Documentário do Grateful Dead é fundamental para entender o propósito artístico da banda

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Por Márcio Grings

Falar sobre o Grateful Dead exige complexidades. Da mesma forma que sou cuidadoso ao debater sobre gêneros como jazz e blues ou quando me aventuro pela música erudita — não por desconhecimento, mas por sua transversalidade —, um bate-papo sobre o Dead sempre será algo complexo. É necessário recarregar os sentidos, abrir janelas, virar a página, quebrar vidraças, estar disposto a viajar, é preciso comer a poeira da estrada, ouvir histórias, trocar o pneu com o carro andando e depois andar na contramão. O Dead surgiu na estrada, viajando de um lugar para o outro, pegando uma estrada após outra, e, uma vez nessa highway, nunca sabia-se (exatamente) pra onde se estava indo, nem o que iria acontecer quando eles aterrissavam no seu destino. 

Veja a live no Canal da Daniella Zupo (c/ Romero Carvalho + participação de Bento Araújo.     

"Como eu não pude parar a morte ela parou para mim. A carruagem carrega apenas a nós e a imortalidade". A citação de um poema de Emily Dickinson que abre  "Long Strange Trip" (2017), disponível para os assinantes Amazon Prime, é o epígrafe apropriado que nos induz ao universo de um dos grupos mais idolatrados da música mundial. O documentário não investiga a discografia do grupo, não traz um inventário sobre o conteúdo das músicas nem tenta nos conduzir por uma linha do tempo estritamente cronológica.  Em "Long Strange Trip" acompanhamos a jornada musical do Dead desde os anos 1960, uma banda idealizada e orquestrada pelo homem que não queria ser 'presidente de nada' mas se tornou um dos gurus de sua geração. Jerry Garcia, o professor de todos, o amigo de todos, o sujeito incapaz de iniciar um conflito, o fã de Jack Kerouac que trouxe Neal Cassady, o Dean Moriarty de On The Road, para ser o motorista do magic bus na viagem do ácido pelas estradas americanas. 

GD nos anos 1980. 

"Fugindo pelos campos de lírios, me deparei com o vácuo / Ele tremeu e explodiu, mas deixou um ponto de ônibus em seu lugar / O ônibus passou e eu embarquei, foi aí que tudo começou / Lá estava caubói Neal ao volante sem horário para parar a viagem", com diz a letra de Robert Hunter em "The Other One", descrição psicodélica e 'autobiográfica' do ônibus zurzindo de leste a oeste dos Estados Unidos na segunda metade dos anos 1960.   

Repletas de imagens raras, entrevistas e depoimentos, entre eles destaca-se a voz de Sam Cutler, road manager dos Stones contratado em 1970 para por ordem numa trupe que chegava a acerca de 50 membros nas turnês — músicos, técnicos de som, roadies, agregados, crianças, namoradas, uma babilônia itinerante que fazia do Dead uma das família mais festivas do rock and roll. 

Veja o trailer do documentário.  

No filme, além da formação original — Jerry Garcia (guitarra, vocais), Bob Weir (guitarra, vocais), Phil Lesh (baixo, vocais), Bill Kreutzmann (bateria), e "Pigpen" McKernan (teclado, vocais, gaita, percussão), lá estão Mickey Hart (bateria), o casal Keith Godchaux (teclado) e Donna Jean Godchaux (vocais), o talentoso Brent Mydland (vocais, teclado), entre outros. A trama das guitarras de Bob Weir e Jerry Garcia, diferente de outras duplas de guitarristas do gênero; A maldição dos tecladistas: Ton Constanten, Pigpen, Keith Godchaux, Brett Midland e Vince Welnick; as letras de Robert Hunter e John Barlow (que foi o responsável por aproximar o grupo da experiência com o LSD, fazendo uma ligação direta com Timothy Leary). Hunter foi introduzido no Hall da Fama do Rock and Roll com a Grateful Dead em 1994 e é o único não-intérprete a ser indicado como membro de uma banda. Apesar de aparecer em apenas uma parte do filme, pelos depoimentos e sua breve fala dá para entender o espírito sardônico de Hunter, responsável por pinturas péticas como "Black Muddy River": 

"Quando a última rosa do verão espeta meu dedo / E o sol ardente me arrepia até os ossos / Quando eu não consigo ouvir a voz do cantor / E eu não consigo distinguir meu travesseiro de uma pedra / Eu vou andar sozinho pelo rio lamacento / E, só então, cante-me uma canção só minha. 

Quando parece que a noite vai durar para sempre / E não há mais nada a fazer além de contar os anos / Quando as cordas do meu coração começam a romper / E pedras caem dos meus olhos ao invés de lágrimas / Eu vou andar sozinho pelo rio lamacento / E, só então, sonhe comigo um sonho meu".

Outra dica para quem gosta de Grateful Dead é assistir “A música Nunca Parou (The Music Never Stopped - USA - 2011”, filme ambientado primeiramente nos anos 1960, e conta a história de Henry (J.K. Simmons) e Gabriel (Lou Taylor Pucci), pai e filho com pensamentos opostos quanto a gostos musicais, política e a Guerra do Vietnã, mas que acabam encontrando uma conexão através da música do Dead.  

Veja o trailer. 

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