Resenha: "Capitão Fantástico" (2016)

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Comprei meu primeiro exemplar de “Walden” pela internet no meio da década passada. Chegou pelo correio uma edição surrada da Ediouro, lançada no final dos anos 1970. Na verdade, descobri a obra de Henry David Thoreau, autor do referido livro, através de fragmentos e citações espalhadas em diversas leituras feitas ao longo dos anos. Mas realmente fui à caça de alguma obra de Thoreau quando li “Na Natureza Selvagem”, livro escrito por Jon Krakauer e lançado no Brasil em 1999 (obra que virou um bom filme dirigido por Sean Penn). Thoreau era um dos ídolos de Chris McCandles, protagonista do livro de Krakauer, um viajante bordejador a contramão do sonho americano de consumo. Voltando a 1999, no mesmo ano comprei o manifesto anarquista “A Desobediência Civil”. Mas foi quando li “Walden” que realmente fui envolvido pelas palavras de Thoreau.

Henry David Thoreau
O livro é dividido em vários capítulos bem peculiares, e em cada um deles, detalhadamente o autor conta o que viveu, o que sentiu e o que pensou durante o tempo que permaneceu no lago Walden, onde ergueu uma cabana e sobreviveu sozinho somente com a ajuda da natureza. Ao todo, foram dois anos, dois meses e dois dias. Para alguns, a maneira do homo americanus de ver o mundo à sua volta e a si próprio nunca mais foi a mesma depois de "Walden". Mas não certamente para a maior parte da sociedade moderna. 

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Falo de Henry David Thoreau antes de começar a falar de “Capitão Fantástico” (2016), filme que acabo de ver, porque a co-relação entre o conteúdo filosófico das duas obras encontram muitas similaridades. A princípio o título também evoca Walt Whitman (lembram-se de ‘Oh, Capitain, my Captain’?), pois o referido ‘capitão’, ou o Ben Cash materializado por Viggo Mortensen, também revela sua fascinação pela literatura e a reverberação épica dessa influência. O longa dirigido por Matt Ross é recheado de recortes e citações literárias, assim como em muitos momentos a retórica do protagonista poderia ser colocada 'entre aspas', mesmo assim sem perder a originalidade ou a coerência com o enredo.      

E antes de ser um revolucionário contra métodos deteriorados do nosso cotidiano, ele também atrela sua família a esse modo de vida peculiar e imerso no isolamento.  Sem internet, games, e qualquer suposto artificie nefasto de contaminação com a sociedade, a figura paterna do filme impõe uma intenção ditatorial de se conectar apenas com fontes ancestrais de conhecimento e sobrevivência. Com isso, o linguista, filósofo e ativista norte-americano Noam Chomski passa a perna no Papai Noel e a data de nascimento de Chomski é comemorada como o Natal dos Cash. 

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Antes de sua esposa cortar os pulsos e cometer suicídio, Ben também cortou os laços que o uniam a sua família com o restante do mundo. E aí reside uma das forças motrizes do filme – o confronto entre uma existência familiar que busca no isolamento a solução final, versus a consequente tentativa de blindagem dessa influência externa da sociedade. E num mundo repleto de desvios e inverdades, Ben nunca se furta de falar a verdade, doa a quem doer, como por exemplo no instante que comunica sem rodeios o suicídio da mãe a seus filhos. 

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E o tsunami emocional do enredo se dá justamente no velório da esposa de Ben, quando o choque de estilos de vida promove o grande embate e o importante debate do filme. E é dessa forma que a principal virtude do roteiro original de Matt Ross também se impõe, quando a escolha por um caminho do meio em sua narrativa, passa a bola para o espectador tomar para si qualquer tipo de julgamento ou conclusão.    

Esse é o ponto nevrálgico do enlace que ecoa entre a filosofia de Thoreau e a história de “Capitão Fantástico” – tanto o livro quanto o filme podem nos inspirar a buscarmos uma vida menos materialista e mais simples. E se “Walden” é considerado por muitos uma publicação maniqueísta que refuta qualquer outra direção a não ser  a percorrida pelo próprio autor, o recado de “Capitão Fantástico” é que se dosarmos esse embate contra o materialismo, o resultado desse equilíbrio pode melhorar e transformar a experiência humana.   

Veja o filme completo e ouça a trilha sonora no player abaixo.
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