Os 50 anos de Obscured By Clouds do Pink Floyd
Por Márcio Grings
Possivelmente ninguém colocará "Obscured by Clouds" (1972) na lista de seus álbuns preferidos do Pink Floyd. Imprensado entre dois pesos pesados da discografia do grupo — "Meddle" (1971), o LP que os colocou na primeira divisão do rock mundial, e "The Dark Side of the Moon" (1973), suprema obra-prima conceitual do rock —, a trilha-sonora de "Obscured by Clouds" foi feita a toque de caixa e sob encomenda para o cineasta francês Barbet Schroeder. É uma obra que muitas vezes passa batido num resumo biográfico, sendo eventualmente tratado como nota de rodapé em análises da trajetória da banda inglesa. Há injustiça nessa rotulação?
Veja o trailer de "La Valée".
Lançado em junho de 1972 — sete meses depois de “Meddle” e nove meses antes de “Dark Side of the Moon” — o disco marcaria o final da época prolífica do Pink Floyd (sete álbuns em cinco anos) — pois em breve eles espaçariam dois anos ou mais entre um trabalho e outros. Gravado no Strawberry Studios, no Chateau D'Herouville, próximo a Paris, um estúdio afastado da cidade e construído num ambiente campestre, o local foi rebatizado de Honky Château por Elton John, que por lá gravou um álbum no mesmo ano e com esse nome. O Pink Floyd precisou de apenas duas semanas (entre fevereiro e março de 1972) para construir as dez músicas que estão no disco, um dos mais diretos de sua carreira. Antes de "Obscured by Clouds", Roger Waters, David Gilmour, Rick Wright e Nick Mason já haviam feito uma outra trilha-sonora para Schroeder, "More" (1969). Já "La Vallée" (O Vale dos Perdidos/ A Colina Sagrada), é um filme estereótipo hippie locado na Papua-Nova Guiné, e conta a história de Viviane (Bulle Oggier, esposa de Barbet), uma jovem em busca de penas raras de pássaro para vender na sua butique. Nessa jornada, ela se junta a um hippie existencialista na busca por um vale místico. No curso dessa busca, ao descobrirem uma tribo de indígenas locais, Viviane encerra sua aventura materialista e renasce. Em pouco tempo todos perceberiam que a música do filme era maior que o objeto principal de criação, pois o longa de Schroeder se tornaria num fracasso monumental, figurando inclusive em listas dos piores filmes de todos os tempos, o que talvez seja um exagero.
Contracapa do álbum |
Divulgação |
— Obscured by Clouds (David Gilmour/Roger Waters)
O sintetizador VCS3, um dos instrumentos que seria reciclado e brilhariam no álbum seguinte, "The Dark Side of the Moon", é um dos motores climáticos da faixa-título. Outro destaque está nos bongôs eletrônicos utilizados por Nick Mason, uma batida metronômica que pode ser associada ao krautock. No entanto, é na guitarra de David Gilmour que Pink Floyd imprime seu selo de qualidade. Na época eles chegaram a abrir alguns shows com trechos desse tema. É uma faixa que dá o tom do álbum e aponta um caminho para o rock progressivo, mas sem excessos, tudo em apenas três minutos e ainda recorrendo ao fade out nos segundos finais.
— "When You're In" (Gilmour/Nick Mason/Waters/Richard Wright)
Soa quase como uma continuação, uma sequência do que ouvimos a instantes. Novamente luz na guitarra e no teclado, nesse desdobramento mais vitorioso da faixa de abertura. "When You're In" é assinada pelos quatro integrantes, o que demostra que o time estava entrosado e empenhado em cumprir a missão com méritos. A bateria de Mason e o Hammond B3 de Wright soltam chispas e nos levam a mais uma viagem ainda mais curta que a anterior, De onde vem tanta economia musical? Afinal, eles não são o Pink Floyd?
— Burning Bridges (Waters/Wright)
Os segundos que antecedem a terceira faixa parecem intermináveis, talvez porque só agora teremos a primeira faixa cantada do LP. Com vocal dividido entre Gilmour e Wright, "Burning Bridges" é prima-irmã de "Pillow of the Winds", de "Meddle" e "Breath", de 'Dark Side', com luz no slide característico de Gilmour. É na faixa que entraria bem em muitos álbuns do Pink Floyd, com vocais se alternando entre os falantes direito e esquerdo, explorando recursos para dar dimensão ao som que a banda utilizou bastante não só nos álbuns, mas também no surround das apresentações ao vivo.
— The Gold It's in the... (Gilmour/Waters)
Meio hard rock, quase um boogie ao estilo do Grand Funk Railroad. Vejamos bem, essa definitivamente não é a onda do Pink Floyd. Há ainda alguma semelhança com o riff de "Wham Bam Thank You Mam", do Small Faces. Os solos de Gilmour e as viradas de bateria de Mason se tornam repetitivos e a faixa perde um pouco de seu impacto ao se arrastar demasiadamente na segunda metade da música até a parte final. É o momento de maior baixa do álbum, pois definitivamente o Pink Floyd não é uma banda norte-americana e ela nunca soaria como tal. Alguns anos depois, em músicas como "Run Like a Hell", de "The Wall" (1979), o Floyd obteria mais sucesso nessa intenção.
— Wot's... Uh The Deal (Gilmour/Waters)
Depois da pancada de um rock and roll pegado, uma das grandes canções perdidas do Pink Floyd surge em "Obscured by Clouds". Com justiça "Wot's... Uh The Deal" voltou à vida numa turnê de David Gilmour em 2006. Dá pra dizer que temos aqui um flerte com o rock californiano do início dos anos 1970, num trabalho de violões belíssimo, além do piano de Wright ganhando um espaço interessante nos solos, o que a torna ainda mais próxima do folk rock e das baladas dos anos 1970.
— Mudmen (Gilmour/Wright)
Ambiência que antecipa o que ouviríamos em "Breath" e "Us and Them", essa faixa instrumental fecha o Lado A com louvores, com destaque para as camadas de teclados de Richard Wright além de uma nova visita do slide de Gilmour que pontua os instantes mais dramáticos de "Mudmen".
Lado B
— Childhood's End (Gilmour)
Surge a lembrança de "Time", mas o Hammond B3 de Richard Wright declara um outro território. O solo de Gilmour bate no blues, assim como a condução simplória de chipô e caixa de Mason colabora para nos jogar nessa lembrança. Diferentemente de "The Gold It's in the..." aqui o Floyd obtém um resultado bem mais interessante dentro de uma intenção blues rock. O lado B começa muito bem, obrigado!
— Free Four (Waters)
O único vocal solo de Waters fala de envelhecimento e morte. Mesmo que diferente musicalmente de qualquer peça de "The Dark Side of the Moon", "Free Four" possui elementos literários de "Eclipse" e "Time". É enganosamente folk, mas também flerta como glam rock.
"A vida é um momento curto e cálido / Você tem sua chance de tentar num piscar de olhos".
Ou...
“As memórias de um homem em sua velhice são os feitos de um homem em seu auge, você se arrasta na escuridão da enfermaria e fala consigo mesmo enquanto morre”
Ele também fala se declara exausto, além de fazer referência (a primeira) a morte de seu pai na Segunda Guerra Mundial. "Você é o anjo da morte e eu sou o filho do morto”. A canção ainda virou hit nas FMs estadunidenses, sendo a primeira música do Pink Floyd a tocar numa posição digna das paradas pop até então. O sintetizador VCS3 novamente dá o ar da graça (mas de um forma mais simplória, apenas com um acorde gavetão) e a guitarra de Gilmour soterra o lado inofensivo da melodia a colocando novamente dentro de uma redoma hard rock.
— Stay (Wright/Waters)
Essa é minha faixa perdida que redescobri nas audições. Na voz de Richard Wright, temos um dos grandes momentos do álbum, uma canção de amor com uma letra poética de Waters:
"Fique e me ajude a chegar até o entardecer / E se não se importar, abriremos uma garrafa de vinho / Fique por perto, e talvez consigamos derrubá-la / Porque quero descobrir o que se esconde por trás dos teus olhos / Meia-noite azulada queimando dourada / Uma lua amarelada e fria se amplia no céu".
— Absolutely Curtains (Gilmour/Mason/Waters/Wright)
É como se estivéssemos voltando aos primeiros discos do Pink Floyd, o clima soturno dos teclados é propício a imaginarmos trilhas-sonoras, territórios inexplorados, o que se amplia na participação da tribo Mapuga, da Nova Guiné, na cantiga tribal que nos leva até os segundos finais do álbum.
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