Review: The Beatles "Now and Then"

| Divulgação Beatles |
| Por Márcio Grings |

Cada vez mais aprendo a celebrar a vida. E até mesmo a vida após a morte. Sim, existe algo além da existência terrena. "Now and Then" é a prova disso, pois simboliza a vitória da arte frente a brevidade da vida. Poucos meses antes de morrer, John Lennon gravou uma canção no piano de sua casa em Nova York.  "Free as a Bird" e "Real Love", canções que ouvimos na série "Anthology" dos Beatles, vieram desse mesmo período. "Now and Then" tinha problemas técnicos e, por isso, ficou de fora daquela trinca de discos lançados em meados da década de 1990. Se na época a música não ganhou vida oficialmente, devido à limitações tecnológicas, quase 30 anos depois, o tema surge triunfal para um momento solo em três atos: single, minidoc e videoclipe. 

Veja o audiovisual produzido por Peter Jackson. 


O fato é que o mesmo homem que nos deu um documentário monumental sobre os Beatles — Get Back" (2021) —, o cineasta Peter Jackson, através da inteligência artificial conseguiu separar a voz e o piano de Lennon no cassete demo original. Assim, esse pó de pirlimpimpim deflagrou a mágica. Na música que ouvimos agora, além da atuação de John, temos Paul (vozes, baixo, lap steel guitarra, piano, cravo e percussão), George (vozes de apoio, violão e guitarra) e Ringo (bateria e percussão), ou seja — formação completa do Fab4. Ouvimos ainda uma orquestra com 15 integrantes indo e vindo na música. Os arranjos de cordas são de Paul McCartney, Giles Martin (filho do produtor dos Beatles, George Martin) e Ben Foster, com produção de Paul McCartney e Giles Martin, que utilizaram bases do trabalho feito por Jeff Lynne, ainda durante o projeto Anthology. O resultado de tudo isso traduz uma melodia simples e cristalina como um diamante raro. O acabamento plástico é ambíguo, soa antigo e moderno, uma dualidade que não me incomoda, pelo contrário: empresta um frescor genuíno, o que nos dá a impressão de que a música foi gravada ainda ontem, lá no Abbey Road Studios.  

Veja o minidoc dirigido por Oliver Murray.

 

Confira a letra escrita por John: "I know it's true/ It's all because of you/ And if I make it through / It's all because of you. And now and then/ If we must start again/ Well, we will know for sure/ That I will love you. Now and then I miss you/ Oh, now and then/ I want you to be there for me/ Always to return to me. I know it's true/ It's all because of you/ And if you go away/ I know you'll never stay".

Em tradução livre (usando 'vocês' ao invés de 'você" em 'you', indo no embalo do clipe, como canto do cisne dos Beatles): Eu sei que é verdade/ É tudo por causa de vocês/ E se eu resistir/ É tudo por causa de vocês. E de vez em quando/ Se tivermos que recomeçar/ Bem, nós saberemos com certeza/ De como eu amarei a todos. E de vez em quando eu sinto falta de vocês/ De vez em quando/ Quero que estejam lá por mim/ Que sempre retornem pra mim/ Eu sei que é verdade/ É tudo por causa de vocês/ Se vocês tiverem que ir embora/ Eu sei, vocês não irão ficar muito tempo longe de mim.

"Now and Then" tem a digital das canções escritas por John Lennon, mas com um blend beatle, graças as intervenções de Paul, George e Ringo. É importante relembrarmos vários cuidados que foram tomados durante o percurso dessa composição, iniciado há 44 anos. Em todos os momentos em que a música foi retrabalhada (nos anos 1990 e mais recentemente), os Beatles reuniram seu time oficial, buscaram ser coerentes na montagem da colcha de retalhos, utilizaram esboços e arranjos desenhados preliminarmente, desistiram e retornaram a ela, sempre no intuito de consagrá-la como uma obra que não destoasse do fabulário do grupo. 

Ouvi críticas sobre o arranjo de cordas. Ouvi versões piratas que trazem pedaços extirpados da música (o que segundos muitos, a tornam melhor, o que discordo). Ouvi relatos sobre fãs que ficaram decepcionados ou simplesmente não se emocionaram com "Now and Then". Alguém me disse que provavelmente John não aprovaria os arranjos de cordas. O que posso dizer? Eu estou ao lado daqueles que se emocionaram, que choraram ao ouvi-la, que se declaram privilegiados em viver esse momento em 2023, mais de cinco décadas depois do grupo deixar de existir. Se os Rolling Stones fizeram "Hackney Diamonds", melhor álbum lançado em 2023, os Beatles precisaram de apenas uma canção (só uma!) para causar um tsunami. E como não celebrar um final de ano com canções dos Beatles e Stones soando novinhas em folha? 

Rock is dead? Que nada! Sinto muito aos que o julgavam morto e enterrado, o rock and roll continua fazendo barulho e nos dando sopros de ar puro em meio a essa vida estúpida repleta de desvarios. Como nos diz o Thin Lizzy em "The Boys Are Back In Town" — nossos heróis estão de volta! E convenhamos, estávamos morrendo de saudade. 

Foto: Divulgação

Comentários

  1. Demais, como sempre! Preferia ter tido contato com a música junto com o clipe. Assim como em Free As A Bird. Minha conexão foi maior dessa forma e realmente me emocionei muito! Vida longa ao rock! Vi Stones, Viva Beatles! Que bom estar presenciando esses momentos cada vez mais raros na música!

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  2. Simplesmente: Márcio Grings, você é o melhor crítico de música. Sabe o porquê? Bem, o som bate no seu peito. Assim, acredite, depois de ouvir o que você diz sempre é necessário corrigir emoções. Muito obrigado!

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  3. Sensacional!!

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