Vida e revisão ortográfica



Crônica #12 publicada no Diário de Santa Maria 05.10/2012 | N° 3265


Esta semana eu comecei a ler Waging Heavy Peace, autobiografia de Neil Young. Dando uma olhada no livro, de cara, deparei com uma frase fabulosa: “Não existe revisão ortográfica para a vida”. Será? Só sei que vamos vivendo sem prescrição médica e, muitas vezes, seguimos em frente apenas guiados pelo nosso próprio faro. Afinal, não dá para fazer revisão de estilo a 200 por hora. Lembrei também de uma entrevista que assisti há muito tempo na TV, com o ator italiano Vittorio Gassman, quando ele disse algo mais ou menos assim: “Nós deveríamos ter duas vidas. Uma delas seria utilizada apenas para ensaiarmos, e outra, para atuarmos. No entanto, infelizmente, ensaiamos atuando”.

Estou cansado de ouvir aquela lorota de “nunca me arrependi de nada na vida”. Conversa fiada! Quem nunca tropeçou em seus próprios enganos? Se pudesse voltar atrás, consertaria algumas coisas... Mas, voltando ao livro de Young, o artista confessou em entrevista que, pela primeira vez em muitos anos, está sóbrio. E, segundo ele, já se mantém assim há um ano. Young ainda justificou que a mudança na maneira como leva a vida foi promovida com o processo de escrever suas memórias. A maconha, principalmente, era tão presente na vida de Young como o cigarro de tabaco. O fato de estar limpo ainda faz com que o músico se espante com as reações do seu corpo. “Quanto mais limpo, mais alerta eu fico, menos eu me conheço e mais difícil é me reconhecer”, filosofou o cantor. A droga parece ter editado sua memória.





Descobri a música de Neil Young quando tinha 15 ou 16 anos. Um amigo me apresentou um LP chamado Comes A Time, de 1978, disco que promoveu uma revolução na minha cabeça. Sempre o encarei como uma espécie de tio distante. Desde então, sua música faz parte da trilha sonora dos meus dias e noites. Neil, com certeza, ensaiou atuando durante décadas. Trocou de camisa, de mulheres, de som, de casa, de estilo de vida, e hoje é reconhecido não só pela música, mas também pela sua atuação como filantropo, ativista político e ambientalista. Dá pra reconhecer que o velho é gente boa.

Fiquei pensando nesse lance de como editamos as coisas. Meias-verdades nascem assim. Pequenos takes da vida que ganham photoshop e cores mais bonitas. Essas manipulações fazem com que a verdade flerte com a ficção. É a vida, só que com correção ortográfica. Tente teclar um texto qualquer sem cometer um erro apenas. Impossível, não é? Errar faz parte do jogo. E, apesar da frase de Neil ser muito boa, concordo em partes. No entanto, estou em busca da ausência de revisão ortográfica. Pelo menos já sabemos que não dá para reescrever os parágrafos de ontem e não dá pra olhar para trás o tempo todo.

  

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