O hiato indeterminado d’ O Terno e a experiência de ir ao último show do trio

| Foto: Ana Kerr |
| Por Romero Carvalho Fotos Ana Kerr |

Após quatro anos, o trio paulista O Terno voltou a se apresentar pelo Brasil e Estados Unidos. Neste momento, o grupo liderado pelo compositor, multi-instrumentista e vocalista Tim Bernardes se prepara para encerrar sua turnê de despedida, que anuncia um hiato por “tempo indeterminado”, com shows no Japão e Portugal. Quem queria se despedir deles no Brasil já teve a sua chance e, ao que tudo indica, terá que esperar por uma eventual volta.  Em agosto, em show que originalmente seria em abril, mas foi adiado por uma enfermidade do baterista Biel Basile, estive presente na apresentação da Banda no Befly Hall, e a sensação foi a melhor possível.

Primeiramente, precisamos contextualizar que O Terno é possivelmente a maior das bandas independentes brasileiras do século XXI. Com apenas quatro álbuns lançados, tocando para quase 5 mil pessoas no Befly Hall, sem jamais ter tido um grande sucesso radiofônico ou algo do tipo, o grupo fez com que todo o local cantasse suas canções a plenos pulmõeFs, mostrando a conexão do repertório com seu  público jovem, que comportava também adultos de várias idades. O som de Guilherme D’Almeida, Tim Bernardes e Biel Basile consegue soar contemporâneo ao mesmo tempo que, para os ouvidos atentos, entorna referências a Beach Boys, Beatles, Kinks, Tim Maia, Jorge Ben, Clube da Esquina e até ao gênio argentino Luis Alberto Spinetta. Tudo junto e misturado. A cozinha da banda de D’Almeida e Biel é precisa e criativa, fazendo as dinâmicas das composições de Tim soarem ainda melhores. E Tim Bernardes é o capítulo a parte.

Foto: Ana Kerr
Nestes quatro anos de ausência d’ O Terno dos palcos, a carreira solo de Tim decolou de vez. Suas redes sociais solo hoje são bem maiores que as da banda e suas composições são disputadas por vários nomes da música brasileira. Ele, que já havia recebido elogios de Milton e Bethânia, chamado por Gal Costa de “meu compositor preferido da nova geração”, lançou dois discos muito elogiados. O filho do músico e compositor Maurício Pereira ganhou prêmios por sua estreia solo no álbum conceitual “Recomeçar”, e consolidou a sua estética no seguinte, “Mil coisas invisíveis”. Se inicialmente a intimidade exposta não cabia no repertório de sua banda, parece que a sua banda agora não cabe na carreira cada vez mais solidificada de Tim Bernardes. Não dá pra ter tudo, mas é lamentável, porque justamente o último álbum d’O Terno, “Atrás/Além”, apresentava um amadurecimento completo do trio, com canções excelentes num dos meus discos brasileiros favoritos deste século.

Foto: Ana Kerr
Por fim, falemos do show em Belo Horizonte, ocorrido no último dia 29 de agosto. Contando com um quarteto de metais, que deixava o som ainda mais interessante, a banda abriu o show com a faixa-título do último álbum, canção que começa de forma lenta, intimista, até explodir no refrão. Essa dinâmica, que me remete às composições da genial cantautora americana Laura Nyro, é uma marca de Tim Bernardes; e isso me trouxe muito medo. Afinal, há momentos de silêncios, pausas, espaços vazios nas canções. Algo quase em extinção na música pop atual. Como seria isso numa casa de show grande, com o público de pé? O resultado foi um alento: as pessoas faziam silêncio!!! Ouvíamos as sutilezas do piano de Tim (aliás, um piano de verdade num palco de rock hoje em dia já é um luxo) e um respeito sonoro às dinâmicas mais cadenciadas das canções de uma maneira que há muito eu não via. Pessoas ouvindo a música e não tratando o show como mais uma balada. Pessoas atentas, sem conversar aos berros como se a música estivesse atrapalhando. Uma maravilha.

Saí do Befly Hall com esperança renovada e a tristeza de termos tão poucas bandas como O Terno em atividade. Grupos (o que por si só está em desuso) que conseguem falar com uma juventude carente de bons sons e ainda deixam os ouvidos dos mais velhos quentinhos com timbragens clássicas (até um pedal fuzz sujo, real e delicioso). Tim Bernardes seguirá voando. Tem muito talento, consegue expressar suas angústias, tristezas e frustrações de forma poética, e possui um charme desajeitado no palco que é cativante. Agradeço à minha amiga Ana Kerr pelo convite para ir com ela ao show e vi em suas reações emocionadas a cada canção executada que o legado da banda em sua curta trajetória vai permanecer por um bom tempo. Ainda que, infelizmente, longe do mainstream. Quando Tim cantar novamente “recuperando as memórias do que eu fiz / no tempo junto ao seu lado, fui feliz / quem sabe um dia eu te encontro por aí / será que ainda vai lembrar de mim?”, a resposta está clara. 

Foto: Ana Kerr


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