"Central do Brasil", o filme que recolocou o Brasil no circuito mundial de cinema

Dora e Josué. Divulgação  
Revi nesta segunda-feira (14) o filme "Central do Brasil", passou na TV aberta, em horário nobre. Acompanhei o lançamento em 1998, tempo em que trabalhava em um videolocadora. Por ser um filme que 'viajou' muito por todo o mundo, na época, lembro que muitas pessoas criticaram a forma como o Brasil era revelado no longa de Walter Salles - um país árido e desolador, visões amplificadas a cada nova imagem em que o ônibus avança nordeste adentro, nos levando ao coração de um mundo sem perspectivas. 40 anos antes de "Central do Brasil", em 1958, o suiço Robert Frank já havia algo semelhante em "Americans", livro fotográfico criticado por descolorizar o glamour dos Estados Unidos no recente pós-guerra, revelando uma série de personagens desiludidos, excluídos e marginalizados. Salles seguiu um caminho semelhante, explorando paisagens e criaturas corroídas pelo esquecimento. "Central do Brasil" é  road movie com dois personagens improváveis, Dora (Fernanda Montenegro), um trambiqueira aparentemente sem escrúpulos, e Josué (Vinicius de Oliveira), um menino orfão em busca do pai.      

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Tratando-se do público médio, em plena Terra Média do Governo Bolsonaro, esse estranhamento não irá soar como algo fora da curva, no caso de alguém continuar a se parear a ponto de vista como esse. Afinal, grande parte do público permanece irredutível em continuar a digerir apenas o insípido cardápio dos blockbusters hollywoodianos. Assim, cada um dentro de suas bolha, permanecem a esconder o sol com uma peneira, ou apenas varrem a sujeira para debaixo do tapete. Afinal, para muitos, assistir um filme não condiz a um estado de reflexão, mas apenas a diversão, subvertendo um dos princípios ativos da arte. Incrível, duas décadas depois cegueiras coletivas continuam a recrutar novos seguidores.

Uma curiosidade:  o jovem ator do filme, Josué (Vinícius de Oliveira), trabalhava como engraxate em um aeroporto do Rio de Janeiro quando conheceu Walter Salles. No local, o diretor o convidou para fazer os testes de seu novo filme. A mãe do menino duvidou da veracidade da proposta, mas o cineasta insistiu, voltando ao aeroporto com sua equipe à procura de Vinícius. No processo de seleção, o garoto bateu cerca de 1,5 mil concorrentes para o papel, sem nunca ter tido qualquer contato com a arte cênica. Eis um exemplo de como um olhar apurado, sensível, pode possibilitar acesso para personagens fora do eixo central dos privilegiados. Esse filme mudou a vida de Vinicius... 

Walter Salles, Vinicius Oliveira e Fernanda Montenegro em 2018. Divulgação
Atualmente com 34 anos, é possível assistir o ator em duas séries: “Sintonia”, da Netflix, e “Segunda Chamada”, da Globo. Enquanto a eixibição do filme lembrava os 90 anos de Fernanda Montenegro, numa atuação fantástica nesse filme, lembrei dessa história. 21 anos depois de vê-lo pela primeira vez fica fácil concluir que "Central do Brasil" envelheceu  bem, continua sendo uma hsitória relevante.  

Além de consagrar Fernanda Montenegro com vários prêmios internacionas (ela inclusive concorreu ao Oscar de Mlehor Atriz), "Central do Brasil" também levou muitos prêmios em diversos festivais de renome, como ainda tornou-se um marco na história cinematográfica do Brasil, tornando-se um dos principais responsáveis pela inserção do cinema nacional no circuito mundial. Apesar de alguns filmes da primeira fase da Retomada do cinema brasileiro (1992-2003) terem alcançado o mercado de exibição audiovisual internacional, como O Quatrilho (1995) e O Que É Isso, Companheiro? (1996) — ambos indicados para Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, Central do Brasil destacou-se por ser o pioneiro no seleto grupo de filmes "internacionais". O cineasta Anthony Minghella comentou que: "Este pequeno filme brasileiro tocou mais corações do que praticamente qualquer outra película que eu conheça. Ele trouxe consigo uma voz autêntica para o cinema internacional. [...] E, depois de seu estrondoso sucesso no mundo inteiro, Walter Salles poderia muito bem ter tirado proveito das muitas portas que o filme lhe abriu para filmar em Hollywood, em inglês e com todo o apoio financeiro de que precisasse." 

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