50 anos de Honky Château, de Elton John

| Divulgação |
| Por Márcio Grings |

O quinto LP de Elton John detém rupturas, afirmações e confirmações, e apresenta um artista rumo ao topo da música pop do seu tempo. "Honky Château" foi gravado no lendário Château d'Hérouville, um castelo próximo ao local onde Vincent Van Gogh pintou o quadro "Trigal com Corvos". A edificação, situada a quarenta quilômetros de Paris, inspirou Honoré de Balzac num trecho do livro "Modesta Mignon", além de ser utilizado como um dos refúgios do casal formado pelo músico polonês Frédéric Chopin e pela escritora francesa George Sand. Elton John gravaria ainda mais dois discos no local, que também foi utilizado por artistas/ bandas como Grateful Dead, Jethro Tull, Sweet, Big Star, David Bowie, Pink Floyd, Cat Stevens, entre tantos outros.

Veja a live sobre os 50 anos de "Honky Château".  

Esse pequeno recorte sobre a ambiência de onde "Honk Château" nasceu é necessário para entendermos peculiaridades e a natureza dessa criação. Orientado pelos seus contadores, Elton fugiu do fisco inglês (assim como os Stones fizeram no mesmo ano) e assim resolveu compor e gravar na França. Anos antes, Bob Dylan e The Band haviam feito o mesmo, inaugurando a era das casas transformadas em estúdios. 

As gravações começaram em janeiro de 1972, já com o guitarrista Davey Johnstone (Magna Carta) efetivado como integrante da banda de Elton. Completam o núcleo principal, Dee Murray (baixo) e Nigel Olson (bateria). Bernie Taupin também estava lá, pois a ideia era compor as canções no Château, sentindo a vibe do local e construindo o álbum nas semanas que o grupo ficaria por lá. Essa seria a primeira vez que Elton John  não usaria orquestrações no contexto de um álbum, algo que já era uma de suas marcas registradas em LPs anteriores. Após as gravações iniciais, 17 músicos ao todo tocariam nas sessões, em gravações e overdubs posteriores.

Apenas duas canções estavam prontas antes do início, mas outras nove logo surgiriam nessa imersão. Uma delas, "Rocket Man", segundo Gus Dudgeon, nasceria no intervalo de apenas uma hora. Elton usava um piano Steinway que ficava debaixo de um lustre sp século XIII, tendo ao seu lado, na janela, a bela paisagem rural que circundava a casa. "Honky Château" é o álbum que definitivamente colocaria o músico inglês no alto do pódio nos anos 1970. A partir deste álbum, ele rumaria direto para a estratosfera, graças principalmente a "Rocket Man", o grande hit do álbum. 1973 seria um dos anos mais vencedores de sua carreira, mas foi em 1972 que o mundo se abriu para a música de Elton John.

"Honky Château" está uma escala acima de "Don't Shoot Me I'm Only the Piano Player" (1973), seu sucessor, e não faz feio frente a "Goodbye Yellow Brick Road" (1973), um dos maiores clássicos dos anos setenta, mas acima de tudo, é no álbum de 1972 que ele finalmente pavimenta seu nome como um dos maiores não só daquele período, mas do pop rock em todos os tempos. 

Lado A

HONK CAT 

Piano New Orleans pela versão e pelo suingue contagiante de Eltinho. Naipe de metais que assina ainda mais essa credencial e ligação. A letra fala dos sujeitos vindos do interior que tentam ganhar a vida na cidade grande, lembrando que esse bicho do mato que vive na música é a cara de Bernie Taupin, o sujeito ingênuo nascido no campo seduzido pelos encantos da cidade.

"Eles dizem, caia fora bicho do mato/ É melhor voltar para o fundo da grota/ Só que temos um problema: desisti daquela vida e do meu jeito caipira/ E, a mudança vai me fazer bem".

"Honky Cat" é a canção perfeita para abrir o Lado A, é pujante, mostra a confiança do cantor e dá as tintas do alto astral de algumas canções do álbum. Se algumas vezes relembramos os grandes riffs de guitarra, coloque a abertura de "Honky Château" entre os pianos mais característicos e marcantes como pianista. 

MELLOW 

Um tema que fala de um amor que amadurece aos poucos, de um homem e uma mulher aprendendo a viver como um casal. E quando ela vai dar uma volta pelas lojas da cidade, ele pede pra ela não esquecer de trazer a cerveja, que de alguma forma "os ajuda a amadurecer". Jean-Luc Ponty toca o fantasmagórico violino que ouvimos no solo (soando quase como uma guitarra num amp valvulado). Puro Elton John Sound, com os vocais de apoio de Davey, Dee e Nigel imprimindo uma das novas marcas registradas das músicas, e uma digital mantida com êxito nas apresentações ao vivo. 

I THINK I'M GOING TO KILL MYSELF

O título fatalista coloca o protagonista como um adolescente que dá um tiro em si mesmo. A letra suicida, em tom de perigosa pilheria, traz a participação do sapateador de Legs Larry Smith, integrante da Bonzo DogDoo-Dah Band. Essa tiração de sarro em clima de honk tonk, nos leva de volta a New Orleans e ao clima dos cabarés. 

SUSIE (DRAMAS)

Aqui o rock and roll finalmente dá as caras do álbum. Mas também há uma vibe ao estilo de Allen Toussaint, com um show particular da bateria de Nigel Olson. 

ROCKET MAN

“Rocket Man” é principal highlight do álbum, alcançou o top 10 em ambos os lados do Atlântico e foi inspirada no avistamento de uma estrela cadente por Taupin. A letra descreve os sentimentos confusos de um astronauta ao deixar sua família no intuito de completar sua missão, em que também podemos fazer uma alegoria com a iminente fama de Elton e seu letrista. A música possui texturas atmosféricas incríveis, uma assinatura do produtor Gus Dudgeon. Aqui, novamente as harmonias vocais de Davey,  Dee e Nigel carimbam o DNA da música. "Rocket Man" foi tão importante para a carreira de Elton que em 2013 ele fez um tour chamado "40th Anniversary of the Rocket Man", uma celebração ao seu som feito nos anos 1970, e principalmente a uma das músicas que mudou sua vida para sempre. 


Lado B

SALVATION

"Salvation" tem a cara dos anos 1970, com direito a coro gospel e toda a climática daquele período. A mensagem da letra fala de compaixão e caridade:

"Meus amigos/ A estrada é longa/ E se vamos chegar ao fim/  Precisaremos de uma mão amiga/ Estamos procurando uma luz/ E, ao longe uma vela queima/ A salvação está em saciar as crianças famintas".

SLAVE

Aqui o country surge triunfante, com direito a pedal steel e um vocal americanizado (algo que Elton foi frequentemente criticado). Mas essa vibração de Nashville cai muito bem no andamento do disco.

AMY

Estamos de volta New Orleans, num clima ao estilo de Dr. John ou de Leon Russel. Jean-Luc Ponty novamente está no solo com seu violino elétrico. A letra fala de um home subjugado aos encantos de uma mulher fatal:

"Se quiser, pode pisar no meu rosto se quiser, mocinha/ Caso julgue necessário, me vire do avesso/ Mas não me tire de sua lista/ Eu sou jovem e nunca fui beijado por uma moça chamada Amy".  

MONA LISA AND MAD MATTERS

“Mona Lisas and Mad Hatters” é uma balada elegante que olha para a cidade de Nova York do ponto de vista da rua, da calçada, do caminhante que olha para os prédios como se fossem dinossauros. Usando instrumentação mínima, mas alcançando uma melodia invejável e um movimento dramático apenas com piano, bandolim e os vocais, eis uma perfeita ilustração das habilidades da dupla John/Taupin, . Segundo Bernie, a música foi escrita após sua primeira visita a Nova York, em 1970, quando do hotel eles ouviram tiros da polícia local durante um enfretamento com delinquentes. Ainda segundo o letrista: "Se adaptar a Big Apple foi uma experiência terrível". Na manhã seguinte ele escreveu a letra da música que parecia desprezar a beleza de uma das maiores metrópoles do mundo. 

“E agora eu sei/  Spanish Harlem não são palavras bonitas de pronunciar/ Eu achava que sabia/ Mas agora eu sei que as roseiras não crescem na cidade de New York". 

Esse trecho especifico de “Mona Lisas and Mad Hatters” cita "Spanish Harlem", canção gravada por Ben E. King em 1960, escrita  por Jerry Leiber e Phil Spector (como bem lembrado por Romero Carvalho na live do Pitadas). Se dissecarmos a letra, fica claro que não se trata de uma crítica, é uma canção sobre estar morrendo de medo de Nova York, subjugado pelo o que o poeta via, enormes arranha-céus que bloqueavam toda a luz. Era também uma visão de um garoto do campo tentando entender as novas circunstancias da vida, um tema ao qual ele voltaria muitas vezes. “Mona Lisas and Mad Hatters” foi usada no filme "Quase Famosos" em uma das cenas finais, justamente na cidade de Nova York, ampliando a solidão da personagem de Penny Lane (Kate Hudson) e a desilusão do jornalista novato Wiliam Miller (Patric Fugitt).

Vê-la (ouvi-la) ao vivo em 2013 no Estádio do Zequinha em Porto Alegre foi um dos momentos mais emocionantes dos dois shows que vi de Elton. Leia a resenha AQUI (com fotos de Fábio Codevilla).     HERCULES

O álbum encerra "Honky Château" no alto astral de uma fábula, quase que voltando ao início, resgatando a lembrança de "Honky Cat". A letra parece ser baseada na velha piada sobre o covarde que leva um chute de areia em seu rosto na praia por um homem musculoso, que acaba levando a namorada do fracote. Nascido Reginald Kenneth Dwight, na música, incialmente adotou o nome de Elton Dean. Tempos depois mudou legalmente seu nome para Elton Hercules John, logo após o lançamento de "Honky Château", em 11 de junho de 1972. 

O segundo verso de "Hercules" diz:

"Eu gosto de mulheres e de vinho"

Eram tempos em que Elton evitava falar sobre sua sexualidade. Um dos grandes equívocos de sua vida ocorreu 12 anos depois, pois após relacionamentos com homens e mulheres, ele se casou em 1984 com a engenheira de som alemã Renate Blauell, mas se divorciaram quatro anos depois. A confirmação da verdadeira inspiração da música foi dada pelo próprio Elton quando, antes de uma apresentação ao vivo em Sydney, Austrália, logo depois de seu casamento — ano em que se casou com Renate  —, ele disse ao público que "Hercules" era sobre seu nome do meio.

Ouça "Honky Château" na íntegra. 

Comentários