Legado floydiano, “team Roger” e um espetáculo difícil de esquecer

Fotos: arquivo pessoal RC
| Por Romero Carvalho |

Sempre fui “um garoto que amava os Beatles” e o Pink Floyd. Mas devo confessar: se existe entre os pinkfloydmaníacos o “team Gilmour” e o “team Waters”, eu sempre estive no primeiro. Conecto-me facilmente com a grande maioria dos poucos discos solo do guitarrista e com os álbuns do Pink Floyd sem o Roger, que penso que envelheceram muito bem. Ao mesmo tempo, nunca escondi a minha dificuldade com a obra solo de Waters, incluindo aí o “The Final Cut”. Apesar das letras serem quase sempre sensacionais, o que é um talento soberbo do baixista, a repetição de fórmulas e a extensão do que me soa como uma longa egotrip me fazem deixar de lado uma busca por material inédito de um dos maiores artistas de todos os tempos. Para piorar, a versão minimalista de Waters para o lendário “The Dark Side of The Moon” foi uma imensa decepção, o que deu uma esfriada prévia na minha expectativa para sua última turnê, “This is not a drill”. Dito tudo isso, agora afirmo: que show absurdamente extraordinário, perfeito, épico, forte e intenso que pude presenciar nesta última quarta, dia 8 de novembro, no Mineirão!

Fotos: arquivo pessoal RC

O espetáculo tem uma força narrativa que poucas vezes vi, amarrando canções e mensagens de forma sublime, em um som impecável – disparado o melhor que já presencial em um show deste porte – e uma produção visual soberba, que honra e expande o legado do Pink Floyd neste quesito, algo que a banda sempre primou e inovou. As imagens no telão, os balões gigantes, a filmagem do show e as luzes são tão conectadas com a música que emociona e deslumbra. O esforço do espetáculo em se comunicar com uma plateia que majoritariamente não fala inglês também é louvável. Ao final, o show é uma imensa declaração anti-guerra; fortemente contra um sistema que tem por essência explorar, subjugar, dominar e matar. Claro que tudo é possível porque o conjunto de canções é soberbo e perfeitamente executado. Roger está muito bem acompanhado e chega a repetir fielmente arranjos de sua antiga banda. E ele, aos 80 anos, está esbanjando energia, entregando-se em suas letras viscerais. O seu melhor está no palco.

Fotos: arquivo pessoal RC

Os sets são perfeitos. Abre com o pé na porta com canções do “The Wall”, seguidas de “The Powers that be”, do fraco álbum solo “Radio KAOS”, de 1987. Porém, a canção ao vivo fica gigantesca e forte, assim como “The Bravery of Being out of range”, do disco “Amused to death”, de 1992, que é bastante melhor que o anterior. O show segue com uma homenagem comovente a Syd Barrett, com três canções do espetacular álbum “Wish you were here” e encerra sua primeira parte com “Sheep”, do “Animals”. Se nas imagens do telão David Gilmour está complemente ausente, seu trabalho se mantém intacto, pois os arranjos e solos de guitarra são minuciosamente executados da mesma forma que saíram das mãos do ex-parceiro de Roger na década de 1970.

Após um intervalo, o show retorna épico com mais arco de “The Wall” e uma sequência com canções do melhor álbum solo de Roger Waters, o ótimo “Is this the life we really want?”. A mensagem anti-fascista estava dada e o magistral lado B do “Dark Side of the moon” chega completo, executado com perfeição de arranjos, vocais e pirotecnia. Um final épico avassalador. Mas Roger preferiu não entregar um desfecho feliz e esperançoso, encerrando de forma anticlimática, paradoxalmente linda e soturna, com “Two suns in the sunset”, do “Final Cut”. O final apocalíptico é quebrado por um epílogo, com a canção “Outside the wall”. Se Roger e o Pink Floyd se notabilizaram por produzir álbuns coesos e não singles isolados de sucesso, o show consegue trazer essa essência de forma orgânica e fluída. 

Saí extasiado do Mineirão ao lado do meu filho mais velho, Lucas, de 21 anos, que passou a tocar guitarra por conta do Pink Floyd. Como eu, também é do “team Gilmour” e estava igualmente embasbacado com o espetáculo proporcionado pelo baixista, cantor e compositor que foi uma indubitável força motriz do Pink Floyd. Na saída, nos encontramos com um dos sujeitos que me apresentou o som da banda inglesa. Marco Antônio, o Kin, e seus irmãos fizeram isso comigo quando eu tinha apenas sete anos. Não tem volta. Ele estava ainda em transe e não consegui agradecer ao final de tudo, mas faço agora: muito obrigado! E Roger: momentaneamente, estarei no seu time. Por favor, me aceite.    

Lucas e Romero no show de Roger Waters em BH. Fotos: arquivo pessoal RC

Comentários

  1. Belo texto Romero e que privilégio estar acompanhado pelo filho,muito massa! Humm... Também sou do "team Gilmour". Rsrs. Abraço.

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  2. Faço minhas suas palavras, foi emocionante, foi épico. E como é bom vê-lo ali, alegre cheio de energia. Sou grato, muito grato, jamais esquecerei.

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  3. Não fui no show mas adorei seu texto. Me fez ter vontade de ter ido!👏👏👏👏

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  4. Maravilhosa crõnica, Parabéns Romero , sou apaixonada pelo Pink Floyd, meu filho Bernardo foi, ficou impressionado com tanta beleza musical👏👏👏👏👏👏👏

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  5. Romero, você não me conhece, mas eu tive a honra de conhecer seu trabalho através da Dra. Fátima. E adoro. Não fui ao show. Mas lendo sua bela crônica, foi como ter ido. Pude sentir toda a emoção de um perfeito roqueiro. Nem sei se isso existe 😀 Obrigada pela crônica. Sou agora uma fã do Roger! ANTONIETA SHIRLENE (recém fã do Roger) Abraços!

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  6. Romero, você não me conhece mas sua mãe sim. Parece música 🎸😀 Adorei a sua crônica. Não fui ao show. Mas foi como tivesse ido.Senti na pele toda energia(parece música 🎸 também 😀)ao ler como você "percebeu"o show. Acabei de ficar fã do Roger! E você é o culpado! Obrigada!
    ANTONIETA SHIRLENE

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  7. Haribol meu amigo. Grato por essa crônica surpreendente. Hare Krishna.

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  8. Que crônica deliciosa de se ler, acabei me sentindo no show tambem, pena nao poder ter ido. Bom que tivemos o Kim em nossas vidas pra apresentar o Pink Floyd

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  9. Romero que crônica deliciosa, uma pena que não pude ir, lendo a sua cronica percebi o êxtase que vocês estavam, me seti um pouco la tbm, que bom que nosso irmao nos apresentou o Pink Floyd.

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