Ele e os gatos
Ao acordar, percebe a garganta embolada. Liga o rádio para ouvir as
notícias e pigarreia porta afora da cozinha. O Papa domina os noticiários.
Tosse soltando fumaça pela boca. Para soltar o peito, dá uma senhora cuspida.
Nojento aquele troço. Lembra-se do velho Ford Modelo T de seu avô engasgando na
garagem. Quantas vezes aquele caco deixou a família na mão? Conversa com os
gatos enquanto enche os potes de ração. O som da sua voz sai rouco, estranho.
Olha o termômetro na área externa e percebe que a coisa ‘tava braba. Se pudesse
se ver no espelho, a autoestima iria para o saco. O Espantalho do Mágico de Oz
dá um banho de elegância perto daquela imagem deprimente. Caminha pelo pátio
com um roupão azul de listras brancas, um cuecão de lã preto justo que o deixa
com pinta de bailarino russo aposentado, chinelos de lã, cachecol e boné de
caminhoneiro na cabeça. Uma barbuda figura deprimente retorcida pelo frio segue
fantasmagoricamente até o portão para buscar o jornal. Na capa, a manchete diz
que o Colorado é líder do Brasileirão. Procura uma réstia de sol para folhear
as páginas até perceber que o jornal já está velho às sete e meia da manhã. Que
coisa! Neste mundo de hoje a velocidade é um mal difícil de ser derrubado do
alto do pódio. Tudo parece turbinado pelos movimentos do relógio que
implacavelmente nos empurra para o futuro de nossos dias.
Tem um poema que fala disso:
“Perceba, antes que amanheça/Cada segundo é uma despedida/Cada palavra que dizemos pode salvar uma vida/Ou feri-la com um golpe mortal. (...) Repare antes que seja tarde/Antes da próxima chuva/Ou antes, que alguém desapareça/Tudo passa muito rápido”.
Tem um poema que fala disso:
“Perceba, antes que amanheça/Cada segundo é uma despedida/Cada palavra que dizemos pode salvar uma vida/Ou feri-la com um golpe mortal. (...) Repare antes que seja tarde/Antes da próxima chuva/Ou antes, que alguém desapareça/Tudo passa muito rápido”.
Sim, não há dúvida. Tanto que escreveu essas linhas há 10 anos, e parece que foi ontem que as rascunhou num guardanapo de papel. Enquanto tira a erva da cuia, fica imaginando o quanto seria fácil se pudesse fazer o mesmo com algumas coisas na sua vida. Extirpar o lado nefasto como erva velha no fundo do pátio. Não que ainda haja esqueletos escondidos no armário da cozinha ou que esteja com o rabo preso em alguma situação indesejada, nada disso. ‘Tá tudo zerado dentro dele. Aquela velha história de recomeçar pela milésima vez não é mais novidade nenhuma. Faz parte do jogo. Talvez o frio o deixe um tanto mais pensativo, reflexivo como sua errática existência... Até ser despertado pelo barulho da chaleira chiando. Ajeita a erva nova no canto esquerdo da cuia, coloca a água quente na térmica e previsivelmente, outra vez, procura um solzinho no fundo do pátio para matear solito. Bem, nem tão sozinho assim, já que o “gataredo” fica se roçando o tempo todo em suas pernas. Os três bichanos disputando segundos de sua atenção.
Assim como Bill Burroughs, nos últimos anos também se tornou amante dos gatos.
E, agora, reconhece a alma felina como um espírito familiar. Sem dúvida,
compartilha coisas com os gatos. Como aquele momento único que vai passar
voando.
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