal Pitadas do Sal.       

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