O campo de junquilhos






Crônica #47 publicada no Diário de Santa Maria 14/06/2013 | N° 11711


Ele levanta cedo. A neblina ainda toma conta de tudo. Parece que alguém entortou uma chaminé que desemboca fumaça diretamente na porta da cozinha. Do meio da bruma, o gato mia pedindo comida. Seu dono enche o pote com ração e o bicho olha pra ele com um ar de tristeza. Então o afaga. Só assim o bichano começa a comer. O homem mira o pequeno vaso de flores na cozinha e percebe que o ramalhete de junquilhos está seco. Dá uma cheirada de leve no buquê e constata que não há aroma algum. Joga as plantas moribundas no lixo e resolve colher um novo maço.

O fogo parece gelo seco, aquele “fumacê” cafona usado em filmes B de terror. Mas não é. Trata-se da vida real. Apenas a natureza soprando seu bafo úmido como prenúncio do final do outono. Vestindo um pijama esfiapado, gorro de feltro e com os pés envoltos em um velho par de meias de lã – que se mostra inoperante dentro de sandálias –, aquele homem abre a cancela do pátio. Atravessa o terreno onde mora com a companhia do seu cachorro farejando tudo ao redor.

Após uma dúzia de passos, ele está com os pés completamente molhados pelo orvalho que se deposita nas plantas de um lugar como aquele. Pouco se importa. Ali ele observa bergamoteiras, laranjeiras, limoeiros, caquizeiros, goiabeiras, araçazeiros e outras árvores frutíferas, mas nada disso faz seus olhos brilharem tanto como o campo de junquilhos. Lembrou-se da avó, que a vida toda plantou flores naquela pequena propriedade. Das dezenas de espécies cultivadas ali, apenas os junquilhos resistiram à ação do tempo e ao descaso dos herdeiros daquela família. É engraçado como, independentemente de haver cuidado ou não, os cormos dos junquilhos sempre fazem as plantas ressurgir nessa época do ano. Chega a pensar naquela brincadeira de que se houvesse um desastre nuclear, apenas “Keith Richards e as baratas sobreviveriam”. Em pensamento, ele completa: “Keith, as baratas e os junquilhos”.

Cuidadosamente, fica de cócoras e apanha cerca de 20 pendões florais. Aproxima-se de um butiazeiro e, meticulosamente, desfia um filete da extensa folha do fruto amarelo, para que assim, possa usa-lo como um eficiente barbante que amarra o ramalhete de flores – da mesma forma que seus avós faziam com os produtos que levavam a feira. Feito o serviço, só então se afasta da bordadura de canteiros. Seus pés estão desconfortavelmente encharcados pela umidade da vegetação. Ao chegar à porta dos fundos da casa, pendura as meias no varal e troca o calçado.

Já com chinelos de lã e um novo par de meias, coloca água fresca no vaso e deposita as flores nele. O aroma rapidamente se espalha pelo ambiente. Vai até a sala e abre a gaveta da estante de livros. Procura a caixa de incensos. Encontra, dá uma cafungada em uma das varetas perfumadas e faz cara de desaprovação. Amassa o pacote e o joga no lixo. Respira fundo em busca do aroma das flores. Um sorriso de satisfação toma conta do rosto daquele pobre homem.

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