CRôNICA: DEPOIS DO CHÁ DAS QUATRO
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Eu cortei pela metade uma lata de
Coca-Cola light. Inventei um candelabro e incendiei uma vela de cera de abelha.
Lembrei-me do zumbido de uma colmeia. Iniciando as preliminares, bati palmas
três vezes e amontoei o lixo no meio da sala. Conexão com o invisível. Em plena
cerimônia sacrílega, fiz uma escultura de papel amassado. Na verdade, apenas
uma vã tentativa de contabilizar tudo aquilo que é descartável. Saquei da
estante “Pet Sounds” e coloquei o prato pra girar. Por alguns minutos, Brian
Wilson e os seus me fizeram descobrir o que é ser feliz. Pregação POP. Depois
pulverizei inseticida na tela do notebook. O Facebook continuou ali, estragando
tudo. A cocaína da internet nos impregna com atualizações doentias, um estrago
cotidiano.
Ainda sobre estragar, tudo pode ficar
pior. Brincar de imobilidade é uma arte iletrada disposta a nos entravar por
dentro. Um câncer. Nada pode desencravar esse parafuso enferrujado da sola do
pé e ajustado ao piso da conformidade. De todo modo – lá vou eu de novo
improvisar um alicate com um clipe e tentar de uma vez por todas arrebentar
essa merda. Ainda mais após ter sonhado gastar os sapatos nas ruas antigas de
Londres. Dia desses vou ganhar estradas pueris do Velho Mundo e com o olhar
perdido encontrar uma praia fria onde possa apreciar o mar ondulando
assustadoramente como uma serpente líquida.
Toda vez quando vejo a droga da grama
crescendo, lembro-me da minha conta bancária incapaz de evoluir igual o verde
de qualquer quintal. Na verdade, pouca coisa evolui. Já a mediocridade prospera
feito tiririca pela planície esquecida pelo bom senso. A arte de estragar tudo
é uma ciência muito complexa. Poucas pessoas dominam a prática. Vou me escalar
pra dar algum tipo de curso a respeito dessa modalidade. Sou bom nesse troço.
Olhos pra minhas gaitas de boca
impregnadas de bolor e me lembro dos antigos bluesman que tocavam por doses de
bourbon e pedaços de frango frito. Estamos próximos disso, pode acreditar. Hey,
mas ainda há uma luz, sim ela brilha opaca por detrás do céu de chumbo. Um
fósforo mofado que pode promover uma breve chama incandescente por alguns
segundos. Ainda bem que esses instantâneos de eternidade acabam nos
sustentando.
Vou acender o palito. Depois do chá das
quatro, é claro. E quem sabe, nada mais será como antes.
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