Voltando pra casa




Ele entra no táxi quando a chuva ganha proporções de dilúvio. Seus olhos dialogam com toda aquela água. Abre a porta e mal olha o rosto do motorista. Enquanto ouve o estampido da fechadura, no momento que afivela o cinto de segurança, secamente anuncia o destino da corrida. Voltar pra casa não era o que ele queria naquele momento. Um mausoléu de lembranças o esperava por lá. Aquele homem errou tantas vezes, hesitou tantas vezes, pisou na bola tantas vezes, que ele próprio não entendia como pode fazer aquilo, em primeiro lugar - com ele mesmo. É contra seus princípios. Afinal, todos nós temos noção do que é certo ou errado. Só agora, depois de perceber o letreiro THE END em letras garrafais é que pôde sacar que foi pra valer. Acabou um capítulo ou o filme? 

Repara que o motor do limpador de para-brisas do táxi faz um barulhinho irritante, como um grilo exercitando seu chilreio. Fecha os olhos e ouve o chamado do barqueiro, um espécie de anjo tranquilo que leva as almas perdidas até o outro lado. Abre as pálpebras e vê que a pestana do limpador não dá vencimento naquilo tudo que escorre em frente a si. Literalmente. O vidro fica embaçado, mas não tão embaçado como sua vida. Coloca as duas mãos no rosto.

Relembra a doce melodia do Tyorei, sinalizando que o anjo barqueiro, quer ele queira, ou não - precisa prosseguir na sua travessia. É aquele condutor que leva pro lado de lá o espírito de quem declina. Então, o passageiro deita no bote, fecha os olhos e vê o céu azul avermelhando, apenas o anúncio da despedida de mais um dia. Enquanto isso, resignado deixa suas mãos tocarem a água morna de um lago absurdamente negro. Em meio ao temporal, por alguns segundos, aquele táxi virou um barco, sua triste embarcação.  

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