ALGUMA COISA ME DIZ QUE NA NOITE DE 28 DE JUNHO EU PRECISO ESTAR EM BUENOS AIRES
BEBETO ALVES ANUNCIA SHOW INÉDITO DE “MANDANDO LENHA” NA CAPITAL ARGENTINA.
Na última sexta-feira fomos surpreendidos com um anúncio inesperado: o músico gaúcho Bebeto Alves postou no seu Facebook que irá finalmente apresentar na íntegra o show de “Mandando Lenha”, disco que chegou às lojas originalmente em 1997.
Nas redes sociais, uma série de manifestações positivas em relação a esse trabalho acabou chamando a atenção do produtor Carlos Villalba. E eis que o artista e agitador cultural portenho convidou Bebeto a inaugurar um novo centro cultural em Buenos Aires, justamente com um show que reprisa na íntegra o disco de 97. “Mandando Lenha” é o ponto de equilíbrio na trilogia entre Bebeto e o compositor regionalista Mauro Moraes, já que, três antes, numa temática semelhante, a dupla havia feito “Milongueando Uns Troços” (1994), e dois anos depois viria “Milongamento” (1999). Fora apresentações isoladas em programas de TV, nunca houve um único show com essas composições no repertório. O motivo disso ainda pode ser definido como um mistério. Ou não.
O fato é que esse conjunto de 14 canções empacotadas no CD virou álbum de cabeceira de muitos. Por exemplo, a minha relação afetiva com “Mandando Lenha” mudou algumas coisas na minha vida. Em primeiro lugar, depois de sucessivas audições, voltei a escrever.
Eu sou um homem que se relaciona facilmente com o rock, blues e o jazz, e tenho poucos discos de música gaúcha. No entanto, a herança do meu falecido pai, como um homem que apreciava temas do gênero, ficou encubada no meu inconsciente. “Presta a atenção na letra”, era um de seus recados sempre que ouvíamos LPs juntos. E nesse aspecto, o conteúdo intelectual de “Mandando Lenha” é um manancial contínuo de conhecimento, experiências e epifanias. Ainda hoje, quando ouço o CD, as letras conversam comigo, me passam recados, promovem visões, constroem missivas imaginárias que pairam em busca de um destinatário.
Uma das principais idiossincrasias desse álbum se dá pela configuração instrumental. Diferente de boa parte dos discos do gênero, apenas dois instrumentos comandam as ações: o contrabaixo acústico de Clóvis ‘Boca’ Freire e o violão de náilon do músico argentino Lúcio Yanel. De todo o modo, sim, na sonoridade há uma forte ligação folclórica e um cruzamento legítimo com a herança platina. E mais: nuanças jazzísticas, um toque erudito no arco que raspa contra as cordas do baixo, e com certa liberdade poética, dá pra dizer que até mesmo o blues surge entre as frestas, emergindo sorrateiro através das omissões promovidas pela ausência de outros instrumentos. E com isso, a música respira livremente.
Veja uma rara apresentação em um programa de TV.
E a voz... Bom, já ouvi as composições do poeta uruguaianense com outras vozes, e ninguém canta Mauro Moraes como seu conterrâneo Bebeto Alves. E de algum modo, isso empresta mais cores universais ao álbum. A forma de interpretação de Bebeto não reverencia o cantador tradicional gaúcho, pelo contrário, se distancia. Na obra de Bebeto, esse mash up sempre existiu, por isso, sua presença e a forma como dá vida e cores à interpretação é legitimada naquilo que ele nos apresenta.
As letras, muitas vezes relacionados a coisas do campo, flertam com as referências urbanistas do cantor. Em suma, dá pra definir toda congruência vocal e instrumental em uma única palavra: atemporal. Atemporalidade que talvez seja uma das principais virtudes para que qualquer bom trabalho artístico sobreviva ao teste do tempo.
E se Bebeto, Lúcio e Clóvis formam um monstro de três cabeças, é porque há um espírito perturbado que perambula pela temática explorada por Mauro. Cada frase de cada música contém o combustível que move a máquina humana. “Como se a escuridão trouxesse luz / como se o coração fosse explodir” (Chamamecero); “Eu falo de tudo um pouco. E que me importa que os outros riam de mim!” (Milonga pra loco); Não fosse a cuscada esculhambando no galpão / Eu enchia a barriga de rapadura e chimarrão” (Mandando lenha); “A lágrima trouxe consigo amigos / Me encharcou o rosto e tirou retrato” (Do fundo da alma); “Dá-me um beijo, um gracejo / Sem medo de sair” (Com violão na garupa); “Tristeza vou pôr uma beca, saí campo-fora / prosear com a querência” (Juntando os gravetos).
“E creio que vale a pena lavar a erva do mate” (O sul por vida); “Sou feliz porque assim deve ser / Buscando em tudo urgência e prazer” (Milonga amarga). “O cusco anda pelo açude / Descobrindo o mundo que avistou por lá” (Lavando a alma); “Conversei com a solidão / Ela me pareceu tão sem razão” (Mostrando a cara); “A vida foi me tapeando o chapéu e distraiu-me dos meus pensamentos” (Charla de tropa); “Quando escuto as notícias da minha saudade / E o violão desafina, a corda arrebenta!” (Com cisco nos olhos); “Cautelosamente o mal me embretou / Me desalmando o chasque” (Na ponta dos dedos); “Mas bah!, que troço bagual / Montar e sair à cavalo atoa por aí” (Matando a pau).
Um disco para iniciados na arte de viver. Cuidado: principiantes podem titubear nas primeiras audições. Acima de tudo, trata-se de um álbum feito para ouvintes que não tenham medo de serem instigados a pensar. E nenhum CD me coloca tanto pra refletir como "Mandando Lenha”. Quando ouço no carro, muitas vezes me emociono perdido em reflexões e dilemas.
Algo me diz que em junho desse ano eu preciso viajar até Buenos Aires. Um momento histórico irá se configurar na capital portenha na noite do dia 28, nos primeiros dias do invierno porteño. No palco, além do intérprete original de “Mandando Lenha”, lá estarão Clóvis ‘Boca’ Freire (baixista dos álbuns) e Marcelo Caminha (violonista de ‘Milongamento’).
Alguma coisa me diz que estarei em Buenos Aires na noite do dia 28 de junho, sem dúvida, um domingo que será único e inesquecível. Ah! Outra boa nova é que e esse mesmo show estreará em terras gaúchas no dia 13 de agosto, às 20h30min no Centro de Eventos do Hotel Itaimbé.
É verdade, Grings. Estes 3 discos me marcaram muito também. Passei a ver (ouvir, sentir) uma espécie de alma campeira/"gaucha" mais viva e atual/atuante, além das "narrações" de feitos e bravuras/bravatas passadas e presentes corriqueiras.
ResponderExcluirTu bem sabes que tem horas que são pra ouvir um blues, outras pra um rock-pesado, umas pra MPB, e até horas pruma bossa-nova. Música nativa sempre gostei de escutar pela manhã, acompanhado por um mate. Mas depois de conhecer "Milongamento" e "Mandando Lenha", e ir atrás de "Milongueando uns Troços" - com 6 músicas cantadas pelo José Cláudio Machado, já ido - qualquer hora era hora pra escutá-los, manhã ou noite, sol ou chuva, praia ou serra, mesmo nas madrugadas esfumaçadas de minhas viagens. (Até falei isso pro Mauro Moraes numa apresentação solo do Bebeto mostrando "Milongamento" ali no Teatro Renascença do CMC de POA; sim, isso, um show único lá por 99 ou 2000, não lembro).
Bueno, resumindo, acertastes a palavra: são "atemporais" estas obras.
Abração, viejo!
PJ, pai do Pablo.
Obrigado pelo comentário, Mister! Abraços e venha ao show! Seria um prazer vê-lo por aqui.
ExcluirBelo texto. Parabéns!
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