Review: Ira (2020)
Scandurra e Nasi, alma e corpo físico do Ira! Foto: divulgação |
No início de junho, mais precisamente no último dia 8, o grupo paulista Ira! disponibilizou em todas as plataformas digitais "Ira", primeiro trabalho de inéditas desde "Invisível DJ" (2007). Gravado e mixado em São Paulo, entre o final de 2019 e início de 2020 (Estúdio A9 Audio), o novo conjunto de 10 canções ganha assinatura do produtor Apollo9, com engenharia de som a cargo de Jeff Berg. Na formação — Nasi (voz), Edgard Scandurra (guitarra, violão, voz, tímpano e composições), Johnny Boy (baixo e voz de apoio) e Evaristo Pádua (bateria e voz de apoio). O álbum contém participações especiais de Virginie Boutaud (voz), Apollo9 (teclados) e Jorge Pena (percussão).
O 12º trabalho autoral da banda surge após 13 anos sem novidade no front. "Ira" (sem a exclamação incluída como marca registrada junto ao nome da banda), é um disco de rock que denota a maturidade de um dos mais importantes grupos do rock nacional. As letras exaltam o amor, o feminismo, insurgem contra a opressão e estimulam reflexões sobre o passar do tempo.
Ouça "Ira" na íntegra.
O disco começa com um chute na porta — "O amor também faz errar", tema que evoca à lembrança do mod nos anos 1960, traz guitarras e sobreposições que resultam num rock and roll com toda a energia da tríade guitarra, baixo e bateria, aprisionada numa enganosa melodia de balada, mas com vitalidade semelhante ao estilo de algumas canções do Who.
A voz de Nasi com o vocal de apoio de Scandurra sempre concebeu uma espécie de superpoder ao Ira! Já a letra traz conhecidas virtudes poéticas de Scandurra — a simplicidade e a coragem para nos arrebatar com histórias que passam a ser as nossas, ou são elas, as canções que se apossam dos nossos pensamentos? O refrão é matador:
"Deixe a porta abrir / Deixe-me entrar / Deixe-me insistir / Que tudo vai mudar / Deixe a porta abrir / E o cachorro entrar / Deixa eu me iludir / Que o amor vai voltar.
Deixe-me existir / Na vida que você levar / E o destino dizer que tudo vai mudar / E se eu desistir / Tente me perdoar. Tente entender que o amor também faz errar".
Um sorriso surgiu no meu rosto ao ouvir o velho "pá-pá-pá-pá" preenchendo espaços na base do vocalise, colorindo harmonicamente uma parte B onde usualmente muitos cravariam um solo de guitarra, por exemplo. Maturidade e sabedoria de Edgar Scandurra, que não precisa o tempo todo fritar o instrumento para relembrar do seu merecido lugar no panteão dos grandes instrumentistas. E além disso — o trabalho da(s) guitarra(s) em "O amor também faz errar" é assombrosamente espetacular, mas lembre-se — é a canção que vem antes do instrumentista. Esse review poderia acabar aqui, mas há mais.
Ira! em sua atual formação. Divulgação |
O mod e os solos de guitarra retornam em "Você me toca" — que parece uma canção perdida dos early years do Ira!, sensação semelhante ao ouvir faixas como "A Torre" e "Eu desconfio de mim", que também nos levam de volta ao rock nacional dos anos 1980, década ao qual o próprio Ira! foi um dos principais protagonistas. "Chuto pedras e assobio" soa triste e reflexiva, além de espelhar a individualidade e a solidão dos dias atuais, lembrando da eminência do 'fim dos tempos'. "O homem cordial morreu" é uma síntese do triste momento da multiplicação do cidadão médio, e também nos alerta de que não podemos nos entrincheirar contra qualquer tipo de opressão. São dois temas com a síntese sonora do que conhecemos de melhor do Ira!, trazem recados de insurgência contra as adversidades e da consequente redenção pelo amor. "Efeito Dominó" é a sinfonia do disco, uma balada com todos os adjetivos que a colocam no panteão das grandes canções do grupo. Com letra em português e francês, temos o retorno de Virginie Boutaud, entrelaçando-se as vozes de Nasi e Scandurra. Tudo funciona no tema mais longo do álbum, 7min53 que passam voando, camadas sucessivas que resultam numa esplendorosa suíte musical.
Ao finalizar a audição de "Ira", fica a impressão de que o rock nacional sobrevive, e que ainda há espaços para o gênero circular por aí. O novo álbum da turma de Nasi e Scandurra renova minha crença numa das melhores bandas do país. Sim, continua sendo difícil envelhecer, olhar para a frente e pensar que ainda temos tanto a fazer. O Ira! nos indica que precisamos seguir adiante, quem sabe até melhores do que antes.
Veja o clipe de "Efeito Dominó".
Sensacional, brou! Já rodando na minha playlist!
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