Há 81 anos, nascia Nina Simone


Sam Shepard faz homenagem a cantora em "Crônicas de Motel".

Cantora, compositora e pianista, Nina foi um exemplo de dedicação e superação diante da indústria musical dominada por brancos. Sua voz roía o ar. Sua presença cênica era única. Ativista, Nina cantou durante o enterro de Martin Luther King. Casou com um policial que tinha um hobby: espanca-la. Passeou pelo folk, blues, jazz, soul, adorava reinventar clássicos do pop com suas interpretações únicas. 

Morreu dormindo, faz onze anos. Viverá para sempre nos toca-discos. 

Lembrei das paginas 95 e 96 “Crônicas de Motel”, de Sam Shepard, livro publicado no Brasil em 1984. Lá ele conta uma historinha curiosa no tempo que trabalhava como garçom, e relata como foi despedido depois de entrar em transe ao ouvir a voz da cantora. 

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Naquele tempo, costumava levar gelo à Nina Simone. Era sempre simpática comigo. Tratava-me sempre por Queriiido. Levava-lhe uma bandeja cinzenta de plástico cheia de gelo, para ela pôr no Whisky. 

Ela despia a peruca loura e a atirava no chão. Embaixo, seu cabelo real era curto como o de um cordeiro preto tosado. Tirava as pestanas e as grudava no espelho. As pálpebras eram salientes. Pintava-as de azul. Faziam-me sempre pensar numa dessas rainhas egípcias, como as que eu tinha visto na National Geographic. A sua pele era brilhante e úmida. Enrolava uma toalha azul ao redor do pescoço e depois inclinava-se para a frente, descansando os cotovelos sobre os joelhos. O suor escorria pelo seu rosto e pingava no piso de concreto vermelho, entre os seus pés.


Costumava terminar o show com a música "Pirate Jenny", de Bertold Brecht. Cantava sempre esta canção como se se tratasse de uma vingança sua, muito profunda, como se tivesse sido ela própria a autora do poema. Sua performance batia direto na garganta da plateia branca. Depois ela mirava o coração. Finalmente, a cabeça. Ela era mortal naqueles dias. 

canção que ela cantava que realmente me matava era "You'd Be Nice to Come To". Sempre congelava meus passos. Estava entre as mesas, juntando os copos de Whiskey Sour quando ela atacava aquele piano, que desabava sobre nós, retumbante, com a sua voz fantasmagórica, serpenteando através do amontoado das cordas. Os meus olhos subiam para o palco e por lá ficavam, enquanto as minhas mãos continuavam trabalhando. 

Uma vez, derrubei uma vela enquanto ela cantava essa música. A cera quente espirrou no terno de um executivo, sujando-o todo. Fui chamado ao escritório do gerente. O homem já lá estava, com a cera endurecida espalhada pelas calças baixo. Parecia que tinha vindo por conta própria. Nessa noite, fui despedido. 

Da rua, ainda podia ouvir a sua voz atravessando as paredes: "You'd Be Nice to come home to" (Seria o paraíso, ter-te à minha espera).

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