Acorrentados
Crônica publicada no site de CP (21.02.14)
Deu certo barulho o depoimento que o santa-mariense Fabrício
Silveira colocou em seu Facebook no início do mês. Na postagem, Fabrício, que
hoje mora em Porto Alegre, chama a atenção para o quanto nossa cidade parece
estagnada no tempo, e consequentemente, entre outras coisas, não gera
oportunidades profissionais para os seus. Ainda segundo o ponto de vista dele, em Santa Maria apenas
proliferam “farmácias, carroças de cachorro-quente e lojas de R$ 1,99”. Ele
ainda fala de desentrosamento social, ausência de dinâmicas produtivas,
proclama que nossa classe política é burocrática, fisiológica e atordoada, além
de afirmar que a burguesia local é cansada e empobrecida.
Por último, usa simbolicamente o monumento “O Idealista”,
instalado na Avenida Dores para concluir sua visão das coisas. Ele diz que a
estátua de Juan Amoretti é a perfeita metáfora “de alguém que quer voar, mas
está acorrentado”.
Conheci Fabrício, ou “Cenoura”, como grande parte dos amigos mais
chegados o chamam, ainda nos anos 1980. Ele era um dos integrantes do Névoa
Púrpura, grupo local que ajudou a agitar a cena roqueira aqui da província.
Atualmente, o jornalista Fabrício Silveira é pesquisador e professor junto ao
programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos. Ano passado
lançou um livro muito bacana: ”Rupturas Instáveis – Entrar e sair da música
POP”, publicação editada pela editora Libretos. Recomendo.
Formado na UFSM, Fabrício é um bom exemplo de profissional que
tranquilamente poderia estar atuando em Santa Maria. No final das contas, como
tantos outros talentos, saiu daqui em busca de uma nova Terra Prometida. Todos
nós precisamos de oportunidades, e já vi muita gente boa saltando fora da
carroça para alçar voo em diversos outros lugares. Eu mesmo, que nem sou tão
bom assim, muitas vezes pensei em fazer isso. Talvez por ruindade mesmo, nunca
o fiz.
Vejo aspectos positivos em Santa Maria, tanto que na maioria das
vezes quando dou uma banda por outras cidades, visualizo o lado bom de morar
aqui. Apesar de já diagnosticarmos inúmeros sintomas negativos de uma
metrópole, sim, ainda somos positivamente provincianos. Gosto do ritmo do
interior, é bom estar a 15 ou 20 minutos de qualquer lugar, poder dar uma
escapadinha rápida na Serra e curtir a quarta colônia a pouco mais de meia hora
de carro. No meu ponto de vista, chegar mais cedo em casa é qualidade de
vida. Por outro lado, nos sentimos esmagados por essa engrenagem enferrujada
que move o sistema há décadas, onde cada passo à frente, parece demandar um
esforço sobre-humano.
Essa semana eu fui almoçar na casa de um amigo que mora no bairro
Itararé, e ao passar pela ponte que sobrepõe parte da estrutura da Gare da
Estação Férrea, pude assistir de camarote uma das magníficas visões da minha
infância definhando como um moribundo em estado terminal. A máquina da politicagem atropelou, engoliu e triturou nossa
ferrovia, e com isso, sem dúvida é uma das responsáveis por essa maldita conta.
Usemos a Europa como exemplo de como o tal abandono foi um erro brutal.
Inacreditável o que fizemos com nossos trens!
Não sei por que, mas acho que sou um dos poucos que gosta daquela
estátua de metal presa as correntes na Avenida Dores. Nunca vi ninguém
elogiando o dito monumento. Devo ter empatia pela imagem, talvez simplesmente
pelo fato de lembrar-me de alguém que conheço muito bem. Inclusive, esse
sujeito poderia ter posado de modelo para Amoretti. Por quê? Por que muitas vezes o cara quis bater asas em outros
céus, mas de uma forma ou de outra, nunca conseguiu avançar um centímetro sequer.
Tenho certeza: são aquelas malditas correntes que o aprisionam eternamente a
Santa Maria. Coitado dele.
Mais sobre trens, ferrovias e Santa Maria, leia crônica publicada em 12.10.12
Mais sobre trens, ferrovias e Santa Maria, leia crônica publicada em 12.10.12
Cidades são coisas orgânicas, são aquilo que as pessoas fazem delas. Eu sempre adorei Santa Maria, desde que cheguei lá mas, quando o sapato apertou, fiz o que o Fabrício fez: fui embora. Na época em que morava lá, tinha as minhas queixas: achava que a cidade era pouco efervescente em termos de cultura, que havia poucas oportunidades profissionais etc. Mas o fato é que eu próprio não contribuí com quase nada. Eu não tenho mesmo ideia de como as coisas andam economicamente por lá hoje em dia, mas sinto falta danada da cena santamariense. E dos últimos melhores amigos que eu fiz na vida...
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