Eu me lembro das arquibancadas de madeira



Estava refletindo sobre a notícia que moveu o futebol santa-mariense nessa segunda semana de abril: que devido à interdição de seu estádio, o Inter-SM vai jogar nos Eucaliptos, morada do maior rival do Colorado de Santa Maria. Sabemos que aconteceu um acordo entre a presidência dos arquirrivais, ou seja – como os dois clubes estavam impedidos de praticar futebol nos suas respectivas casas, o clube que tivesse seu estádio liberado primeiramente, cederia sua casa para o outro.
Gostei disso. Até por que, rivalidade no esporte, é óbvio, precisa (sempre) ficar restrita apenas as quatro linhas. Esse lance de segurança nos estádios me fez lembrar-se dos anos 1970, quando eu ainda era criança. Bom, falo com conhecimento de causa, pois quando guri, frequentei tanto a Baixada, quanto os Eucaliptos. Até os nove anos, eu morei na Pedro Gauer, no bairro Perpétuo Socorro, bem atrás de uma das goleiras do estádio do Periquito.
Como esquecer os apupos da torcida que vazavam deliberadamente direto para o quintal da minha casa. Lembro que eu e meu irmão do meio, subíamos em uma das árvores do pátio pra dar um bico nas partidas. Um tempo depois, já no finalzinho daquela mesma década, nos mudamos para o Bairro Passo D’Areia, na Avenida Independência, próximo ao Coloradinho. Foi quando meu pai me levou pela primeira vez na Baixada, exatamente no dia de um Rio-Nal. Eu recordo que as arquibancadas de madeira envergavam perigosamente ao balanço dos torcedores. Dava quase pra escutar (ou imaginar) os estalos da madeira nos avisando do perigo iminente. 

Também lembro que eu segurava firme na mão do meu velho, com medo danado de despencar dali. Como esquecer os picolés de limão comprados de vendedores ambulantes, e do desespero que dava quando o sol derretia rápido demais o picolé e inevitavelmente melecava mãos, pernas, enfim. E aí, eu pergunto: será que da forma como os estádios eram naquela época, eles não seriam bem mais perigosos do que são atualmente? Acredito que sim. Bem, mas eram outros tempos.  
Voltando a falar daquela tarde, parece que foi hoje que joguei papel picado pra cima e vibrei quando o chute de um zagueiro lançou a bola pras alturas, fora das fronteiras do estádio. Mas divertido mesmo, foi assistir lá de cima da arquibancada, um moleque sair correndo pelo meio da rua com a bola oficial debaixo dos braços. Outra lembrança: aprendi um monte de palavrões novos naquele domingo, e pra minha surpresa, grande parte deles saiu da boca do meu pai.
Esse lance de ver o futebol de dentro de um estádio, no olho do furacão, no coração da torcida, não tem preço. É uma baita escola pra quem gosta desse esporte. Por isso, bacana o Inter–SM voltar a jogar na cidade. Bonita a atitude dos rivais de se ajudarem, mas sinceramente, eu espero que assim como o Riograndense conquistou novamente o direito de voltar a jogar na sua casa, nosso Interzinho também possa voltar a fazer o mesmo.
Claro que para isso, esperamos que todas as providências necessárias sejam tomadas. E que haja compreensão das autoridades nessa caça as bruxas (muitas vezes até exagerada, eu diria) – no levante local pós Tragédia da Kiss. Que nunca esqueçamos o bom senso. Mas... Sério, que essa ida do Coloradinho até o Bairro Perpétuo Socorro traga sorte ao alvirrubro, no entanto, faço votos que o mais breve possível possamos assisti-lo de volta na Baixada Melancólica. 

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