Review: Dias Perfeitos, de Win Wenders.


| Por Márcio Grings |

Falar sobre Win Wenders é rasgar seda sobre um dos meus diretores favoritos. Até quando o cineasta alemão erra a mão, como em “Estrela Solitária” (2005), eu consigo encontrar algo que me captura. O autor de “Paris, Texas” (1984) e “Asas do Desejo” (1984) — dois filmes que me forjaram como amante do cinema — lançou em 2023 “Dias Perfeitos”, elogiada produção nipo-germânica que vem conquistando público e crítica.

Wenders, que escreveu o longa com Takuma Takasaki, foi inspirado por uma visita ao Tokyo Toilet Project, uma engenhosidade que revela a excelência estética dos banheiros públicos na capital japonesa. Em vez de criar um documentário, o cineasta alemão partiu para a ficção. 

O filme traz Kōji Yakusho (ganhador da Palma de Ouro em Cannes) no papel de Hirayama, o perfeccionista limpador de banheiros. Uma das frases mais célebres de Tom Waits faz todo o sentido para o protagonista do filme: “A maneira que você faz uma coisa é a forma que você faz todas as coisas". 

Hirayama aborda sua atividade com o mesmo cuidado e detalhismo que dedica as plantas que cultiva em sua casa. Solitário, ele segue uma rotina tranquila, começando cada dia com um café na máquina de venda automática; dirigindo para o trabalho ouvindo música; saboreando um sanduíche ao meio-dia em um parque verdejante, onde fotografa as copas das árvores  e aprecia o komorebi (palavra em japonês que define a luz do sol filtrada pelas árvores). 

Divulgação
Nos dias de folga, leva a roupa suja para lavar, revela as fotos das árvores, passeia de bicicleta e frequenta um restaurante onde alimenta um amor platônico pela proprietária, que no fim da noite sai de trás do balcão para cantar uma versão em japonês de “The House of Rising Sun”.

Em sua casa, minimalista e desprovida de luxo, um biblioteca circunda a cama onde dorme. Enquanto a trama se passa, Hirayama lê livros de William Falkner, Aya Coda e Patricia Highsmith. O filme, que homenageia em seu título a canção homônima de Lou Reed, traz ainda clássicos de Pati Smith, Otis Redding, Rolling Stones, Kinks, Animals, Nina Simone, The Velvet Undergroud, entre outras, temas que Hirayama ouve no antiquado toca-fitas do seu carro. “Que lugar é esse”, diz o homem a sua sobrinha quando a menina pergunta se Van Morrison está disponível no Spotify. 

“Dias perfeitos” não é um filme feito para aqueles que procuram efeitos especiais, pirotecnias ou receitas sedutoras de uma vida colorida e instamagrada. Hirayama sonha seus komorebis em preto e branco, sente-se confortável com sua rotina e nos convida a encontrar prazer no exercício da repetição cotidiana, apontando seu olhar para as minúcias e para a beleza invisível que nos cerca. Ao sair da sessão, é impossível não refletirmos sobre muitas coisas, imaginando que o solitário limpador de banheiros tem muito a nos ensinar sobre a vida.

Indicado a Melhor Filme Internacional no Oscar® 2024, "Dias Perfeitos" é um lançamento MUBI, em parceria com a O2 Play.

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