SENDO ESMAGADO PELO DEDO MINDINHO DO CRIADOR
Inspirada em "Crush", música da Jack of Hearts
Olhou pra fora. Nenhum
fiapo de algodão faz menção ou insinua-se sobre sua cabeça. Não chove há meses.
As nuvens foram extintas do céu. Tem quase certeza disso. Devem estar dando uma
banda em outro planeta mais confiável. Não vê uma sombra humana por perto. Sem
problemas. Sempre se deu melhor com os bichos. Os gatos e cães circulam
próximos aos olhos. Tudo certo. Ser humano tem a marca da inconfiabilidade.
Cansou da raça. Ainda bem que eles também parecem ter desistido dele.
Toma um gole de água no bico da botija. O último. Precisa ir até o riacho e prover a cambona. Até o gargalo. Sempre sente muita sede. Ele deve beber uns três litros por dia. Caminha até a fonte e na cruzada bate com a mão no pequeno sino pendurado numa árvore seca.
BLEINNNN!
Gosta de ouvir o
barulho reverberando. Chega próximo ao manancial, e então atira uma pedra na
água. Um som abafado é produzido simultaneamente ao momento que o objeto some
nas profundezas. Engraçado, o rio parece
não sofrer com a falta de chuvas. O nível continua estabilizado, pelo menos
mediante sua marcação.
Perdido naquele buraco
no meio do deserto, em seu oásis, é como se estivesse com os braços quebrados e
as pernas acorrentadas. Há imobilidade em sair dali. Na verdade, a intuição lhe
avisa que aquela posição estratégica precisasse ser guarnecida. Olha para o
relógio de pulso. É incrível! Ainda funciona perfeitamente. 16h30. Daqui a meia
hora o sol deve se pôr. Deve não, vai. Depois que o velho mundo foi pro saco, o
astro rei ficou mais preguiçoso. Pode apostar que a bola de fogo cansou desse
planetinha sem perspectivas. Aquele homem também já jogou a toalha. Eis que lá
está ele, apenas esperando sabe lá o quê.
Noite passada sonhou
que tinha morrido. Lembra-se de protagonizar a história como capitão de um
navio fantasma. Vestido de palhaço assombrava almas penadas presas numa espécie
de purgatório. O barômetro apontava para
o Sul. E para esse extremo ele navegava. Nunca gostou de discutir com objetos
ou qualquer um. Nem em sonho. E naquele mesmo devaneio, enquanto olhava pro céu,
via uma invasão de nuvens sobrevoando a nau. E eis que o dedo gigantesco do
Criador surgiu do nada e esmagou a embarcação. Tudo desapareceu. Inclusive ele.
Um ser impiedoso feito um gigante esmagando uma pulga com o dedo mindinho.
“Nada de olhar para as nuvens”, uma voz poderosa e gutural bradou em alto e bom
português.
Adeus.
Acordou... Daí tomou um
gole d´água e puxou o gato pra cima da rede. “Deve estar uns 45 graus”, pensou
ao mesmo tempo em que enxuga o suor da testa e fecha os olhos. “Merda”, disse
em voz alta.
Até nos sonhos está muito claro quem é o Patrão nessa história. Isso foi noite passada. Hoje, enquanto retorna a porta da cabana, de repente para. Coloca as mãos na cintura e fica por vários minutos olhando o sol desaparecer pelo horizonte.
Por enquanto, nada de
nuvens, vozes ou dedos esmagadores.
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