O ADEUS AO DONO DE UMA DAS ESQUINAS DA MINHA VIDA

Mila e Maninho. Quase dez anos de parceria.


Na última quinta-feira, pela manhã, me deparei com esse depoimento de Milany Rios, proprietária do Zeppelin, um dos bares mais tradicionais de Santa Maria.

As despedidas sempre me doem, e a tua me rasga o coração! Que fique aqui registrado, você foi mais que um colaborador de longa data, você é o nosso Maninho! Sempre um bom ouvinte e um cara justo. Ao longo dos últimos doze anos, você e sua família praticamente me adotaram quando vim para Santa Maria. Vocês contribuíram para meu amadurecimento e minha evolução como ser humano. Portanto  a porta sempre estará aberta para ti, Alessandro Giovanella”.

Esse depoimento da Mila não diz respeito apenas a um funcionário exemplar que pediu as contas.  Fala de um amigo e parceiro de noites e noites, traduz um sentimento de irmandade e reconhecimento.

Pra quem não é desse pedaço de torrão, ou não conhece o Zeppelin, vou dar a letra. Alessandro Giovanella, o Maninho, não era apenas o cara que pedia os nomes, rascunhava, distribuía e recolhia as comandas na porta de entrada do bar. Maninho era uma espécie de comandante da esquina da Visconde com a Venâncio. Passar por ali e não vê-lo mais sentado em frente ao Zeppelin, confesso, é uma cena com a qual eu não estou preparado. Há nove anos o cara esteve por lá. Quase uma década de piadas, confidências, troca de ideias, tiradas engraçadas, brincadeiras e máximas que não mais irão se repetir.

Não tem como não se lembrar da sua amizade e comando sobre os guardadores de carro daquela quadra, os churrasquinhos na calçada, a companhia frequente aos fumantes, as noites frias guarnecendo a entrada e a saída dos frequentadores do bar. Trabalho duro, sim, e a noite é impiedosa em nos extrair a energia vital. 

“Vou pescar e tocar bateria. Mais pescar do que tocar bateria, já que pesco melhor do que toco”, disse-me pelo telefone.

Muitas vezes toquei com minha banda ou fui assistir outro grupo ou amigo tocando, ou ate mesmo apenas entrei no bar pra tomar umas e coisas do tipo. Normal. No entanto, não foram raras as vezes que cruzando pela esquina das Ruas Venâncio Aires com Visconde de Pelotas, eu acabei estacionando meu carro e consequentemente gastei o meu tempo na porta do bar jogando conversa fora com Maninho. E dezenas de vezes nem entrei no bar. Só quando perdemos algumas pessoas percebemos o tamanho dessa ausência. Afinal, Maninho sempre esteve por lá, disponível, pronto pra trocar uma ideia e dizer uma bobagem ou verdade qualquer.

Daí, depois que surge essa brecha, só então percebemos que há falta de reposição no mercado. Isso é fato. Imagina a responsabilidade do galo que irá substituí-lo? Não queria estar na pele do cara.

Eu sempre achei que existem pessoas insubstituíveis. Aquele tipo de gente que entregamos mansamente os nossos segredos. E assim, falamos coisas que muitas vezes não revelamos nem aos terapeutas ou aos mais chegados. Maninho poderia escrever um livro, trocando os nomes dos personagens, e assim, nos encantar (ou nos arrepiar) com suas histórias. Ouvi algumas. Bem, todo mundo saberia quem é quem na jogada... Deixa assim, brother! Somos provincianos demais, o mundo nunca foi tão pequeno e Santa Maria é menor ainda. A história oral muitas vezes não pode ser revelada, sabemos disso. Esse vernáculo fica confinado aos sócios remidos das encruzilhadas urbanas.

Seja feliz, meu amigo! E volte logo, que seja como baterista em uma banda qualquer. Eu estarei na plateia, aplaudindo o velho Maninho de guerra, o dono de uma das esquinas da minha vida. 


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