CÉU DE AÇAFRÃO

Arte: Jeannie Sellmer
Pedro era um inofensivo fora-da-lei. Não chegava a ser um criminoso, apenas um homem que atuava fora dos trilhos. Um mero Robin Wood da segunda divisão, okay, mas seu rosto estava em todos os cartazes.

Quando a Grande Depressão bateu e os bancos se tornaram mais seguros, ele partiu para os trens. “Pelo menos os bancos não se moviam”, pensava toda vez que contava os dormentes. Agora não poderia mais ajudar ninguém. Em primeiro lugar, precisava ajudar a si. Levou alguns tombos e resolveu mudar de rumo. Adaptação aos novos tempos e o fim de algumas futilidades da vida moderna.

Cancelou a TV a cabo e extinguiu o telefone fixo. Não queria ser encontrado ou se enganar com distrações fúteis do écran. Deixou de sair à noite e inventou um ovo-frito mágico com gema cor de sol. É seu cartão de visitas aos que raramente aparecem. Porém avisa de cara aos visitantes: “Adeus às trips!”. Com gasolina contada, ao final do dia, seu cavalo-de-ferro agora evita o caminho mais longo. Atualmente, Pedro encurta as coisas. Facilita. Inclusive, trocou o bourbon pela cana com butiá. No fim das contas, a tonturinha é parecida. Voltou à velha vida no além-Oeste. A arte de esquecer. Pratica isso todos os dias.

Trabalha, grava, escreve, toca, ensina, produz e recebe quase nada. O cheque sempre chega atrasado. Só ele nunca se atrasa. Olha para o céu de açafrão e tenta entender por que alguém trocou o azul pelo amarelo. Às vezes pensa em voltar ao mundo do crime, porém descobriu que os amigos desapareceram. Ele os mandou embora. Apenas alguns mais resistentes aparecem.

Daí começa uma nova tarefa e também dispensa o jardineiro. Compra um pingente de prata da Nossa Senhora e pede pra mãe abençoá-lo. Corta a grama a cada duas semanas. Meditação e crueldade com os insetos. Os Joões-de-barro fazem a festa. No costado da cerca planta manjericão e sálvia. Empilhou faz uma semana todas às garrafas armazenadas em anos. Botelhas de cerveja, uísque e vinho, um símbolo de brindes e expectativas que não deram certo. Gosta de apreciar a luminosidade atravessando os vidros no fundo do pátio. Um sapo vive ali debaixo daquela prateleira corroída pela ação do tempo. Pedro ouve os rumores do anfíbio dialogando com o vento na pitangueira. 

Quando se recolhe à tardinha, não liga o ar condicionado, prefere o ventilador. “O barulho das hélices é mais agradável e palpável”, reflete. Começa a reler os livros antigos. “Só é possível transformar-se na medida em que já se é”, diz Novalis a luz de uma vela que exala aroma de canela. A verdade o cega.

Pela manhã, ouve rádio apenas por estar acostumado ao zumbido. O conteúdo nem sempre é dos melhores. Logo depois que a cafeteira ronca. Mesmo vivendo no além-Oeste, com o sinal oscilante da tecnologia zurzindo fraco pelo ar, navega em busca de algo. Quem sabe exista um oásis perdido por aí, pedindo para ser encontrado. Que nada! Pedro encontra apenas os idiotas de sempre, um bando de tolos escalando montanhas imaginárias rumo ao cume das celebridades momentâneas.   

Uma voz vinda do nada lhe diz algo. “Admirável aquele cujo sua vida é um contínuo relâmpago”. Pedro deseja que alguém dê um tapa no interruptor e interrompa as faíscas. Afinal, um pouco de escuridão não faz mal a ninguém. Mesmo que seja no exato momento em que o sol começa a piscar pela vidraça da cozinha. Fecha os olhos. Um pouco de escuridão não faz mal a ninguém. Depois dá uma sacada se o azul voltou pro seu lugar. 

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