Os 50 anos de "Exile on Main Street" dos Rolling Stones
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Foto: Divulgação |
Já falei dessa história, mas vamos lá! Imagine o que é vender milhões de álbuns em todo o mundo e de repente descobrir que, devido a um contrato malfeito, todos os direitos autorais dos seus discos, singles e canções não pertencem mais ao seu espólio? Esse pesadelo aconteceu com os Rolling Stones na virada dos anos 1960/70. Nome do vilão? Allen Klein, o mesmo empresário que enganou os Beatles. Essa história de como os Stones ficaram com uma mão na frente e outra atrás, além de dever horrores para o fisco britânico, está registrada em vários livros. O fato é que, Mick Jagger, o ecônomo, gerente de planejamento e estrategista dos Stones, articulou o plano perfeito após o fim de contrato com a Decca Records. Assim surgiria a Rolling Stones Records e "Sticky Fingers" seria o pontapé inicial numa nova encarnação comercial do grupo. Logo depois, o bando inteiro debandaria para a França, uma fuga estratégica longe das garras do Leão inglês. "Depois de trabalhar oito anos, descobri que ninguém tinha pagado os meus impostos e que eu devia uma fortuna. Então disse foda-se e saí do pais", disse Mick após saber que cada stone devia cerca de 100 mil libras para a Rainha.
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Foto: Dominic Tarle |
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Foto: Dominic Tarle |
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Foto: Dominic Tarle |
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Foto: Dominic Tarle |
Lado A | Disco 1
— Rocks Off
O começo perfeito. Estamos num disco do Rolling Stones — guitarras entrelaçadas, naipe de sopros com Jim Price e Bob Keys, Nicky Hopkins ao piano, um Mick Jagger confiante. A letra suja nos enche com a poeira da estrada e pela luxúria que ela traz.
Aqui rola a lendária história de que Keith adormeceu durante a gravação. Na mesa, Andy Johns não podia parar o take porque o sistema de som estava enguiçado, sem contato entre ele e o local de registro. Keith acorda em torno das três da manhã, mas novamente adormece. Andy resolve ir pra casa e quando meia hora depois chega no seu hotel, o telefone toca e o guitarrista está possesso por que o o engenheiro de som não está lá para continuar a gravação. Andy Johns retorna e a parte de Keith é concluída até o início da manhã.
— Rip This Joint
O motor continua em alta rotação, um rock que traz à lembrança do som dos anos 1950, novamente com um corpaço dos metais engrossando o caldo, com solos de sax de Bob Keys digno de um King Curtis.
— Shake Your Hips
Sempre vejo os Stones voltando para um lugar legítimo quando esses transam na influência do blues. Um rock-a-boogie com as tintas do bluesman Slim Harpo, um dos favoritos do grupo.
— Casino Boogie
"Casino Boogie" soa como uma demo, uma jam, e traz novamente o blues para a linha de frente do disco, mas novamente num clima festivo, com a referência a um suposto parente de Mick Jagger — Joseph Hobson Jagger, que seria "The man who broke the bank of Monte Carlo".
— Tumbling Dice
Um caminhão de overdubs foi registrado em "Tumbling Dice". Havia cerca de 50 rolos de fita apenas dessa musica, o que resultava em cerca de 25h de gravação. Devido a dificuldades num trecho específico da música, numa virada de bateria, o produtor Jimmy Miller assume as baquetas na parte final da música. É um dos sons mais vitoriosos do álbum, virou single e marca registrada nos shows, apesar de perder parte do impacto quando apresentada ao vivo.
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Foto: Dominic Tarle |
Lado B ! Disco 1
— Sweet Virginia
Apesar de algumas fichas técnicas apontarem a participação de Gram Parsons nas gravações, correções históricas afirmam que ele não gravou nada em "Exile". Apesar disso, sua influência está vigente em "Sweet Virginia", uma das canções chave que ligam os Stones ao lado country da força. A gaita de boca de Mick é icônica.
— Torn and Frayed
Gram Parsons influence again, dessa vez como se fosse uma canção dos Flying Burrito Bros, o vocal espelhado de Keith dá esse blend onde as canções country dos Stones encontraram uma estrada pavimentada por esse espírito vigente nos anos 1970.
— Sweet Black Angel
Endereçada a Angela Davies, integrante do partido comunista americano e ativista dos Panteras Negras, eis outra demonstração da força das vozes e Mick e Keith quando alinhadas numa única camada vocal. Se os Beatles tinham em "Blackbird" um elo racial entre suas canções, "Sweet Black Angel" é uma contribuição á altura dos Stones como bandeira da igualdade racial.
— Loving Cup
Outra das canções vitoriosas de "Exile", "Loving Cup" é uma das faixas gravadas bem antes das sessões de 1971 na França, e novamente a química dos vocais dos Glimmer Twins fala alto. É uma das minhas preferidas, com um toque de soul, pop e uma letra engraçada de uma espécie de andarilho das montanhas em busca de um pequena dose de amor quando desce até as planícies. As guitarras, os metais no final, o piano saltitante, a bateria de Charlie ponteando as viradas, uma canção com a cara dos Stones e digna de figurar entre seus melhores momentos
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Foto: Dominic Tarle |
Lado C | Disco 2
— Happy
Montada inicialmente apenas com Keith e Jimmy Miller na bateria, o que parecia ser apenas uma demo tornou-se em uma digital fidedigna de Keith, um das preferidas dos fãs nos shows e anúncio da felicidade do guitarrista ao saber da gravidez de Anita Pallemberg.
— Turd on the Run
A força dos Stones em transformar uma canção média em algo potente encontra em "Turn on the Run" um bom exemplo dessa capacidade. Há uma mistura de country and western e blues, tudo potencializado pela energia do rock and roll.
— Ventilator Blues
Segundo Andy Johns, Mick Taylor recorria a um ventilador 'meia bomba' na janela quando sentia que sua guitarra desafinava devido a umidade e ao calor excessivo. Essa teria sido uma das inspirações de "Ventilador Blues", uma das poucas faixas de Mick Taylor creditadas a ele na discografia dos Stones. O guitarrista teve sua assinatura omitida em outras canções onde poderia ser creditado, uma das causas de sua posterior saída da banda.
— I Just Want to See His Face
Apesar da inspiração gospel, a música sempre me lembrou o lado mais sacrílego da música, como se fosse um ritual de vodu, algo ligado as forças obscuras, mas acima de tudo, é uma das cores que formam uma das camadas interessantes do álbum. Essa vontade de ver o rosto do Messias na letra soa mais como descrença do que fé. Os vocais de fundo, bruxuleantes, trazem entre as vozes Clydie King (Ray Charles) e Vanetta Field (Ike and Tina Turner).
— Let It Loose
Um soul danado de bom fecha mais uma lado do vinil, aqui com vocais de apoio novamente de Clydie King, com ajuda ainda de Dr. John
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Foto: Dominic Tarle |
Lado D | Disco 2
— All Down the Line
Primeira faixa gravada e finalizada das sessões na França, traz um riff matador de Keith Richards. O slide de Mick Taylor merece um menção honrosa. O álbum chega ao seu último dos quatro lados sem perder sua força, pelo contrário, tudo se energiza com "All Down the Line".
— Stop Breaking Down
Mais uma regravação dos Stones de Robert Johnson, aqui meio que desconstruindo os alicerces de um dos clássicos do bluesman que gravou suas canções na década de 1930. Johnson foi uma das principais influências tanto do rock britânico quanto do blues de Chicago, entre outras variantes. É um dos melhores momentos blues do disco. Mick novamente mostra que sabe usar uma gaita diatônica, ao estilo dos grandes gaitistas de blues.
— Shine a Light
Mais uma das faixas registradas bem antes do exílio na França. Aqui os Stones se aventuram no gospel com um sucesso invejável. Clydie King e Vanetta Field estão nos vocais do fundo, o que empresta ainda mais legitimidade com essa intenção de volta ás raízes, assim como o Hammond B3 de Billy Preston carimba tudo que precisa ser carimbado. 36 anos depois de seu lançamento, "Shine a Light" (2008) batizaria um documentário musical dos Stones dirigido por Martin Scorcese.
— Soul Survivor
O navio pirata guiado pelo Stones pela sul da França finalmente parte de volta para casa, não sem algumas avarias, mas como alma sobrevivente, como legenda, novamente está pronto para zurzir adiante com confiança, como corsários pilhando o mundo com sua bandeira de liberdade:
"Avançando direto sobre as rochas / Eu tenho tomado todos os golpes / Você não me oferece nenhuma piedade". E cada pequena morte, sempre há o renascimento.
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