Humberto Gessinger e o fenômeno invisível

| Fotos: Romero Carvalho |
| Por Romero Carvalho |

A Arena Hall, com capacidade para 5 mil pessoas, voltou à ativa em Belo Horizonte, recebendo nesta última sexta-feira (1º), Humberto Gessinger e seu trio, composto por Felipe Rotta (guitarras) e Rafa Bisogno (bateria e bumbo leguero), com ingressos esgotados, para o novo show de lançamento do disco “4 Cantos de um mundo redondo” (2023).

Vale destacar que não havia nenhuma publicidade para o show do artista gaúcho, nem sequer um cartaz no próprio Arena Hall, que já exibe publicidade de eventos que acontecerão no final de janeiro. Caetano Veloso também fez show no mesmo local no sábado, dia 2, mas seus cartazes estavam espalhados por toda a cidade, promoção em rádios e ingressos sendo sorteados.  No show do Humberto, a casa lotada cantava, como é de costume, a plenos pulmões todo o repertório. Até as músicas do novo disco, que foi lançado há poucos meses, eram entoadas por uma grande parte da plateia.

Como isso é possível? Um artista que está “longe demais das capitais”, dá pouquíssimas entrevistas, não faz lives, não é amigo da Paula Lavigne, não tem bênção explícita de medalhões, não teve baladas gravadas pela Gal, é muitas vezes detonado pela crítica, não é de uma simpatia expansiva e avassaladora, é tímido, pouco sociável e mantém um grande público fiel, que se importa com seus novos lançamentos, esgota ingressos com imensa antecedência, compra discos, celebra seus trabalhos recentes e faz seus álbuns antigos serem cada vez mais valorizados nos Mercados Livres e lojas de vinis ao redor do país... Como?

Um parêntesis. Em 2022, eu me reconectei definitivamente com a obra do Humberto. E foi como olhar um romance do passado e descobrir que as coisas ali eram até mais interessantes do que eu poderia imaginar na adolescência. As dualidades postas, a dificuldade em ser obrigado a tomar posições em circunstâncias complexas, a solidão da estrada, a caminhada contra a opinião de quem pouco lhe conhece e o apoio de quem lhe compreende, o encontro com um amor definitivo, a filha que nasce e muda o cenário... Tudo isso me soa hoje muito mais relevante do que há 30 anos. E tudo está em suas canções, que de fato precisam de uma certa hermenêutica para serem captadas dessa maneira. Mas vale a pena. Porém, a reconexão veio por meio da minha esposa. Desde sempre com ela, e lá se vão 15 anos, mostrei músicas desse meu antigo relacionamento com a obra do Humberto. Ela não tinha qualquer relação anterior e demonstrava uma receptividade. Às vezes, ela destacava elementos que eu nunca havia percebido e me fazia reavaliar algumas críticas — muitas influenciadas pela “crítica” — que eu tinha desenvolvido. No ano passado, ela se tornou uma fã da obra dele e aquilo foi como uma lufada de ar pra mim naquele conjunto de canções. Não havia nela memória afetiva ou preferência por alguma formação dos Engenheiros do Hawaii ou algo assim. Não havia sequer uma relação com os Engenheiros em si. E isso, acredite, explica muito do sucesso do Humberto.


Tanto nos shows em teatros de 2022 quanto neste, no Arena Hall, em 2023, as canções se conectam numa velocidade cósmica com o público. Humberto toca seus vários instrumentos e canta com muita competência, muito bem acompanhado. Às vezes exagera nos teclados e pedais, segue a risca seu roteiro e já entra com o jogo ganho. É um tipo raro de artista que trilha uma caminhada autoral, que cativa novos ouvintes, se renova e se mantém sem estardalhaço midiático. Aliás, ele hoje exalta que jamais quer a exposição que já teve um dia e que atualmente tem o tamanho que deve ter. Mas acredito que ele se subestima um pouco. Porque não é e nunca foi simples lotar uma casa com cinco mil pessoas sem propaganda massiva. Ou esgotar os ingressos do Palácio das Artes com cinco meses de antecedência, como em 2022. Eu vi cambista tentando comprar ingresso na porta. Raro.

Humberto é uma figura difícil. Raramente dá entrevistas, promove pouco o seu trabalho e nunca aparece opinando sobre tudo. E, talvez por isso, construiu com autenticidade uma linguagem própria em suas canções, que ganham uma força imensa no coro do público. Não é algo simplesmente para fazer sucesso, mas uma forma genuína de se expressar artisticamente. Essa autenticidade a que me refiro gera longevidade.


Na sexta, foi muito legal ver novamente que as canções do Humberto de sua safra recente, tantos dos discos solo quanto dos últimos como Engenheiros do Hawaii, são até mais celebradas que os clássicos iniciais. Não espere um público de adultos saudosistas dos anos 1980, como é super comum na imensa maioria de shows de bandas de rock brasileiro dessa safra. Há pessoas de todas as idades, sobretudo que começaram a acompanhá-lo de 2000 pra cá, e uma maioria de mulheres. Humberto poderia fazer um show só com lados B que não teria erro. E isso é pra muito pouca gente.

Gostando ou não do trabalho do Alemão, qualquer um pode reconhecer uma imensa identidade nele. Aliás, como sempre comento com Márcio Grings (titular deste site) , há mais MPG hoje que rock gaúcho. E há um pouco de tudo, porque a linguagem ali é própria demais. Há quem seja indiferente. Há quem não suporte. E há quem cante da primeira à última música do show e pede bis mesmo com as luzes já acesas. Não dá pra negar o fenômeno raro. Já eu entendi que, nesta “infinita highway”, “eu não vim até aqui pra desistir agora”. 

Setlist Humberto Gessinger Trio | Arena Hall, Belo Horizonte — 1°/12/23

A Montanha

Terceira do Plural 

Partiu 

A Revolta dos Dândis 

No Delta dos Rios 

3x4

Dom Quixote 

Somos Quem Podemos Ser

De Fé 

Toxina 

Brinde 

Fevereiro 13

Terra de Gigantes

Refrão de Bolero 

Piano Bar

Pra ser sincero 

O Preço 

Espanto 

Eu que não amo você

Armas químicas e poemas

Infinita Highway 

Até o Fim 

____________

Bis 

Alívio Imediato 

Nau a Deriva 

Toda forma de poder 

Comentários