Fim de tarde no táxi a caminho de casa
Todo o dia a mesma cena se repetia. A garotinha saía sonolenta do banheiro com os dentes recém escovados e o seu pai já a esperava no carro, fumando com a janela aberta. Enquanto ela se despedia da mãe, o pai dava a última tragada rápida no cigarro e em seguida jogava o crivo pela janela. Abrindo a porta, ele retraía o banco pra que a filha pudesse se acomodar no banco de trás do Opala. Com olhos sorridentes ela dava um beijo estalado no rosto do seu herói - “Bom dia princesa!”, ele dizia insinuando um esboço de sorriso com o canto esquerdo da boca. Só então dava partida. O ronco do motor fazia o coraçãozinho dela disparar. O trajeto até a escola durava cerca de 10 minutos. A garota colocava o pescoço entre o banco do carona e o do motorista, praticando todos os dias o doce exercício da contemplação. Aquilo tudo tinha ares de espetáculo pra ela: o modo como o pai fazia as marchas, primeiro ajeitando o retrovisor e depois piscando o olho pra ela. Os movimentos das mãos ao volante quando virava para qualquer lado, ou até mesmo o aceno da mão esquerda do pai ao encontrar algum conhecido pelas ruas. Ela achava engraçado o tapinha de leve que ele dava na buzina, deflagrando um som falhado, parecendo um pato rouco. Ele olhava pra ela e ria. Ao volante, ela admirava o pai com devoção, mais do que nunca!
Hoje ela não é mais uma garotinha. Não mora mais em uma cidade pequena e seu pai já faleceu há alguns anos. Muitas coisas mudaram, mas uma certeza continuava reluzindo firme no seu hall de preferências: Ela ainda gosta de apreciar homens dirigindo automóveis. Sempre foi um lance que mexeu com ela. Não chega a ser algo sexual, mas todo o misancene lhe deixa ligada, levemente excitada. Na verdade não sabia dirigir e talvez nunca aprendesse. Ela curte mesmo, é ver um homem ao volante. Aquilo exala certo charme que a conduz ilesa até um alpendre confortável, um lugar que ela gostava de estar. Masculinidade na medida certa! Naquela tarde ela saiu do trabalho mais cansada do que o habitual. Apenas desejava reencontrar a solidão do seu apartamento, tomar um banho quente e enredar-se deliciosamente na teia da sua bagunçada cama macia. Concluiu que merecia um táxi pra chegar mais rápido ao apê, já que uma chuva fina envernizava aquele fim de tarde. Ligou pedindo um. O taxista chegou num gol detonado, aquele tipo de carro de praça que não vende nenhum tipo de glamour, bem pelo contrário, havia um bocado de sujeira espalhada pelos bancos e assoalho. Não se importou. O motorista devia ter cerca de trinta e poucos anos, tinha aparência saudável e uma simpatia discreta que a agradou logo de cara. Ela falou o destino e ele imediatamente acionou o clique do taxímetro. O limpador de pára-brisa só funcionava do lado do motorista. Um som agradável de palheta roçando no vidro. Quando ele passava da primeira para a segunda marcha, seu corpo era levemente lançado para frente. Ela gostava da sensação e se acomodou novamente no banco de veludo. A janela entre-aberta deixava o vento passar na medida certa. O cara sabia dirigir um automóvel. Era Rápido e passava confiança. Quando ele engatava a terceira marcha, podia se perceber um barulho de escapamento aberto. Barulho bom. Os desenhos que a mão dele faziam no câmbio, assim como os movimentos de pernas sobre os pedais a faziam lembrar de homens habilidosos que habitavam sua lembrança. Um tio que fazia pose com um taco de sinuca, um amigo que tocava guitarra, segurando a palheta de um jeito todo seu, o avô e a elegância que o velho sentava-se a mesa aos domingos, a destreza de um vaqueiro qualquer laçando terneiros nos rodeios de sua infância.
O taxista a procura pelo retrovisor e fala do tempo. Ela sente-se um pouco encabulada, como se tivesse sido descoberta. Recupera-se no segundo seguinte e responde pro motorista que gosta de chuva. Remexe nas coisas que trouxe consigo, apenas procurando algo para categoricamente disfarçar sua contemplação. A poucas quadras de casa começa a se formar um pequeno engarrafamento. O início da noite deixa o asfalto gelatinoso e as luzes dos piscas espalham dezenas de borrões iluminados por todos os lados. O sinal abre e o taxista move-se rapidamente, na tentativa de não esbarrar no vermelho do semáforo, isso há apenas poucos metros do destino. Ele consegue. Estaciona milimétricamente em um único espaço bem em frente ao seu prédio. “Pronto, moça!”, diz o motorista fechando a corrida e virando-se para trás. Ela paga e o agradece com um sorriso. O taxista acena positivamente com um movimento de pescoço, sem dizer adeus. Lembrou do pai quando a deixava na porta da escola. Suspira. Um misto de dor e prazer pela lembrança. Apenas alguns degraus a separavam de sua cama. Enquanto procura as chaves na bolsa, como que num lampejo, vira o pescoço a procura do carro. Ela pode vê-lo no último segundo, virando a esquerda e desaparecendo na esquina mais próxima.
Pode parecer uma bobagem, mas meu avô me levava pra escola num opala marrom...e eu adoro ver homens dirigindo. Puts! Tô chorando. Bjus da Bia!
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