REVIEW: GUSTAVO TELLES & OS ESCOLHIDOS — “HOJE, AOS 43”
| Foto da capa: Rodrigo Marroni | |
| Por Márcio Grings |
Compositor, cantor e multi-instrumentista, por mais de uma década Gustavo Telles integrou a Pata de Elefante (2002 a 2013 | 2016/17), período em que circulou de norte a sul do país e ajudou o trio a se tornar uma das expressões do rock instrumental brasileiro. Sua digital está impressa em quatro discos, com trabalhos laureados por importantes premiações, entre elas o VMB da MTV — Melhor Banda Instrumental (2009), e o Açorianos de Música (em duas categorias e edições) — Revelação (2005) e Melhor Disco Instrumental (2011).
Em seu novo álbum, “Hoje, aos 43”, lançado nesta terça-feira (25) nas plataformas de streaming, o compositor traz a passagem do tempo como um dos temas que permeiam uma boa parte das canções, um álbum com o símbolo da maturidade. Usualmente autobiográfico, Telles revela em primeira pessoa seus anseios e frustrações, dilemas comuns a todos nós. Ele fala de sua travessia nos últimos anos, conforta-se na imparável renovação da existência, nos alerta dos extremismos políticos, exalta a capacidade de restauro em nossas vidas, mas sempre pelejando nas vicissitudes dessa trajetória. A narrativa passa pelo retorno à cidade natal do músico, relembra o exílio durante a pandemia, evoca medos e desejos, mas emerge com um fio de esperança no amor, um raio de sol e esperança que ilumina as consequentes reconstruções deflagradas por todo e qualquer imprevisto.
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Gravado no Estúdio Cegonha (Porto Alegre), entre maio de 2021 e julho de 2022, a produção musical de "Hoje, aos 43" é assinada pelo ex-Cascavelletes Luciano Albo (baixo, guitarra,
violão, percussão, vozes e arranjos), com coprodução de Gustavo Telles (bateria, baixo e voz) e Murilo Moura (teclados e voz de apoio). O álbum ainda conta
com participações especiais de King Jim (saxofone e voz), Maurício
Nader (guitarra, percussão e voz de apoio), Rica Sabadini (violão) e Márcio Grings (harmônica). Todas
as canções são de Telles, parte delas compostas em parceria com Luciano Albo,
Luís Armando Guedes, Murilo Moura, Rica Sabadini e King Jim. A foto da capa é de Rodrigo Marroni.
Indo ao cerne de cada canção, a obra apresenta suas credenciais em temas encapsulados com o mais puro DNA das composições de Telles. A capacidade de nos identificarmos com suas narrativas é uma das grandes virtudes de grande parte do conteúdo, assim como as camadas de vozes combinadas entregam ao ouvinte a pura gema dos Escolhidos. Bem no início, já na faixa-título, o compositor traz à tona as alegrias e refuta as dúvidas do retorno ao lar; à busca pelo caminho certo está em "O farol" e, sardônico, ele nos induz à necessária cartilha do recomeço em "Cambaleando foi que reagi": "Enfrentar o que for/ Muita força surge é mesmo da dor/ Cambaleando foi que reagi/ Até firmar meus passos pelo chão/ Buscando uma direção/ Já não posso parar/ na certeza de que vou me encontrar”. A vibração rock'n'soul na cozinha, as guitarras se complementando, afora os fraseados do Hammond como base melódica, são marcas e afirmações do disco.
Ouça "O Farol".
“Na Simplicidade da vida” daria um belo samba, mas não fala de amor ou de temas amenos, pois nos relembra dos radicalismos e extremismos vigentes nos dias de hoje. Por outro lado, pode ser vista como uma balada sessentista — num disfarce jovemguardista, eu diria — arranjo de vozes a lá Beach Boys, com destaque para o solo de guitarra encharcado de filter (por Luciano Albo). E ainda no quesito arranjo de vozes, “Estou no meu lugar” apresenta seu Magnus Opus no minuto final, nessa música escrita em 2005 durante um banho de mar na Guarda do Embaú/ SC, e que só ganhou luz agora. A canção de protesto “Presidente Fascistão” — primeiro single do álbum — joga seu arpão na instabilidade da atual ingerência presidencial. Ao final, a guitarra de Maurício Nader se debate como se fosse uma Moby Dick lutando contra esse ferrolho.
“Feito as águas de um rio” está entre as grandes canções de “Hoje, aos 43”, e utiliza a metáfora da água corrente como mantra de apaziguamento e aceitação, visto que voltar para casa muitas vezes é a coisa certa a ser feita: “Deixo o vento tocar meu rosto/ Não me importo em sentir frio/ Em minhas veias o sangue corre feito as águas de um rio/ Quanto tempo eu estive longe/ Como posso ajudar?/ Foi um chamado/ Eu disse sim, e assim voltei pra lutar”.
Atente para o classicismo do solo bluesy no início da balada “Mesmo assim estamos juntos” (uma das minhas preferidas) — outra guitarra capitaneada por Nader —; assim como o segundo solo, stoneano, feito por Albo, uma amostra da divisão de forças nas seis cordas. A letra proclama o afastamento involuntário imposto pelas circunstâncias e evoca à lembrança de amores incompletos, assim como “Sobre o tempo” reflete sobre semelhantes complexidades. O violão de Rica Sabadini (Conjunto Bluegrass Porto-Alegrense e Alemão Ronaldo) e as vozes de "Lembre-se de mim” flertam com country e os ares pastorais do folk, e, por fim, o alto-astral de “Já te disse que te amo hoje?” traz a irreverência de King Jim (Garotos da Rua, Los 3 Plantados) que, não apenas divide os vocais com Telles (que gravou o baixo neste tema), mas principalmente traz um toque de picardia e da mais pura diversão ao 5º álbum de Gustavo Telles & Os Escolhidos.
"Hoje, aos 43" ganhará lançamento em formato físico em 2023. Confira o tracklist:
“HOJE,
AOS 43”
1 | “Hoje, aos 43” (Gustavo Telles/ Luciano Albo)
2 | “O farol” (Gustavo Telles)
3 | “Cambaleando foi que reagi” (Gustavo Telles)
4 | “Na simplicidade de vida” (Gustavo Telles/ Luciano Albo/ Luís Armando Guedes)
5 | “Estou no meu lugar” (Gustavo Telles/ Luciano Albo)
6 | “Presidente Fascistão” (Gustavo Telles/ Luciano Albo)
7 | “Feito as águas de um rio” (Gustavo Telles)
8 | “Mesmo assim estamos juntos” (Gustavo Telles/ Luciano Albo)
9 | “Sobre o tempo” (Gustavo Telles)
10 | “Lembre-se de mim” (Gustavo Telles/ Rica Sabadini/ Murilo Moura)
11 | “Já te disse que te amo hoje?” (Gustavo Telles/ King Jim)
OUÇA o álbum.
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