R.I.P. David Crosby ♡ 🕊

Foto: Scott Dudelson
| Por Márcio Grings |

TAKE THE MONEY AND RUNDavid Crosby partiu para seu tour nas estrelas a bordo de um navio amadeirado. Eu sempre o vi como um dos rostos mais marcantes dos anos 1960, símbolo de transgressão e coragem. O álbum de estreia de Crosby, Stills & Nash é um dos discos que mais ouvi na vida, uma porrada melódico/acústica com o poder de uma bomba. Se existe um Criador de todas as coisas, uma deidade sensível à arte, é essa a música que Ele ouve no café da manhã. 

Falei várias vezes aos mais próximos — se tivesse que escolher apenas um LP —, esse era o play que colocaria na mochila. Afinal, é o som que me forjou como amante do folk rock, que materializa as cores do meu quintal, que me tornou parte de quem ainda eu sou hoje. Antes desse disco, Crosby já era um gigante com os Byrds e, logo depois, faria uma estreia magistral em seu primeiro álbum solo, lambendo as feridas e mordendo a bala antes do projétil atingir seu peito. 

Contraditório, reacionário/armamentista, revolucionário, um cavaleiro templário do folk, ídolo dos ídolos, a morsa, o fanfarrão, o fora-da-lei, voz das vozes, fumador de erva, iluminado e obscuro, Deus e o diabo, humano falível e super-homem inatingível.  Tio treteiro do Twitter — o contador de histórias — sempre próximo, sussurrando no meu ouvido, com a voz de Nash cantando em harmonia, pois ainda estou encantado por todas aquelas epifanias de PAZ E AMOR.

"Nós somos poeira de estrelas/ (...) E como tal devemos retornar ao jardim" — Joni Mitchell em "Woodstock", música gravada pelo CSNY em "Déjà vu" (1970). 

 
REMEMBER MY NAME

Dirigido por A.J. Eaton, "David Crosby: Remember My Name" (2019) é um dos documentários mais realistas e impactantes sobre um astro da música ligado ao rock. Filmado em 2017, Crosby abre o coração numa sinceridade comovente. A saúde frágil já o afligia: "Tenho oito stents no coração, tive hepatite C, fiz transplante de fígado e sou diabético". A mortalidade não apenas o assustava, certamente o fazia refletir sobre todos os aspectos de sua vida: "Tenho medo de morrer e estou próximo disso acontecer. Não me agrada", disse o músico ao jornalista e cineasta Cameron Crowe,  diretor de "Almost Famous" (2000), e a voz do entrevistador que ouvimos no filme. "'Eu sou o cara do Crosby Stills Nash & Young que não teve sucesso", decreta a Crowe. 

Veja o trailer.

Membro formador do The Byrds, integrante de um dos primeiros supergrupos da música, o trio Crosby, Stills & Nash (depois & Young), David viveu uma vida de excessos e transgressões. Ele mostra arrependimentos constantes durante o documentário, referentes ao excesso das inúmeras drogas que usou, das mulheres/parceiras que viciou e do temperamento agressivo que acabou afugentando os seus amigos e parceiros musicais. "Nenhum deles mais fala comigo, todos me odeiam", afirma. "Remember My Name" explora traços de sua vida pessoal e do relacionamento com Joni Mitchell (que depois namorou Nash) e desdobra os acontecimentos da morte trágica de Cristine Hilton, sua namorada e principal fonte inspiradora de "If I Could Only Remember My Name", álbum solo de estreia lançado em 1971.

Foto: Ana Webber
Eaton explora ainda os meandros criativos de sua carreira, mostrando que muitas vezes aos trancos e barrancos, envolto em tantas confusões, David Crosby encontrou respeito e reconhecimento pela sua trajetória artística. O músico foi preso em 1985 por posse de drogas, armas e munição, sendo novamente preso — pela mesma transgressão — em 2004. Algumas das cenas mais impactantes do documentário estão nas impactantes imagens de sua prisão ou na sensação de vazio que ele sente em ter afastado os amigos que a música lhe deu. Nos último anos, David Crosby se reencontrou como compositor, montou uma nova banda e gravou cinco álbuns em apenas nove anos (ele havia lançado apenas três até 1994), num renascimento artístico que certamente lhe deu o gás nos seus derradeiros anos de vida. 

OS PARCEIROS MUSICAIS FALAM DE SUA MORTE  

Nas redes socais, velhos companheiros de trincheira se manifestaram: 

Foto: RS (reprodução / Twitter)
"David era tão complicado quanto as melodias intrincadas que ele criou", disse Graham Nash. "Sei que as pessoas tendem a se concentrar em como nosso relacionamento certas vezes volátil, mas o que sempre importou para nós mais do que tudo foi a pura alegria da música que criamos juntos, o som que descobrimos juntos e a profunda amizade que compartilhamos. David era destemido na vida e na música. Ele deixa para trás um enorme vazio no que diz respeito a sua personalidade e talento. Por meio de tantas criações, ele expressou suas visões, revelou seu coração e suas paixões, nos deixando um legado incrível. Estas são as coisas que mais importam. Meu coração está com sua esposa, Jan, seu filho, Django, e todas as pessoas que ele tocou neste mundo"

“Li algo sobre a 9ª sinfonia de Mahler — interpretada pela Orquestra de San Francisco —  um texto escrito pelo crítico musical Mark Swed que me levou até esse momento: 'A morte, em plácidas patas de gato, entrou na sala'. Eu deveria saber que algo estava acontecendo. David e eu batemos muito a cabeça um no outro, mas na maioria das vezes foram golpes de raspão, mesmo assim nossos ficaram crânios dormentes. Eu estava feliz por ter me pacificado com ele. Sem dúvida, David era um músico gigante, e sua sensibilidade harmônica era genial. A cola que mantinha nossas vozes unidas era como se fosse Ícaro em direção ao sol. Estou profundamente triste com sua morte e sentirei demais a ausência dele"
, escreveu Stephen Stills.  

“David se foi, mas sua música continua viva. A alma do CSNY, a voz e a energia de David estavam no coração da nossa banda. Suas ótimas canções representavam o que ele acreditava e era sempre divertido e emocionante quando tocávamos juntos. ‘Almost Cut My Hair’, ‘Déjà vu’ e tantas outras ótimas canções que ele escreveu foram maravilhosas de tocar. Stills e eu nos divertíamos muito enquanto ele nos mantinha tocando. Seu canto com Graham era tão memorável que a dupla deles foi um dos destaques de muitos de nossos shows. Tivemos tantos bons momentos, especialmente nos primeiros anos. Crosby foi um amigo que me apoiou muito no início da minha vida, quando compartilhamos  nossa experiência juntos. David foi o catalisador de muitas coisas. Meu coração está com Jan e Django, sua esposa e filho. Muito amor para vocês. Obrigado David por seu espírito e canções, te amo cara. Lembro-me dos melhores momentos"
, afirmou Neil Young.     

David Crosby, para sempre na minha vida, girando no toca-discos. Ouçam tudo que ele fez como músico, nada é descartável, sua música sempre foi de elevadíssima qualidade. Nos players abaixo, duas seleções: a primeira com sua fase áurea, entre 1965 e 1999 (The Byrds, CSN, CSNY, gravações solo ou ao lado de Graham Nash); e na segunda, de 1989 até 2021, apenas com seus álbuns.  

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